Os guardas vermelhos não são todos vermelhos: quem lutou contra quem na Revolução Cultural da China? – Parte 5/8

Ramin Mazaheri – 23 de abril de 2019

Este é o quinto artigo de uma série de oito partes que examina o livro de Dongping Han, The Unknown Cultural Revolution: Life and Change in a Chinese Village (A Revolução Cultural Desconhecida: A vida e a mudança em um vilarejo chinês), a fim de redefinir drasticamente uma década que provou ser não apenas a base do sucesso atual da China, mas também um farol de esperança para os países em desenvolvimento em todo o mundo. 

Aqui está a lista de artigos já publicados: 

Parte 1 - Uma revolução muito necessária na discussão da Revolução Cultural da China: uma série em 8 partes

Parte 2 - A história de um mártir DA, e não POR, a Revolução Cultural da China  

Parte 3 - Por que foi necessária uma Revolução Cultural na China já vermelha? 

Parte 4 - Como o Pequeno Livro Vermelho criou um culto "do socialismo" e não "de Mao  

Na Parte 3 desta série de 8 partes, respondi à pergunta levantada pelo título dessa parte: Por que uma Revolução Cultural era necessária na China já vermelha? Recapitulando: a China queria algo que a zona do euro não tem: planejamento econômico participativo. A China também queria uma democracia muito mais participativa (empoderamento político) no nível local e se afastar ainda mais de um estado central controlador e imperioso.

Mas por que isso exigiu uma Revolução Cultural (RC) de uma década? A resposta a essa pergunta é: todos os Guardas Vermelhos, promovidos para instalar a RC, não eram todos vermelhos!

Este artigo explicará algo nunca sequer sugerido nas histórias ocidentais (falsas) da China: as diferenças entre as duas facções da Guarda Vermelha – a da esquerda do espectro do pensamento político socialista e a do lado direito do espectro.

Isso explica por que as principais vítimas dos Guardas Vermelhos eram… os Guardas Vermelhos! Mas isso provavelmente precisa de mais explicações…

Essas diferenças partidárias eram tão profundas, tão amplas, tão arraigadas e tão ferozmente mantidas que a Grande Revolução Cultural Proletária da China talvez seja melhor concebida como “Guerra Civil Socialista da China”. A RC realmente era o centro e a esquerda da China contra sua direita…, mas devemos lembrar que a “direita” em um contexto socialista ainda está muito, muito à esquerda da “direita” em um contexto capitalista. Claro, a China também tinha alguns cidadãos “de direita ocidentais” impenitentes que se recusaram a adotar o socialismo que também estavam envolvidos.

Mas vivemos em um mundo hoje em que muitos não acreditam no conceito de um “espectro político” rígido e científico. Muitos refutam qualquer tipo de padronização do pensamento político, como se as ideias políticas de uma pessoa pudessem ser tão incrivelmente únicas que desafiassem qualquer tipo de rotulagem, apesar do óbvio obstáculo à compreensão e solidariedade que essa crença não pode deixar de criar. Dado esse erro generalizado, não devemos nos surpreender que a Grande Mídia Ocidental não tenha nenhum interesse em descrever completamente o espectro chinês de forças de combate durante a RC; para eles, a RC é dividida em selvagens assassinos (o Partido, o governo, os estudantes) e vítimas totalmente inocentes (geralmente professores, intelectuais e aqueles forçados a remover estrume em vez de constantemente falar sobre isso).

Em breve explicarei como os Guardas Vermelhos foram as maiores vítimas da RC, mas para isso devo primeiro me livrar da ideia ocidental de que a RC da China era algum tipo de luta pelo poder e subproduto de um culto a Mao, em vez de ser um evento verdadeiramente democrático.

As fidedignidades democráticas da RC são comprovadas pelo fato de que houve um envolvimento popular maciço. Por outro lado, o Eurogrupo – que decide as políticas econômicas da zona do euro – não é democrático porque há um envolvimento extremamente limitado na tomada de decisões.

Isso é verificado em The Unknown Cultural Revolution: Life and Change in a Chinese Village por Dongping Han, que foi criado e educado na zona rural do condado de Jimo, na China, e agora é professor universitário nos EUA. Han entrevistou centenas de líderes rebeldes, agricultores, funcionários e moradores locais e acessou dados locais oficiais para fornecer uma análise exaustiva da aparente objetividade e foco incomparáveis em relação à Revolução Cultural na China. Han foi gentil o suficiente para escrever o prefácio do meu novo livroI’ll Ruin Everything you Are: Ending Western Propaganda in Red China. Espero que você possa comprar uma cópia para você e seus 300 amigos mais próximos.

