Tomado de: Blog do Alok
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Autor: Pepe Escobar
No próximo sábado, o yuan passará a integrar a cesta de moedas de reserva do FMI – e lá estará, ao lado do dólar-EUA, da libra, do euro e do yen. ISSO É um terremoto geoeconômico.
Não se trata só de passo importante que a China dá em sua trilha que ninguém consegue interromper rumo à primazia econômica; a inclusão da moeda chinesa na cesta de Special Drawing Rights (SDR) também levará bancos centrais e fundos hiper-ricos – especialmente dos EUA – a comprar continuadamente mais ativos chineses.
No primeiro debate presidencial nos EUA, Donald Trump não mediu palavras, ao criticar a China por “manipular a moeda”. Eis o que disse:
“Vejam só o que a China está fazendo ao nosso país, produzindo nosso produto, estão desvalorizando a moeda deles e ninguém no nosso governo lhes dá combate… Estão usando nosso país como cofre porquinho para reconstruir a China, e muitos outros países estão fazendo a mesma coisa.”
Bem, bem… A China não está “produzindo nosso produto”: todo o processo de manufatura é Made in China – depois exportado para os EUA. Muito dos lucros beneficiam empresas dos EUA – tudo, de design, licenciamento e royalties, até publicidade, financiamento e margens de varejo. Se os mantras dizem alguma verdade parcial – os EUA perderam empregos de manufatura para a China, China é a “fábrica do mundo” –, eles absolutamente não dizem a verdade oculta segunda a qual quem mais lucra são, essencialmente, as grandes empresas.
A China tampouco “desvaloriza sua moeda”: o Banco do Povo da China ajusta periodicamente o yuan, segundo uma banda muito estreita. Os maiores praticantes de ‘alívio quantitativo’ são na verdade os EUA, além do Banco Central do Japão e do Banco Central Europeu, BCE. E a moeda da manufatura dos bens de consumo global continua a ser o EUA-dólar, não o yuan.
Pequim tampouco está usando os EUA “como cofre porquinho para reconstruir a China.” Trata-se de balança de pagamentos. O que os consumidores norte-americanos gastam em produtos Made in China – muitos deles deslocalizados por empresas norte-americanas – é bombeado de volta para os EUA como influxos de capital que mantêm baixas as taxas de juros e ajudam a sustentar a hegemonia global do Império do Caos.
Ganha-ganha à moda Wall Street
A visada de Trump é notoriamente minimalista. Se os conselheiros conseguirem imprimir – em formato de tuíto, quem sabe? – umas poucas linhazinhas em seu cérebro, ele conseguirá explicar à opinião pública nos EUA o modo como o jogo chinês é realmente jogado, algo que todas as partes relevantes nas duas nações sabem de cor e salteado.
E o elo crucial que falta em todo esse jogo é Wall Street.
Eis como funciona. Um poderoso fundo hedge aborda uma grande empresa e/ou companhia norte-americana com “uma oferta irrecusável”: deslocalize-se para a China. Implica necessariamente que todos os ativos da companhia são re-hipotecados num livro caixa de partidas dobradas em Wall Street.
Wall Street “ganha” nas duas pontas, seja financiando a deslocalização (e correspondente extinção de empregos nos EUA) para a China, ou comprando empresas que se recusem a deslocalizar-se.
Na sequência, partem para arbitrar os salários relacionados a produtos que antes foramMade in USA e agora são Made in China; tem a ver com a enorme distância que separa os valores dos salários nos EUA e na China, que também participa do cálculo da taxa de câmbio entre o EUA-dólar e o yuan.
A China por seu lado recicla os EUA-dólares comprando US Treasury Bills. Isso, claro, mantém altos os preços dos papeis e ajuda a manter baixos os juros nos EUA.
Tudo de fato está subindo: preços dos papéis, o valor percebido do dólar por todo o mundo, a taxa de câmbio. Continuam a entrar EUA-dólares, freneticamente, na economia dos EUA, que são imediatamente – em teoria – usados para, freneticamente, comprar produtos Made in China.
Claro, o preço de um produto Made in China nos EUA é baixo – e isso é “incentivo” suficiente para que empresas norte-americanas mantenham desempregada a Rua Principal. Como disse uma vez Steve Jobs, em frase que ganhou fama, “esses empregos não estão voltando para cá”.
A taxa de câmbio do EUA-dólar continuará alta enquanto a China – e outros – reciclam seus EUA-dólares excedentes para comprar em massa papéis do Tesouro dos EUA. O ponto crucialmente importante é que esses EUA-dólares nunca entram na economia real. Ficam como que “presos na arapuca” ou no estrato mais alto e extremamente acolhedor do capitalismo de cassino de Wall Street ou da banqueirada rarefeita “Grande Demais Para Quebrar” (GDPQ). E o Fed quer que o jogo prossiga indefinidamente, para evitar colapso da taxa de câmbio.
Pequim, por sua vez, joga com gosto o jogo: como primeira usina global exportadora, a agenda é solidificar – e expandir – o know how da manufatura em vias de alcançar o statusde nação “de renda moderada”, já no início da próxima década.
Conclusão é que, para recuperar os empregos na manufatura norte-americana – como Trump não se cansa de prometer – ele terá de submeter toda a oligarquia financeira de Wall Street.
Assim sendo, não surpreende que esses oligarcas – responsáveis pelo despacho para a Ásia de todos os empregos na manufatura e que se aproveitam gozosamente dos ‘resgates’ que beneficiam a gangue dos facínoras “Grande Demais Para Quebrar” (GDPQ) – odeiem Trump, do mais fundo de suas vísceras douradas.
Mísseis Hellfire contra os tais GDPQ
Não obstante a incapacidade para formular pensamentos que excedam as competências linguísticas de aluno do 3º ano primário, Trump vem oferecendo propostas que ecoam com surpreendente força, muito além do espectro da “cesta de deploráveis”.
É contra a Guerra Fria 2.0 e contra o “movimento de pivô” para a Ásia, quando pergunta se “não seria ótimo nos pôr ao lado de Rússia e China, pelo menos para variar?”
Consegue nada menos que bloquear a 3ª Terceira Guerra Mundial, quando se declara contra os EUA dispararem um primeiro ataque nuclear.
Odeia, abomina visceralmente, o “livre comércio” global, tudo – do NAFTA às ‘parcerias’TPP e TTIP –, porque o “livre comércio” global “achatou a vida dos trabalhadores norte-americanos”, com as empresas norte-americanas (com “incentivo” de Wall Street) que deslocalizam a produção e depois importam o produto de volta para os EUA, sem tarifas.
Trump esteve aberto até à estatização de bancos de Wall Street, depois da crise financeira de 2008.
E assim cá estamos, diante do espetáculo mais completamente surrealista, de um bilionário que denuncia a globalização das corporações, a qual é responsável por roubar da classe média baixa nos EUA grande quantidade de empregos decentes nas fábricas e os benefícios sociais – para nem falar de ter condenado os norte-americanos a viverem como reféns de uma infraestrutura pública apodrecida. E tudo isso sem que absolutamente ninguém no establishment norte-americano jamais tenha emitido uma palavra de crítica contra a mais espantosa transferência de renda, na direção do 0,0001%, em toda a história.
Se nos próximos dois debates presidenciais Trump apontar diretamente para o nome que ninguém pronuncia e é o elo que falta em toda essa trama – Wall Street –, é bem possível que chegue às eleições como aposta garantida para a vitória.
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