Martin Martinelli – 01 de junho de 2025
Existem certos fatores e mecanismos que indicam uma mudança nas placas tectônicas e o colapso de algumas estruturas que datam de 1945.
Passa-se de um mundo bipolar, o chamado Terceiro Mundo, ou Bandung (1955) ou a Conferência de Baku (1920), para um unipolar e para a gestação de um mais multipolar. Um fio condutor subjacente pode ser visto através de organizações globais. Referimo-nos ao mundo moldado à sua imagem e semelhança pelo país belicista por excelência: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), Bretton Woods (1944), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) (1949).
Estamos diante de um triplo desfecho: cinco séculos de domínio ocidental, hegemonia americana desde 1945 e a era pós-Guerra Fria (1990-2023). Dois eventos exemplificam isso, juntamente com o contexto: o conflito Rússia-Ucrânia-OTAN, que se intensificou em 2022, e a incursão palestina em Israel em 07 de outubro de 2023.
China, Rússia e Irã foram os protagonistas de três das maiores revoluções do século XX. A Rússia, em 1917 – continuando como União Soviética – teve a maior influência naquele século. A China, em 1949, teve o maior impacto no século XXI, como base para a ascensão atual. E o Irã, em 1979, revolucionou a Afro-Eurásia Central. Todos os três foram e são marcados por várias guerras e pelo imperialismo.
Em 2001, a Rússia e a China criaram a Organização de Cooperação de Xangai a partir dos “Cinco de Xangai” (1996), juntamente com três “stões”: Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão. Geograficamente, isso implica uma “união” sino-russa diante da fragmentação da URSS, o maior terremoto geopolítico do último século. As duas potências emergem em uma aliança, a menos esperada pelo Ocidente Coletivo. As invasões americanas do Afeganistão (2001) e do Iraque (1991 e depois 2003) confirmam o método bélico do novo imperialismo para tentar dividir a Eurásia e essa coalizão.
Em 2008, surgiu o BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China, posteriormente África do Sul), liderado pela aliança sino-russa. A aliança expandiu-se com a adição de Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Irã e Indonésia, com a proposta da Arábia Saudita e Argentina – cujo governo atual a rejeitou – além da candidatura de dezenas de outros países. Os membros eram territórios e populações colonizados que estão revertendo a desordem global. Interligados à Organização de Cooperação de Xangai, ambos diferem do G7, os sete países mais industrializados e imperialistas, anteriormente conhecidos como Estados Unidos, Alemanha, Japão, Reino Unido, França, Itália e Canadá – ou seja, o “pequeno grupo” da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a organização mais belicosa da História da humanidade.
O triângulo geoestratégico formado por China, Rússia e Irã desafia o poder dos Estados Unidos, Europa e Japão (a Tríade). O contexto é de crise sistêmica, de crescente confronto geopolítico e questionamento da unipolaridade, com a Eurásia ressurgindo. Assim, os oceanos Índico e Pacífico, e a Ásia em geral, ganham maior destaque, enquanto a Tríade encontra-se em declínio hegemônico.
O triângulo geoestratégico China, Irã e Rússia
O triângulo geoestratégico dessas três potências eurasianas já havia sido previsto no final do século XX por Zbigniew Brzezinsky (1997). Embora considerasse improvável sua concretização, o estrategista do Partido Democrata dos EUA argumentou que tal coalizão “anti-hegemônica” deveria ser evitada por ser o cenário mais temido. Para tanto, precisavam penetrar nos perímetros ocidental, oriental e meridional da Eurásia.
A aliança entre China, Rússia e Irã foi gerida em meio aos bloqueios e sanções impostas pelo sistema imperial. Essas sanções foram impostas direta ou indiretamente a questões territoriais, como o Mar da China, ou ao estabelecimento de governos favoráveis, como no caso da Ucrânia. A dinâmica de cooperação mais estreita entre os três Estados centrais do coração eurasiano (o ” Heartland “, segundo Mackinder) aprofunda sua reaproximação.
Moscou, Pequim e Teerã veem a estrutura global pelo prisma da experiência histórica. Eles acreditam que as interações entre os três transformarão o cenário mundial nas próximas décadas.