“Essas associações de massa (definição em breve) foram formadas em grande parte no espírito de livre associação e gozavam de tremenda independência e liberdade. Eles atravessam as linhas do clã e da família. Era comum que pessoas do mesmo clã e da mesma família se juntassem a associações diferentes. As pessoas se uniram por causa de suas opiniões políticas. Com poucas exceções, toda a população adulta pertencia a uma associação de massa ou outra.” (ênfase minha)

A Guerra Civil Socialista Chinesa mostrou a única marca indispensável para produzir uma revolução verdadeira e bem-sucedida: a participação política universal. Na Rússia em 1917 ou no Irã em 1979, todo mundo – e quero dizer todo mundo – falava de política o tempo todo.

Não deve ser surpreendente que o oposto seja verdadeiro: em culturas extremamente reacionárias como os EUA ou o Reino Unido, discussões políticas sérias são proibidas entre amigos e familiares. Essa é a razão pela qual o pensamento de extrema-direita domina nesses países – o conservadorismo e o tradicionalismo não têm oposição. No entanto, na China, a extrema-direita foi (muito apropriadamente) banida em 1949; portanto, a RC foi uma batalha entre “socialistas de direita chineses”… o que mostra como a discussão política e a cultura chinesas muito mais avançadas e evoluídas são comparadas com os países anglófonos, onde os elementos de direita ainda podem confundir, distorcer e defender ideias horríveis.

As “associações de massa” às quais Han se refere precisam de sua explicação:

“Pessoalmente, sinto que é necessário distinguir entre organizações de massa e associações de massa. O primeiro termo seria aplicado às organizações como a milícia, a Liga da Juventude Comunista, a associação de mulheres, os sindicatos de trabalhadores e os Guardas Vermelhos oficiais que foram criados pelo PCC e eram de natureza oficial. O último termo se referiria aos grupos independentes da Guarda Vermelha formados em grande parte no espírito de livre associação…. Tanto os rebeldes quanto os defensores dos líderes do Partido eram chamados de Guardas Vermelhos. Os rebeldes eram chamados de zaofan pai (facção rebelde), enquanto os defensores eram conhecidos como baohuang pai (facção lealista ou monarquista) …”

Essa distinção é a essência do RC: o conflito era entre aqueles que foram pressionados por Mao a criticar o Partido de uma maneira nunca antes vista – a Facção Rebelde (associações) – e aqueles que se opunham a tais críticas e mudanças – a Facção Lealista (organizações); ambos eram “Guardas Vermelhos”, no entanto.

Essencialmente, os Guardas Vermelhos da Facção Lealista não sabiam no que estavam se metendo quando começaram a nova RC, pois logo se viram sob ataque.

Por que a Revolução Cultural foi totalmente diferente para a China, da perspectiva chinesa

Han relata em detalhes e em tempo real como a RC chegou ao Condado de Jimo: quem eram os “líderes rebeldes”, quem eram os membros criticados do Partido, que lutaram contra a RC e como ela evoluiu do que poderia ter sido apenas mais uma “campanha antidireitista”, como em 1957, ou mais uma das “campanhas anticorrupção” quase anuais, para algo totalmente novo – uma RC.

Vamos começar do início:

“No início da Revolução Cultural, o PCC tinha o controle total da vida política e econômica chinesa…. (o PCC) detinha as rédeas do poder em cada nível.”

Mas o que Mao e seus partidários queriam era provocar algo que antes era proibido como “pensamento anti-partido” – críticas independentes às autoridades do Partido. (Tais críticas são generalizadas no Irã – os críticos não conseguiram persuadir os iranianos a abandonar sua revolução, no entanto.)

As verdades democráticas da RC são ainda mais fortalecidas pelo fato de que aqueles que criticaram abertamente o governo não foram punidos, mas ganharam o poder. Esse é um fenômeno muito raro. Mas estamos avançando – o primeiro fenômeno raro é que os camponeses pobres receberam plataformas para explicar onde sua sociedade liderada pelo Partido havia falhado e onde o empoderamento criado pela revolução socialista ainda não havia chegado.

