M. K. Bhadrakumar – 8 de dezembro de 2024
Ali Larijani, conselheiro do líder supremo do Irã, reuniu-se com o presidente sírio Bashar al-Assad, em Damasco, em 6 de dezembro de 2024
O Irã e a Rússia são os dois grandes perdedores na destituição do presidente da Síria, Bashar al-Assad, no domingo, pelos grupos islâmicos sunitas afiliados à al-Qaeda. Assad fugiu na hora certa depois de dar ordens para que houvesse uma transferência pacífica do poder. A probabilidade é que ele esteja na Rússia. De qualquer forma, uma reversão da tomada do poder pelos islamitas na Síria está fora de questão.
As oligarquias árabes da região do Golfo estão muito preocupadas com o surgimento de uma variante do Islã político que pode representar um desafio existencial. Não é de surpreender que elas tenham gravitado em torno do Irã, a quem veem como um fator de estabilidade regional, retribuindo o apelo de Teerã aos estados regionais para que se unam para evitar o desafio dos grupos “Takfiri” (codinome para a Al-Qaeda e o Estado Islâmico na narrativa iraniana).
Israel e Turquia são os maiores vencedores, pois estabeleceram vínculos com os grupos da al-Qaeda. Ambos estão bem preparados para projetar poder na Síria e criar suas respectivas esferas de influência no território sírio. A Turquia exigiu que a Síria pertencesse somente ao povo sírio – um pedido mal disfarçado pela retirada da presença militar estrangeira (russa, americana e iraniana).
Da mesma forma, o governo Biden pode ficar satisfeito com o fato de que a presença militar russa não permanecerá sem controle e que uma situação insustentável de perda dramática de influência ameaça as bases militares de Moscou na província de Latakia, no oeste da Síria.
Não há dúvida de que o governo pato manco em Washington terá um prazer indireto com o fato de que a nova presidência de Donald Trump terá de lidar com a instabilidade e as incertezas prolongadas na Ásia Ocidental, uma região rica em petróleo que é crucial para o eixo “America First” das políticas externas do novo governo.
Sem dúvida, sob a superfície do quadro geral, há vários subenredos, alguns dos quais, pelo menos, são de disposição contrária. Em primeiro lugar, os apelos renovados que são ouvidos em conjunto pelo grupo Astana (Moscou, Teerã e Ancara) e pelas capitais regionais para que o diálogo intra-sírio leve a um acordo negociado têm um toque de irrealidade, na medida em que o clima internacional atual praticamente exclui tais perspectivas em um futuro previsível. Os EUA estão satisfeitos com a mudança de regime em Damasco e darão continuidade aos esforços para o fechamento das bases russas na Síria.
Em segundo lugar, a Turquia tem interesses especiais na Síria em relação ao problema curdo. O enfraquecimento do Estado sírio, especialmente do aparato de segurança em Damasco, proporciona à Turquia, pela primeira vez, um caminho livre nas províncias da fronteira norte, onde os grupos separatistas curdos estão operando. Basta dizer que a ocupação turca do território sírio pode assumir um caráter permanente e até mesmo uma quase anexação das regiões está dentro das possibilidades. Não se engane, o Tratado de Lausanne (1923), que a Turquia considera uma humilhação nacional, expirou e chegou a hora do acerto de contas para recuperar a glória otomana.
Portanto, com toda a probabilidade, o que está em jogo é a soberania e a integridade territorial do país e a desintegração da Síria como um Estado. Foi relatado que tanques israelenses cruzaram a fronteira com o sul da Síria. De acordo com a mídia israelense, Tel Aviv tem contatos diretos com os grupos islâmicos que operam no sul da Síria. Não é segredo que esses grupos foram orientados pelo exército israelense por mais de uma década.
Assim, na melhor das hipóteses, é de se esperar uma Síria truncada, um Estado rudimentar, com interferência externa em larga escala e, na pior das hipóteses, o revanchismo turco e a agressão israelense juntos – mais a ocupação americana do leste da Síria e uma autoridade central fraca em Damasco – o país em seu formato atual, fundado em 1946, pode desaparecer completamente do mapa da Ásia Ocidental.
Na verdade, os países do Golfo e o Egito têm motivos para se preocupar com uma Primavera Árabe 2.0 – oligarquias sendo derrubadas e substituídas por grupos islâmicos militantes. Seu nível de conforto com Teerã se aprofundou sensivelmente. Mas, é claro, os EUA combaterão essa tendência regional que, de outra forma, isolaria Israel na região.
A Rússia é pragmática e uma declaração do Ministério das Relações Exteriores no domingo deu a entender que Moscou tem um plano B para reforçar sua presença militar na Síria. É interessante notar que a declaração apontou que Moscou está em contato com todos os grupos de oposição sírios. A declaração evitou escrupulosamente o uso da palavra “terrorista”, que as autoridades russas vinham usando livremente para caracterizar os grupos sírios que tomaram Damasco.
A embaixada russa em Damasco não está correndo nenhum perigo. É perfeitamente possível que a inteligência russa, que tradicionalmente é muito ativa na Síria – por motivos óbvios – já tivesse começado a sensibilizar Moscou sobre a possibilidade de uma transição de poder em Damasco e tenha mantido contatos com os grupos islâmicos da oposição, apesar da retórica pública estridente.
Em comparação, o Irã sofre um sério revés do qual dificilmente se recuperará tão cedo, pois a ascendência dos grupos sunitas levará a um novo cálculo de poder na Síria, que é visceralmente hostil a Teerã. A evacuação de diplomatas seguida da invasão da embaixada iraniana em Damasco fala por si só. Na verdade, Israel não poupará esforços para garantir que a influência iraniana seja banida da Síria.
O cerne da questão é que a influência regional do Irã diminui significativamente à medida que os grupos de resistência (que são em grande parte xiitas) ficam sem rumo e desiludidos. Isso não só é vantajoso para Israel, mas também provoca uma mudança no equilíbrio de forças na região.
A parte surpreendente é que o Irã não conseguiu prever a reviravolta dos acontecimentos. O conselheiro do líder supremo, Ali Larijani, visitou Damasco e se reuniu com Assad para reiterar o total apoio de Teerã para deter as forças islâmicas que já estavam se aproximando dos portões da cidade.
Fonte: https://www.indianpunchline.com/winners-and-losers-in-syria/
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