A Rússia recuperou proeminência no cenário geopolítico global. Outro aspecto da disputa hegemônica e por recursos está se desenrolando no espaço pós-soviético. A oposição dessa aliança se manifesta nos três eixos de pressão em áreas-chave da Eurásia. A rivalidade sistêmica entre China e EUA está se expandindo globalmente. Esse triângulo emerge nessas condições. Em Moscou, em 2015, os três países concordaram em cooperar para uma nova ordem multipolar por meio de um processo de integração política, estratégica, diplomática e militar. Eles também desenvolveram um plano de ação estratégico no campo militar em relação à Europa e aos Estados Unidos.
Oito anos de uma guerra devastadora com o Iraque (1980-1988), seguidos por décadas de sanções e isolamento político, levaram Teerã aos braços de Pequim e Moscou. No século XXI, China e Rússia se consolidaram como parceiros políticos, econômicos e militares essenciais para o Irã. A tendência de parceria entre os países eurasianos é exemplificada neste caso tripartite, mas existem maiores possibilidades quando países como Índia, Paquistão, Turquia, Arábia Saudita, Indonésia ou Egito se unem — ou não — a diversas organizações como os BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai (OCX).
Os Estados Unidos expandiram-se nas proximidades desses três países, como corrobora um mapa de suas bases militares e países aliados. Washington vê o triângulo Moscou-Pequim-Teerã como um eixo de adversários e concorrentes sistêmicos que abrange uma vasta extensão do Nordeste Asiático à Ásia Central e à Ásia-Pacífico. Isso possui implicações geopolíticas e geoestratégicas globais significativas.

Três grandes mares Mediterrâneos
Existem três grandes mares “Mediterrâneos” no mundo: o Euro-Árabe, o Americano (Golfo do México e Flórida) e o Asiático (Mar da China Meridional e Oriental). Um ator interno nesses mares pode alcançar hegemonia regional e se tornar o mais poderoso da região, bloqueando essas águas de atores externos e, assim, aumentando sua autoridade. Na costa oriental do já mencionado Euro-Árabe, após a resistência do regime sírio à política de fragmentação dos EUA, as potências terrestres Rússia, Irã e China se opõem. Seu objetivo é unificar a região sob sua influência e derrubar a preeminência dos EUA para se caracterizarem como potências hegemônicas regionais.
As duas tendências, “fracionamento” e “integração”, transformam as regiões europeia e asiática correspondentes em “zonas de descarga” para tensões internacionais. O principal interesse dos Estados Unidos, no fracionamento, será dificultar os diversos projetos de integração entre o Mediterrâneo europeu e asiático, enquanto o interesse da China, Rússia e Irã, na integração, é dominar suas regiões e expulsar os Estados Unidos.
A visão unipolar do novo século americano colidiu com a ascensão da China e a reestruturação da Rússia. A supremacia americana fracassou em suas incursões militares, como no Iraque e no Afeganistão, e, além da destruição de países e populações, com milhões de mortos, refugiados e feridos, não atingiu seus objetivos declarados.
Estamos enfrentando uma erosão da credibilidade na retórica dos inimigos da humanidade – os “terroristas”, os russos, os chineses. O primeiro quarto do século XXI testemunha uma tendência para um século asiático, ou melhor, eurasiano.
Os Estados Unidos consideram os principais inimigos ou concorrentes dos “americanos”: Rússia e China, as duas grandes “potências revisionistas” que buscam mudar a hierarquia de poder mundial; Coreia do Norte e Irã, que ameaçam o equilíbrio geopolítico do Nordeste Asiático e do Oeste Asiático; e “terrorismo jihadista” e qualquer tipo de organização criminosa internacional que dissemine a violência por meio do tráfico de armas e drogas.
Rússia, China e Irã não são potências do status quo. Buscam aumentar sua influência e estatura internacionais. No entanto, a acusação de serem potências revisionistas ou de ameaçarem a ordem mundial liberal-democrática envolve contradições. Uma delas reside em saber se a ordem internacional é ou já foi liberal-democrática. Nessa suposição, os Estados Unidos buscam impor “uma ordem baseada em regras”.
