Quantum Bird – 21 de abril 2025
A história do Irã é rica e complexa. Dos dias do glorioso Império Persa à República Islâmica atual, o Irã já experimentou todo tipo de circunstância geopolítica, inclusive a de ter sido uma colônia das potências ocidentais. Como toda ex-colônia que se libertou por meio de uma revolução popular, o Irã tem a sua elite compradora ressentida – uma parte dela ex-patriada nas metrópoles do hegemon e outra infiltrada nas franjas da sociedade – que dedica sua existência à sabotagem do regime e conspira para recuperar seus privilégios cassados pelo povo. Trata-se de um modelo geopolítico bastante prevalente. Então, o que justifica a miopia dos “analistas geopolíticos ocidentais” e dos “especialistas em Irã” para acessar a realidade geopolítica iraniana? No momento, esta miopia se revela como um entusiasmo injustificado sobre as negociações entre o Irã e os EUA, supostamente sobre as atividades da República Islâmica relacionadas à produção e ao uso de combustível nuclear.
Nos últimos vinte e poucos anos, o programa nuclear iraniano tem sido um tema quente na arena geopolítica. Na segunda metade da década de 2000, Brasil e Turquia lideraram uma iniciativa para abortar os avanços da República Islâmica no enriquecimento de urânio. O acordo alcançado permitiria ao Irã conservar suas usinas nucleares, mas previa o desmantelamento da infraestrutura nascente de enriquecimento. O país deveria consumir combustível nuclear produzido por terceiros. Este acordo foi ativamente torpedeado por pelos EUA (Obama), pela Rússia (Medvedev) e outros membros do Conselho de Segurança da ONU, o que permitiu ao Irã consolidar e salvaguardar sua infraestrutura de enriquecimento. A instalação do governo reformista ocidentalista de Hassan Rouhani no Irã permitiu o engajamento nas negociações entre o país e o Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha – o penetra neste arranjo, visto que os alemães decidiram ainda em 2000 extinguir todas as atividades relacionadas à energia nuclear. Estas negociações levaram o chamado JCPOA (Joint Comprehensive Plan of Action), um acordo para limitar o programa nuclear iraniano em troca de alívio de sanções, restituição de recursos sequestrados, etc. Em 2018, os EUA (Trump) saíram unilateralmente do acordo e sancionaram ainda mais o Irã. Note que JCPOA permanece em vigor vis-a-vis os outros signatários. O mesmo Trump agora pressiona o Irã para negociar seu programa nuclear, usando como alavancagem o próprio mecanismo automático de retorno total de sanções previsto no JCPOA até o fim de 2025.
Vale ressaltar que tudo isto acontece no contexto de retórica belicista, sanções e sabotagem geopolítica e econômica deliberada da República Islâmica pelas potências ocidentais. Além do bombardeio incessante – e irritante — da propaganda extremista anglo-sionista de que o Irã estaria nos últimos 20 anos a uma semana de produzir uma bomba nuclear. Pouco importa que em 2025, como nos últimos 20 anos, as agências de inteligência dos EUA e outros países tenham produzido relatórios atestando a falta de qualquer evidência de tais desenvolvimentos e no Irã existe uma fatwa (decreto religioso) proibindo o desenvolvimento de armas de destruição em massa.
Por outro lado, no ambiente quase eufórico da análise geopolítica focada na multipolaridade, existe muita conversa, geralmente com pouca substância, sobre a parceria estratégica entre Irã, China e Rússia. A verdade é que o nível de confiança mútua entre esses três atores não é alto, principalmente com relação ao Irã. De fato, enquanto o acordo de cooperação estratégica entre Irã e Rússia não possui nenhuma provisão relacionada à defesa mútua, a interação com a China é basicamente organizada em torno de interesses comerciais, principalmente na área de hidrocarbonetos. Certamente Rússia e China não se beneficiariam de uma mudança de regime no Irã e sua conversão em um membro do bloco ocidental, mas parecem calibrar a sua interação para evitar a ascensão do Irã ao status de uma potência regional de primeira classe, o que ofenderia seus interesses nos outros países do sudoeste da Ásia.