“Ela (a RC) difere de todas as campanhas políticas anteriores porque, pela primeira vez na história do PCC, contornou os chefes locais do partido e enfatizou o princípio de deixar as massas se capacitarem e se educarem.” (Grifo de Han)

Esta é a revolução dentro de uma revolução socialista fornecida pelo maoísmo – apenas a instalação de um partido de vanguarda não é suficiente para alcançar o socialismo democrático no terreno.

Os dois primeiros meses da RC (junho-julho de 1966) viram ataques aos “Quatro Velhos” – em essência, ataques a costumes, culturas, hábitos e ideias ultrapassados, repressivos e capitalistas. Isso foi liderado pelos Guardas Vermelhos da Facção Lealista, para ser distinguido dos Guardas Vermelhos da Facção Rebelde que chegaram ao poder mais tarde.

“É claro que, do ponto de vista dos funcionários locais do partido, as campanhas para destruir os Quatro Velhos e atacar proprietários, capitalistas e inimigos políticos eram maneiras convenientes de desviar a atenção de si mesmos e se proteger do ataque.”

Portanto, desta forma, os primeiros dois meses da RC foram realmente apenas uma “pseudo-RC”, porque foi liderada por muitos dos próprios quadros corruptos.

Mas o que impediu essa “pseudo-RC” foi a fração maoista de agosto de 1966 redigida em “16 Pontos”, que corajosa e corretamente proclamou como manchete: “Uma Nova Etapa na Revolução Socialista”. Os 16 pontos são brevemente resumidos aqui, mas para recapitular: o capitalismo é essencialmente um hábito social negativo e, se esse hábito não for quebrado onde quer que seja encontrado dentro de uma sociedade socialista, isso levará à restauração indesejada do capitalismo-imperialismo. Assim, a RC requer refutação vigorosa e descrédito do pensamento e influência antissocialistas comprovados.

Crucialmente, os 16 Pontos 

“…fizeram a distinção entre o Partido Comunista como instituição e os chefes do partido como indivíduos de maneira definitiva, e enfatizaram que os alvos da Revolução Cultural eram os seguidores capitalistas dentro do Partido“.  (Grifo de Han)

Capitalist roader [seguidor capitalista – nota dos tradutores] é, sinto, uma tradução em inglês bastante deselegante, mas comum, dessa frase maoísta extremamente importante. Refere-se a uma pessoa que quer sair do caminho do socialismo e voltar ao caminho do capitalismo-imperialismo. Não é uma tradução eficaz porque carece da implicação necessária de trair os avanços já adquiridos do socialismo. “Capitalist re-roader” [retorno ao caminho capitalista – nota dos tradutores] seria melhor, mas também deselegante. No entanto, uma das belezas do jargão socialista é sua recusa em ser elegante!

O que também podemos fazer é chamar os seguidores da via capitalista de algo mais preciso – “seguidores da via antiempoderamento”. Ou poderíamos chamá-los de “seguidores da estrada do rei”, para países muçulmanos ainda oprimidos por monarquias, e “seguidores da estrada do CEO” para as repúblicas ocidentais que sofrem com a promoção dos ideais neoliberais pela democracia burguesa/europeia ocidental/liberal.

Vamos colocar os 16 Pontos no contexto histórico da China:

De uma forma muito real, podemos dizer que, depois de 17 anos, o PCC definitivamente se estabeleceu como a força política dominante e aceita no país – não mais Kuomintang, não mais potências estrangeiras, muito menos direitistas – e, assim, eles poderiam “relaxar” seu controle… arriscando uma RC saudável e re-dedicada para começar a se concentrar em melhorar o controle do Partido, em vez de apenas cimentar o controle do Partido.

É simplesmente uma política irrealista imaginar que todas as revoluções não têm essa “fase de consolidação”. Eu diria que a Revolução Iraniana está chegando ao fim de sua fase de consolidação; se os EUA tivessem honrado o tratado JCPOA – e se as nações europeias tivessem a coragem de honrar sua palavra – a Revolução Islâmica teria se tornado totalmente legitimada internamente, e o Irã teria que criar uma “Nova Etapa na Revolução Islâmica Iraniana” e seus próprios “16 pontos”. Em vez disso, os EUA, totalmente desesperados, acabaram de se tornar nucleares, proibindo qualquer pessoa de comprar petróleo do Irã. Os inimigos do Irã estão o mais perto possível da guerra com esse movimento, simplesmente porque não querem que o socialismo islâmico iraniano se espalhe mais do que querem que o socialismo com características chinesas se espalhe.