As tensões no espaço pós-soviético representam uma mudança nas placas tectônicas após a implosão da União Soviética, aquela mudança abrupta e histórica do socialismo para o capitalismo. Essa mudança, juntamente com o assédio direto simultâneo dos Estados Unidos e de potências aliadas a vários países da região da Ásia Ocidental, contrasta com a rede de relações liderada pela China, que está livre de guerras há quatro décadas e é acompanhada por seu influxo de capital de investimento e bens para o resto do mundo. Somam-se a isso as novas organizações multilaterais que minariam o poder hegemônico das entidades internacionais fomentadas pelos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
A liderança americana está se deteriorando. O surgimento de um polo econômico divergente e seus níveis de parceria demonstram um tipo de competição diferente daquela da URSS e dos concorrentes capitalistas associados à potência líder. Desde a queda da URSS, devido à sua euforia, o Ocidente cometeu dois erros estratégicos sobrepostos. Na década de 1990, rejeitou as aspirações das elites russas de se tornarem parte do Ocidente e se integrarem a ele, ainda que como uma entidade relativamente independente e soberana. Em segundo lugar, o Ocidente mentiu e expandiu a OTAN.
Os Estados Unidos lideraram as invasões e a destruição de países, mas foram impedidos de impor plenamente sua “ordem baseada em regras”. China e Rússia, juntamente com outros que aderiram a essa aliança – mesmo com ambiguidades ou sem romper laços com o eixo anglo-saxão –, oferecem resistência e modelos alternativos aos estabelecidos há oito décadas.
Esta Guerra Híbrida Global Situada (SGHW) se desenrola ao longo de pelo menos três eixos de tensão instigados pelos Estados Unidos: Rússia-Ucrânia, Israel-Irã-Palestina e China-Taiwan. O poder americano está se preparando para usar o método das três OTANs. A OTAN europeia tem como alvo a Rússia; a OTAN do Pacífico, com seus aliados Austrália e Reino Unido, é direcionada contra a China; e a OTAN da Ásia Ocidental, em aliança com Israel e outros países, é direcionada contra o Irã.
Os três anéis
Segundo Cheng Yawen (2022), a China deve estabelecer um sistema internacional de “três anéis” para garantir sua segurança e desenvolvimento. O primeiro é formado por países vizinhos da Ásia Oriental e Central e da Ásia Ocidental. Por meio deles, a China promove a divisão industrial do trabalho e obtém suprimentos de energia e uma barreira de segurança. O segundo é composto por países da Ásia, África e América Latina. Eles trocam matérias-primas e bens industriais, e a China deve colaborar em seu desenvolvimento. O terceiro se estende aos países tradicionalmente industrializados: Europa e Estados Unidos.
A guerra na Ucrânia impediria militarmente a integração eurasiana, a pedra angular da grande estratégia chinesa da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) ou Nova Rota da Seda. O ataque dos EUA aos gasodutos Nord Stream I e II do Báltico ilustra a tentativa de romper elos vitais: a interconexão russo-alemã. A complicação dessa conexão tripartite entre Alemanha, Rússia e China é um dos maiores efeitos da guerra por procuração da OTAN na Ucrânia.
Juntamente com o desastre humanitário, a consequência é uma intensificação do questionamento do dólar como moeda de reserva. As reservas globais da moeda americana caíram de 73% em 2001 para 55% em 2021, e já para 47% em 2022. As divergências entre os BRICS e a OCS em relação ao G7 estão se agravando. E as divergências na oposição da OTAN à Rússia e, consequentemente, à China e ao Irã foram catalisadas.
A aliança tripartite China-Rússia-Irã representa uma aliança de enorme significado simbólico e geoestratégico. Separadamente, o eixo anglo-saxão os vê como um desafiante sistêmico da China e como Estados hostis ao Irã e à Rússia. Como aliados, isso se multiplica. Por sua vez, os Estados Unidos não refrearam sua ideologia expansionista e seu dispendioso destacamento militar. Além disso, assim como na Ucrânia, com sua integração de facto à OTAN, visando a Rússia desde 2014, no caso de Taiwan, Washington cruzaria uma linha vermelha histórica para a China.
