20/2/2019, no salão Gostiny Dvor, Moscou
[2ª parte (final) transcrita pelo Kremlin, aqui traduzida]
A retirada unilateral dos EUA do Tratado dos Mísseis Balísticos de Alcance Intermediário (ing. INF) é a questão mais urgente e mais discutida nas relações russo-americanas. Por isso tenho de falar mais pormenorizadamente sobre o assunto.
Com efeito, desde a assinatura do Tratado, em 1987, o mundo passou por mudanças profundas. Muitos países desenvolveram e continuam a desenvolver aquele tipo de armas, mas não a Rússia ou os EUA – nós mesmos cuidamos de nos limitar nessa questão, por livre vontade das partes. Compreensivelmente, a situação levanta questões.
Nossos parceiros americanos deveriam ter falado sobre isso honestamente, em vez de inventarem acusações rebuscadas contra a Rússia, no esforço para justificar a sua retirada unilateral do Tratado.
Melhor teria sido que fizessem o que fizeram em 2002, quando se afastaram do Tratado dos Mísseis Balísticos Antimísseis (ing. ABM), e o declararam aberta e honestamente. Se o movimento foi bom ou mau é outra questão. Penso que foi mau. Mas estava feito. Deviam ter feito o mesmo desta vez, também.
Afinal de contas, estão fazendo realmente o quê? Primeiro, violam tudo. Depois procuram desculpas e inventam um culpado. Sim, mas também estão mobilizando os seus satélites, porque são cautelosos, e continuam a fazer barulho em busca de novos apoios para os EUA.
No início, os americanos começaram a desenvolver e a utilizar mísseis de médio alcance, chamando-os de “mísseis-alvo” discricionários para defesa antimísseis. Depois, começaram a implantar sistemas de lançamento universal Mk-41 que podem viabilizar o uso ofensivo de mísseis de cruzeiro de médio alcance Tomahawk.
Estou falando sobre isso, gastando meu tempo e o tempo dos senhores e senhoras, porque temos de responder às acusações que nos são feitas.
Fato é que, ao fazer tudo o que acabo de narrar, os americanos ignoraram aberta e descaradamente as disposições previstas nos artigos 4º e 6º do Tratado INF. De acordo com o parágrafo 1º, artigo VI (cito):
“Cada Parte eliminará todos os mísseis de médio alcance e os lançadores de tais mísseis (…) para que (…) não haja mísseis, lançadores (…) pertencentes a qualquer das Partes”.
O parágrafo 1º do artigo VI estabelece que (cito):
“Após a entrada em vigor do Tratado e posteriormente, nenhuma das Partes pode produzir ou testar em voo qualquer míssil de médio alcance, nem produzir quaisquer fases ou lançadores de tais mísseis”. [Fim de citação]
Utilizando mísseis-alvo de médio alcance e usando lançadores na Romênia e na Polônia aptos para lançar mísseis de cruzeiro Tomahawk, os EUA violaram abertamente estas cláusulas do Tratado. Já o fizeram há algum tempo. Esses lançadores já estão estacionados na Romênia, e nada acontece. É como se nada estivesse acontecendo. Chega a ser esquisito! Não é completamente estranho para nós, mas é claro que outras pessoas não conseguem entender o que se passa, e todos deveriam ser capazes de ver o que realmente acontece e compreender o que veem.
Qual é a nossa avaliação dessa situação nesse contexto? Já o disse e quero repetir: a Rússia não tenciona – repito expressamente, porque é muito importante – a Rússia não tenciona instalar primeiro esses mísseis na Europa. Se forem realmente construídos e entregues no continente europeu, e os Estados Unidos tiverem planos para isso – até agora ainda não ouvimos dizer o contrário – o movimento dos norte-americanos exacerbará dramaticamente a situação de segurança internacional e criará séria ameaça à Rússia, porque alguns destes mísseis podem chegar a Moscou em apenas 10-12 minutos. É gravíssima ameaça para nós. Se acontecer assim, seremos forçados – repito, para salientar – seremos forçados a responder com ações espelhadas ou assimétricas. O que significa isto?