De fato, o Irã está em uma situação que podemos comparar à China em 1963. As pessoas agem como se a China sempre fosse igual ao Ocidente, como tem sido no século XXI – naquela época, a China ainda estava banida da Organização Mundial do Comércio, sob sanções dos EUA que não seriam levantadas até Nixon em 1971, e assistindo a guerra dos EUA contra seus vizinhos e estabelecendo bases militares próximas. O fervor revolucionário é muitas vezes imposto em vez de escolhido – Mao rejeitou o revisionismo soviético e a frouxidão porque a China não tinha a margem de manobra, as opções e o poder que a URSS tinha. Se a decisão incrivelmente beligerante de proibir o petróleo iraniano realmente se firmar, não devemos nos surpreender se os “linha-dura” iranianos promoverem uma segunda Revolução Cultural Iraniana como resultado – na verdade, como as nações de inspiração socialista podem ceder quando o compromisso é morte certa e desgraça? Como podemos dizer que a RC da China falhou quando obviamente convenceu o Ocidente a cancelar sua Guerra Fria? Em relação ao Irã, tudo o que posso dizer é: a Revolução Cultural Iraniana II é muito, muito, muito mais provável do que a erupção de uma guerra civil antipatriótica que visa se aliar aos EUA. Risos…

Neste ponto da história da RC da China, Han elabora a própria essência do ponto de vista inédito e não relatado da Revolução Cultural:

“Depois que os ‘16 pontos’ foram divulgados, tornou-se muito difícil para os líderes partidários individuais usarem a ‘liderança partidária’ como um escudo contra as críticas…. O “caos” que os ataques aos líderes locais do partido causariam foi o preço que Mao estava disposto a pagar para criar oportunidades de empoderar as massas…. Os “16 Pontos” e o apoio de Mao libertaram os rebeldes reprimidos em toda a China. Também tirou o verniz sagrado dos “ditadores” locais a quem as pessoas comuns chamavam de “tuhuangdi” (imperadores locais) e os sujeitou à crítica em massa…. Ex-líderes rebeldes em Jimo, como Lan Chengwu e Wang Sibo, dizem que Mao chamou sua revolução de 1966 de “cultural” porque queria cultivar uma cultura política mais democrática para erradicar o fenômeno tuhuangdi.”

Esta é a evolução crucial do socialismo: longe dos ditadores do Partido e dos lealistas jingoístas, e em direção aos “rebeldes”, que também devem ser considerados sinônimos de “verdadeiros socialistas” e “verdadeiros revolucionários do empoderamento”.

De muitas maneiras, isso resume por que o Ocidente essencialmente termina a história chinesa moderna com 1966 – para eles, a China sempre permaneceu um sistema “totalitário” com absolutamente zero empoderamento democrático local. Han concorda que o sistema anterior era – em um sentido genuíno, mas certamente não completo da palavra – “totalitário” (centralizado e ditatorial), mas mostra que a RC lutou especificamente para mudar essa realidade; foi até liderada pelos próprios “totalitaristas”.

O Ocidente permaneceu preso em sua falsa mentalidade, interpretando mal e não discutindo a RC. Eles se recusaram a dizer a verdade e nem tentam entender a RC. Mais uma vez, empoderar o socialismo de estilo chinês e iraniano, e não empoderar seus esquerdistas domésticos, são suas motivações malignas.

Han demonstra que a RC representa uma evolução fundamentalmente positiva e democrática na qualidade de sua democracia socialista. Essa evolução facilitou uma explosão nas economias rurais, indústrias e educação da China dominadas pelo campo e lançou as bases, ensinou as habilidades e iniciou as indústrias que alimentaram seu sucesso econômico pós-1980. O sucesso da China moderna não pode ser entendido sem entender essa evolução criada especificamente pela RC porque mudou fundamentalmente todo o país, mesmo que o fervor revolucionário inevitavelmente tenha diminuído com a chegada de Deng Xiaoping.