A influência chinesa, russa e iraniana na Ásia Ocidental vem se desenvolvendo, apesar ou em contraste com a ação militar dos EUA e o aumento das bases americanas em suas áreas de influência. Exemplos das mudanças ocorridas nos últimos anos incluem o acordo de parceria e intercâmbio Irã-China de 25 anos (2021) para investimentos em petróleo e gás, infraestrutura e tecnologia; a continuação do Acordo Nuclear com o Irã; o Corredor Norte-Sul entre o Irã e a Rússia; a parceria estratégica entre a China e a Rússia e o aumento de seus intercâmbios; a mediação chinesa entre o Irã e a Arábia Saudita e a crescente influência do gigante asiático naquela região; e uma incipiente desdolarização relacionada a esses eventos.
Geopolítica segundo Pequim, Moscou e Teerã
As geoestratégias dos três atores tendem a uma reaproximação no Mediterrâneo Euro-Árabe e Asiático. Isso está em consonância com a política dos três anéis da China e suas necessidades energéticas com a expansão do BRICS+. Este trio, desde o fim da Guerra Fria e com maior ênfase na última década, começou a consolidar seus laços, demonstrados nas organizações multilaterais BRICS+, SCO e UEE, que podem ser consideradas um eixo que contrasta com a hegemonia marítima ocidental. Esta última busca cercá-los, como acontece com a OTAN e a AUKUS, para evitar seu emaranhamento.
A estratégia americana de cercar o gigante asiático é contrariada pela aliança russo-chinesa manifestada na OCX e nos Brics. Essa parceria estratégica abrange partes da Ásia Central – o espaço pós-soviético – e inclina-se para o Paquistão – um aliado tradicional e nuclear dos Estados Unidos – e incorpora o Irã – um tratado de 25 anos com a China. Resta saber qual será o papel da Turquia no plano NRS (Teerã-Istambul), que busca alcançar a Europa por meio de corredores econômicos.
A pressão geopolítica é neutralizada pelo desenvolvimento geoeconômico da China, pela cooperação com a Rússia e pela mudança de direção do Irã na Ásia Ocidental. Enquanto os debates sobre a guerra híbrida em curso se intensificam, os países da Ásia Ocidental se realinham e se aproximam desse novo eixo. Assim, vemos como a arquitetura do mundo organizada pelos Estados Unidos desde 1945 continua a se erodir e ruir. Da mesma forma, os Estados Unidos buscam se apegar ao seu sistema imperial e ao controle hegemônico em vários aspectos, como tecnológico e ideológico, de modo que este não é um declínio imperial abrupto.
Isso emerge de uma análise geopolítica. No entanto, o equilíbrio dessas ações será determinado pelas formas de resistência ou rebeliões populares que possam ocorrer nas regiões analisadas. O mosaico eurasiano é central para o cenário global, graças a esses centros de poder emergentes, em cada uma dessas três potências separadamente – Pequim, Moscou e Teerã – por meio do fortalecimento de suas relações bilaterais e da consolidação de organizações multilaterais.
É, ao mesmo tempo, um guarda-chuva de proteção contra as dinâmicas imperialistas promovidas sob a égide dos Estados Unidos e uma plataforma para novas construções coletivas às quais nossa América e Argentina devem saber se posicionar [o autor é um analista argentino – nota da tradutora]. Novos cenários estão surgindo no Sul Global, ou Sul-Sul, ou em países cansados das imposições do Ocidente Coletivo. Essa postura contra-hegemônica pode se tornar anti-imperialista; é anti-imperialista no sentido de resistência contra o maior opressor e inimigo dos povos do mundo, que hoje compõem o país plutocrático governado por BlackRock, Vanguard, Raytheon, juntamente com o complexo militar-industrial.
Apesar de gerar polêmica quanto à sua relação com regiões periféricas, o surgimento desse triângulo geoestratégico remodela o cenário mundial e se contrapõe ao poder imperialista da Tríade belicosa.
Fonte: https://tektonikos.website/el-triangulo-geoestrategico-china-rusia-e-iran/
Pelos últimos acontecimentos parece este texto terá que ser reescrito…
Aliança Pequim, Moscou e Teerã?
Que Aliança?
Putin e Xi Jinping quietinhos demais enquanto Israel destrói o Irã com aval estadunidense.