Digo-o direta e abertamente agora, para que ninguém nos possa culpar mais tarde, para que fique claro para todos – antecipadamente, desde hoje – o que digo aqui:
– A Rússia será forçada a criar e implantar armas que possam ser utilizadas não só nas áreas de onde somos diretamente ameaçados, mas também em áreas que contêm centros de decisão para os sistemas de mísseis que nos ameaçam.
O que mais importa quanto a isso? Existe alguma informação nova. As novas armas corresponderão plenamente às ameaças dirigidas contra a Rússia nas suas especificações técnicas, incluindo os tempos de voo até aqueles centros de decisão.
Sabemos como fazê-lo e implementaremos estes planos imediatamente, assim que as ameaças que se armam contra nós tornem-se reais. Penso que não precisamos exacerbar ainda mais irresponsavelmente a atual situação internacional. Não queremos isso.
O que gostaria de acrescentar? Nossos colegas norte-americanos já tentaram ganhar superioridade militar absoluta com o seu projeto global de defesa antimísseis. Melhor que parem de tentar iludir-se e de se deixar iludir. A nossa resposta será sempre eficiente e eficaz.
O trabalho sobre protótipos promissores e sistemas de armas de que falei no meu discurso do ano passado continua como previsto e sem interrupções.
Lançamos a produção em série do sistema Avangard, ao qual já me referi hoje. Como previsto, este ano, o primeiro regimento das Tropas de Mísseis Estratégicos será equipado com Avangard.
O míssil intercontinental superpesado Sarmat de poder sem precedentes está passando por testes.
A arma laser Peresvet e os sistemas de aviação equipados com mísseis balísticos hipersônicos Kinzhal provaram as suas características únicas durante os testes em combate e missões de alerta, quando o pessoal aprendeu a manobrá-los. No próximo mês de Dezembro, todos os mísseis Peresvet fornecidos às Forças Armadas serão postos em alerta de prontidão para combate.
Continuaremos expandindo a infraestrutura dos interceptores MiG-31 que transportam os mísseis Kinzhal. O míssil de cruzeiro nuclear Burevestnik de alcance ilimitado, e o veículo subaquático não tripulado de alcance ilimitado movido a energia nuclear Poseidon estão sendo testados com sucesso.
Neste contexto, gostaria de fazer uma declaração importante. Não anunciamos antes, mas hoje podemos dizer que, logo nesta Primavera, será lançado o primeiro submarino movido a energia nuclear que transporta este veículo não tripulado. O trabalho segue como previsto.
Hoje, penso também que posso informar os senhores e senhoras oficialmente sobre outra inovação promissora.
Como devem estar lembrados, da última vez que disse que tínhamos mais para mostrar, mas era então ainda prematuro. Vou revelando aos poucos o que mais temos na manga.
Outra inovação promissora, que está sendo desenvolvida com sucesso de acordo com o plano, é o Tsirkon – míssil hipersônico que pode atingir velocidades de aproximadamente Mach 9 e atingir alvo a mais de 1.000 km de distância, tanto debaixo d’água quanto em solo. Pode ser lançado a partir da água, de embarcações de superfície e de submarinos, incluindo daqueles que foram desenvolvidos e construídos para transportar mísseis de alta precisão Kalibr – o que implica dizer que o lançamento do Tsirkon não tem custos adicionais para nós.
A este respeito, gostaria de salientar que, para a defesa dos interesses nacionais da Rússia, dois ou três anos antes do calendário estabelecido pelo programa estatal de armamento, a Marinha russa receberá sete novos submarinos polivalentes e iniciar-se-á a construção de cinco navios de superfície concebidos para o mar aberto. Mais 16 navios desta classe entrarão em serviço na marinha russa até 2027.
Para concluir, quanto à retirada unilateral dos EUA do Tratado sobre a eliminação dos mísseis de médio e curto alcance, gostaria de dizer o seguinte.