A RC foi tão intensa, tão minuciosa e tão democrática (a China era 80% rural na época), que não pode ser ignorada por quem quer entender a China moderna; o fracasso em entender a RC também significa que a política está presa nos anos 60, e certamente essa é uma avaliação justa do Ocidente – eles regrediram totalmente para a direita política, cultural e economicamente desde então. Esta relação nunca é discutida.

Quais Guardas Vermelhos lutaram contra quais Guardas Vermelhos e por quê?

Agora que o pano de fundo até 1967 foi estabelecido, podemos entender adequadamente os combates que vieram depois. Sem essa luta, a RC teria sido apenas mais uma “campanha antidireitista”. A luta foi o resultado da criação e proteção estatal de grupos totalmente populares, que Han chamou de “associações de massa”; essas associações de massa se opuseram às “organizações de massa”, que representavam o status quo do PCC.

“Com a emissão dos ’16 pontos’, os Guardas Vermelhos oficiais organizados sob os auspícios dos líderes locais do partido se dissolveram muito rapidamente. Associações rebeldes independentes começaram a aparecer”, e essas são as “associações de massa” de Han. No condado de Jimo, uma dúzia de novas associações independentes da Guarda Vermelha Rebelde surgiram através da democracia espontânea guardada pela facção maoista e pelo exército (esquerda e centro).

Han observa como a Constituição chinesa sempre protegeu a livre assembleia, mas que isso nunca foi realmente permitido; essas associações foram a primeira vez que os camponeses rurais puderam criar grupos unificados que serviram como um desafio à dominação do Partido. Han relaciona a participação política universal e como o debate político entre as associações foi constante e transparente. Isso não apenas permitiu o domínio e o ajuste de ideias políticas, mas também capacitou as massas camponesas, permitindo que elas falassem publicamente pela primeira vez. Esses são os tipos de coisas que provam a boa-fé democrática da RC, mas que o Ocidente não pode aceitar nem popularizar. De fato, como a RC pode ser antidemocrática quando fomentou, protegeu e promoveu novas instituições de base? O que é mais democrático do que organizações de base espontâneas? Vemos aqui a natureza verdadeiramente revolucionária da RC.

Cada aldeia que Han estudou tinha cerca de três a cinco novas associações de massa, e ele relatou a quão generalizada era a participação democrática até o nível doméstico. “A principal diferença entre elas era derrubar ou não os antigos chefes do partido da aldeia.”

Portanto, a RC foi essencialmente um referendo maciço sobre o desempenho de funcionários públicos individuais.

Se você fosse um bom chefe, que talvez estivesse encarregado do único moinho ou celeiro de alguma pequena cidade ou o que quer que fosse, todos naquela pequena cidade certamente saberiam que você era bom… porque é assim que as pequenas cidades são – elas sabem da sua vida. E esses bons chefes mantiveram seus empregos (e se mantiveram na linha). Mas se você fosse um tuhuangdi que desviasse os lucros para comprar presentes para seduzir mulheres casadas, todos naquela pequena cidade já saberiam – porque é assim que são as pequenas cidades – e você seria exposto e envergonhado publicamente. Vergonha pública é uma coisa asiática, talvez, mas eu certamente vejo isso apenas como punição. Observo que Han não registra que esse tipo de pessoa tenha morrido como punição no Condado de Jimo.

Han relata como trabalhadores e agricultores se juntaram à Facção Rebelde por insatisfação com os líderes locais do Partido. Esses Guardas Vermelhos da Facção Rebelde (associações) eram apoiados pelos esquerdistas do Sistema Socialista Democrático Chinês (Mao e aqueles que pensavam como ele), enquanto os Guardas Vermelhos da Facção Lealista (organizações) eram o establishment que preservava o status quo. Todos eram Guardas Vermelhos, no entanto.

Os Guardas Vermelhos da Facção Rebelde foram acompanhados por estudantes idealistas, e agora os dois lados começaram a realmente lutar contra os Guardas Vermelhos da Facção Lealista. Muitos podem supor que o exército desequilibrou a balança, mas esse não é o caso:

“O exército foi convocado pelo centro para apoiar os esquerdistas revolucionários. Mas como não havia um critério concreto para um esquerdista revolucionário, cabia realmente aos soldados nos campos decidir quem eles queriam apoiar.”