O objetivo das potências ocidentais é promover uma mudança de regime no Irã. Apesar dos desejos do primeiro-ministro israelense de promover um cenário ao estilo Líbia na República Islâmica, a desestabilização do Irã a este nível não seria vantajosa para ninguém. A preferência parece ser pela instalação de um regime pró-ocidental, de preferência presidido por um presidente decoy ao estilo Lula – sempre capaz de dizer a coisa certa e não fazer nada a respeito — que convertesse o Irã em uma neocolônia branda ao estilo do Brasil, que assegurasse a exportação de commodities e a entrada dos EUA e da Europa indiretamente no círculo dos BRICS, para sabotá-lo por dentro.
A instalação de tal regime no Irã pressupõe o esgotamento econômico do país como foi feito com a Síria e o desmantelamento da dissuasão militar, como foi feito com a Líbia. Parte da liderança iraniana está bem ciente desse jogo. Além disso, não faltam exemplos do que acontece quando um país em curso de emancipação e asserção de soberania quando renuncia a sua dissuasão militar em troca de integração econômica com o ocidente. Todos viram o que aconteceu à Muammar Gaddafi e à Líbia como retribuição por seu engajamento com o ocidente.
O campeão inconteste desse jogo é a República Popular Democrática da Coreia, que não perdeu tempo: saiu do tratado de não proliferação nuclear (NPT) e montou sua dissuasão nuclear. Qual seria o destino deles se tivessem vacilado? Qual foi a reação chinesa e russa ao desenvolvimento da dissuasão nuclear norte-coreana? Eles condenaram.
A relutância iraniana em seguir o modelo norte-coreano é incompreensível para a maioria dos analistas sérios. Principalmente considerando que seu principal rival regional, Israel, tem armas de destruição em massa, incluindo nucleares, doadas pelos EUA, não faz parte do NPT e ameaça a República Islâmica diariamente. Note que não existe nenhuma menção ou escrutínio internacional sobre o arsenal nuclear israelense. Observe também o papel dos EUA. Eles possuem armas nucleares, mas fazem parte do NPT e do Conselho de Segurança da ONU. Ou seja, estão em posição de ditar política de não proliferação nuclear ao resto do mundo, mas possuem um representante, Israel, armado com artefatos nucleares que segue à margem de qualquer controle.
Uma pergunta que deixo para a reflexão dos leitores: porque Rússia e China permaneceram no JCPOA depois da saída dos EUA? Porque não saíram e fizeram um acordo separado com o Irã?
Enfim, acredito que as negociações em curso entre o Irã e os EUA só fazem sentido se significarem um estratagema da República Islâmica para ganhar tempo enquanto monta sua dissuasão nuclear. Outro cenário – altamente improvável — seria a inclusão forçada de Israel no NPT e o desmantelamento de seu arsenal nuclear sob supervisão do Conselho de Segurança da ONU. Caso contrário, temo que o reengajamento em uma reedição do JCPOA seria um erro estratégico colossal. Em um ano e meio, Trump será um pato manco sem nada a perder, ordenando um ataque estadunidense ao Irã, em nome de Israel. Não vejo Rússia e China arriscando um confronto nuclear com os EUA pelo Irã.
Mr Bird,
Pepe Escobar brought me here, but your analysis is much different from his. When you talk “(…) almost euphoric environment of multipolar analysis (…)”, I think you are referring to Mr Escobar. Your vision on the Russia+China, on one side, and Iran on the other is in frontal contrast with Escobar’s, to whom the accord of high level security between Russia and Iran seems a closed deal with a cemented pact, that includes even China. Your vision is much more down to earth, and even considers a dire possibility of a regime change, that Mr Escobar doesn’t even dare to consider. For him, Iran seems a tough and strong wall against Israel/United States menace in the region. Why is there such a difference in points of view? How much is the Islamic Republic of Iran protected or exposed to a regime change or a colour revolution?
Gostaria de saber o(s) nome(s) do(s) articulista(s), visto não estar consignado. Obrigado.