A política dos EUA em relação à Rússia nos últimos anos dificilmente poderia ser considerada amigável. Os interesses legítimos da Rússia estão sendo repetidamente ignorados, há uma constante campanha anti-Rússia e cada vez mais sanções – ilegais em termos de Direito Internacional, são impostas sem qualquer razão. Permitam-me que saliente que nada fizemos para provocar estas sanções. A arquitetura de segurança internacional que tomou forma ao longo das últimas décadas está sendo total e unilateralmente desmantelada, ao mesmo tempo que a Rússia é referida como se fosse quase a principal ameaça aos EUA.
Permitam-me que diga claramente que tudo isso é falso. A Rússia quer ter relações sólidas, iguais e amigáveis com os EUA. A Rússia não está ameaçando ninguém, e tudo o que fazemos em termos de segurança é simplesmente como resposta, o que significa que as nossas ações são defensivas. Não estamos interessados na confrontação e não a queremos, especialmente com uma potência global como os EUA.
No entanto, parece que os nossos parceiros não se apercebem da profundidade e do ritmo da mudança em todo o mundo e para onde se dirige. Continuam com a sua mesma velha política destrutiva e claramente mal orientada. São decisões políticas que dificilmente servem aos interesses dos próprios EUA. Mas esse não é problema nosso.
Podemos ver que lidamos com pessoas proativas e talentosas, mas dentro da elite, há também muitas pessoas que confiam excessivamente num seu excepcionalismo e numa supremacia sobre o resto do mundo. É claro que têm o direito de pensar o que queiram.
Mas será que sabem fazer contas? Provavelmente podem. Então, que eles calculem o alcance e a velocidade dos nossos futuros sistemas de armas. É tudo o que pedimos: façam as contas, antes de tomar decisões que, na sequência, criem mais ameaças graves para o nosso país. Desnecessário dizer que essas decisões levarão a Rússia a responder, a fim de garantir a própria segurança de forma confiável e incondicional.
Já disse e vou repetir que estamos prontos para iniciar conversações sobre desarmamento, mas que não insistiremos em bater em porta trancada. Aguardaremos até que os nossos parceiros estejam prontos e tomem consciência da necessidade de diálogo sobre esta matéria.
Continuamos a desenvolver as nossas Forças Armadas e a melhorar a intensidade e a qualidade do treino de combate, em parte utilizando a experiência que adquirimos na operação antiterrorista na Síria.
Gostaria de salientar mais uma vez que precisamos de paz para um desenvolvimento sustentável a longo prazo. Os nossos esforços para reforçar a nossa capacidade de defesa têm um único objetivo: garantir a segurança deste país e dos nossos cidadãos para que ninguém pense sequer em pressionar a Rússia ou em lançar ataque contra nós.
Caros colegas,
temos pela frente objetivos ambiciosos. Estamos abordando soluções de modo sistemático e consistente, construindo um modelo de desenvolvimento socioeconômico que nos permitirá assegurar as melhores condições para a auto-realização do nosso povo e, por conseguinte, para dar respostas adequadas aos desafios de um mundo em rápida mutação. E para preservar a Rússia como civilização com sua própria identidade, enraizada em tradições seculares e na cultura do nosso povo, dos nossos valores e costumes. Naturalmente, só conseguiremos alcançar os nossos objetivos se unirmos os nossos esforços numa sociedade unida, se todos nós, todos os cidadãos da Rússia, estivermos dispostos a ter êxito em esforços específicos.
Essa solidariedade na luta pela mudança é sempre uma escolha deliberada das próprias pessoas. Eles fazem esta escolha quando compreendem que o desenvolvimento nacional depende deles, dos resultados do seu trabalho, quando o desejo de ser necessário e útil goza de apoio, quando todos encontram um emprego por vocação com o qual vivam satisfeitos e, mais importante ainda, quando há justiça e um vasto espaço de liberdade e igualdade de oportunidades para trabalhar, estudar, iniciativa e inovação.
Estes parâmetros para os avanços do desenvolvimento não podem ser traduzidos em números ou indicadores, mas são estas coisas – uma sociedade unificada, pessoas envolvidas nos assuntos do seu país e uma confiança comum no nosso poder nacional – que desempenham o papel principal para alcançar o sucesso. E conseguiremos esse êxito por todos os meios necessários.
Muito obrigado pela atenção de todos. [Fim da transcrição]
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