Mesmo que Mao, o centro e a esquerda chamassem o exército para apoiar os Guardas Vermelhos da Facção Rebelde, Han revela mais uma boa fé democrática da RC: o exército não foi manipulado por razões políticas, mas foi autorizado a escolher livremente seu próprio lado. Portanto, se a direita no espectro socialista da China foi esmagada na década da RC, e se o exército não interveio para apoiá-los, a única razão é porque muitos no Exército Popular de Libertação eram genuinamente esquerdistas, ou seja, a democracia prevaleceu.

Quando a poeira baixou, os Guardas Vermelhos (Facção Rebelde) derrotaram os Guardas Vermelhos (Facção Legalista)

Como esperado, nos primeiros anos da RC, os Guardas Vermelhos da Facção Rebelde inicialmente enfrentaram muita perseguição oficial local por denunciar pessoas como Chefes de Polícia por mau desempenho, seguir o caminho capitalista e abuso de autoridade. As pessoas falam sobre a RC como se não houvesse abuso, aprisionamento e maus-tratos, mas é claro que a Facção Legalista tinha muitas alavancas para puxar e obstáculos para colocar, apesar da oposição de Mao na capital.

Então, quando falamos sobre os excessos violentos da RC, devemos ter em mente que os vencedores da RC tiveram que superar muita repressão oficial inicial. O pagamento revolucionário geralmente não é um buquê de flores com um cartão de agradecimento.

Mas a principal razão pela qual havia tanta raiva era provavelmente porque antes da RC simplesmente “… não havia canais regulares para os aldeões comuns expressarem suas opiniões e queixas contra as autoridades do Partido“. Não é que o socialismo chinês tenha falhado, mas que a igualdade não era universal devido a uma clara divisão urbana/rural. A RC foi essencialmente uma explosão rural que exigiu essa igualdade. Não é à toa que o primeiro grande cartaz de personagens – a versão chinesa de uma imprensa livre naquela época, e isso não é exagero – atacou as desigualdades educacionais na principal universidade da China e exigiu que as portas fossem abertas para os estudantes rurais. Os Coletes Amarelos estão fazendo o mesmo…, mas de forma menos coerente, o que deveria ser esperado – os ocidentais não são tão intelectual e politicamente avançados e experientes quanto os chineses em 1964.

Os Coletes Amarelos estão essencialmente exigindo uma Revolução Cultural

No final, a RC foi sobre exigir esse segundo pilar do marxismo – redistribuição de poder – para as áreas rurais; a RC foi a China lidando com sua divisão rural/urbana, enquanto o Ocidente está apenas começando a lidar com sua divisão com o Brexit, os Coletes Amarelos, a “basket of deplorables” [cesta de deploráveis. Termo usado por Hillary Clinton em discurso de campanha em 2016 para indicar eleitores de seu opositor – nota dos tradutores], etc.

“Alguns aldeões dizem que, antes da Revolução Cultural, os aldeões se sentiam menores diante dos líderes do partido e sempre acenavam para eles primeiro quando se encontravam na rua. Após a Revolução Cultural, os aldeões comuns não se sentiam mais diminuídos diante dos líderes da aldeia e esses líderes frequentemente cumprimentavam os aldeões comuns primeiro quando se encontravam na rua.”

Essa etiqueta de “quem cumprimenta quem primeiro” é uma preocupação clássica de cidade pequena, *risos.

Mas é uma preocupação real, e os funcionários públicos simplesmente devem abordar as preocupações do público – esse é o seu trabalho principal. Os funcionários públicos que esperam ser festejados como superiores sociais claramente não são “do” ou “para o povo”.

Podemos ver por que o 1% ocidental tem tanto medo de que uma RC ocorra localmente – o capitalismo tem tudo a ver com venerar o “Grande Homem”, a quem devemos agradecer por nos dar a oportunidade de trabalhar por mixaria.

A RC deve ter sido tão sangrenta, mas Han não lista nenhuma morte no Condado de Jimo como resultado da violência da RC. Han diz que, com apenas algumas exceções, os líderes corruptos do partido foram reabilitados. O Partido Comunista Chinês permitiu que Pu Yi, “o Último Imperador”, fosse reabilitado e vivesse sua vida em paz, então por que não os imperadores locais? São os sistemas jurídicos capitalistas que priorizam a punição inútil e desigual em detrimento da reabilitação, e não os sistemas socialistas.

A ideia de que 500.000 a 2 milhões de pessoas morreram na RC é um número que parece ter sido inventado pela imaginação ocidental, porque quantos desses requerentes fizeram o estudo aprofundado que Han fez… e ainda assim Han relata zero mortes?

Considerando que esta foi uma revolução e uma guerra civil, tal acordo deveria ser uma prova da imoralidade inerente da RC? Alguém faz isso para a Guerra Civil dos EUA, que custou 600.000 vidas? Claro que não. A grande diferença entre os dois é: ninguém no Ocidente faz o trabalho que Han fez e prova que a RC levou a enormes aumentos no empoderamento econômico, político, médico, educacional, social e democrático. O tempo mostrará que a RC libertou os escravos rurais chineses, em um sentido muito genuíno. Talvez eles não tenham sido libertados o suficiente, mas nem os negros dos EUA, que passaram de escravos para Jim Crow [Personagem de teatro de representação racista dos afro-americanos e de sua cultura – nota dos tradutores] …. mas estas são, sem dúvida, duas guerras civis com resultados gerais positivos.

“Quando as organizações partidárias locais começaram a funcionar novamente no final de 1969, após quase três anos de dormência, a cultura política já havia mudado.”

Han relata suas características e práticas, e como elas substituíram as antigas estruturas, e minhas notas de margem dizem “democracia” repetidas vezes.

O número de membros do partido dobrou no condado de Jimo de 1965-1978 (o ano em que Deng assumiu o cargo), mas esse não foi o erro de Krushchev, que deixou entrar um bando de soviéticos ideologicamente suspeitos para diluir o poder da ala stalinista – a China abriu suas portas para seus verdadeiros revolucionários que provaram seu valor durante a década da RC.

Em um sentido muito importante, mesmo que a linha socialista mais de direita de Deng tenha surgido na década de 1980, e mesmo que houvesse um expurgo dos líderes da Facção Rebelde durante a era Deng, os quadros e cidadãos empurrados para a esquerda durante a RC (como Dongping Han parece ter sido) ajudaram a garantir que a China não tenha mudado totalmente para a estrada capitalista.

A RC, sem dúvida, trouxe riqueza, progresso e empoderamento incontáveis para as áreas rurais (como relatei brevemente na Parte 1). Proclamar essas conquistas é proibido no Ocidente, mas é o foco da próxima parte desta série.


Este é o quinto artigo de uma série de oito partes que examina o livro de Dongping Han, The Unknown Cultural Revolution: Life and Change in a Chinese Village (A Revolução Cultural Desconhecida: A vida e a mudança em um vilarejo chinês), a fim de redefinir drasticamente uma década que provou ser não apenas a base do sucesso atual da China, mas também um farol de esperança para os países em desenvolvimento em todo o mundo. Aqui está a lista de artigos a serem publicados, e espero que sejam úteis em sua luta de esquerda!

Parte 1 – Uma revolução muito necessária na discussão da Revolução Cultural da China: uma série em 8 partes

Parte 2 – A história de um mártir DA, e não POR, a Revolução Cultural da China

Parte 3 – Por que foi necessária uma Revolução Cultural na China já vermelha?

Parte 4 – Como o Pequeno Livro Vermelho criou um culto “do socialismo” e não “de Mao

Parte 5 – Os guardas vermelhos não são todos vermelhos: quem lutou contra quem na Revolução Cultural da China?

Parte 6 – Como os ganhos socioeconômicos da Revolução Cultural da China alimentaram o boom da década de 1980

Parte 7 – O fim de uma revolução cultural só pode ser contra-revolucionário

Parte 8 – O que o Ocidente pode aprender: Coletes Amarelos estão exigindo uma Revolução Cultural

Ramin Mazaheri é o principal correspondente da Press TV em Paris e mora na França desde 2009. Ele é repórter de um jornal diário nos Estados Unidos e faz reportagens do Irã, Cuba, Egito, Tunísia, Coréia do Sul e outros lugares. Ele é o autor de I’ll Ruin Everything You Are: Ending Western Propaganda on Red China. Seu trabalho apareceu em diversos jornais, revistas e sites, bem como no rádio e na televisão. Ele pode ser contatado no Facebook.


Fonte: https://thesaker.is/red-guards-aint-all-red-who-fought-whom-in-chinas-cultural-revolution-5-8/

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