Uma leitura aprofundada sobre o ódio na Venezuela

Misión Verdad – 5 de agosto de 2024

O discurso de ódio político tem acompanhado consistentemente as estratégias de mudança de regime aplicadas contra os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Ele faz parte das operações psicológicas que buscam gerar mudanças de atitude na população antes de grandes eventos políticos, como as eleições.

No caso recente das eleições presidenciais do 28 de julho, a campanha de ódio ativada no país resultou em acusações e perseguições que levaram a ataques físicos, a um clima de assédio e a mecanismos de pressão psicológica sobre diferentes camadas e setores do chavismo.

Entre os ataques mais significativos registrados está o ataque à estação de rádio comunitária “Radio Venceremos”, que ocorreu em 30 de julho na sede do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) em Carora, município de Torres no estado de Lara. Um grupo de oponentes encapuzados destruiu o equipamento da estação de rádio e espancou violentamente cerca de 20 pessoas, das quais pelo menos duas ficaram gravemente feridas.

Outros casos de violência pós-eleitoral foram caracterizados pelo uso das mídias sociais como veículo para a instigação e o direcionamento de atores políticos, desde o nível local, com ataques a vizinhos e líderes comunitários, até o nível internacional, com pedidos de invasão militar ou o assassinato de políticos venezuelanos.

Medo e raiva na espiral do ódio

Com relação à psicologia do ódio, Mision Verdad entrevistou José Garcés, mestre em psicologia e professor de pesquisa da Universidade Internacional de Comunicações (Lauicom), que comentou que “o ódio é como jogar brasas com a mão. Se você pegar um carvão em brasa de uma churrasqueira e jogá-lo na outra pessoa, obviamente você a machuca, mas também se machuca.

O especialista aponta as consequências do ódio em dimensões como a fisiológica, a psicológica e a familiar da cidadania, mas se inclina para uma leitura social. Nesse campo, ele afirmou que “em escala social, gera uma comoção terrível, uma ruptura e anomia dentro dessa ordem”. Ele também fez alusão ao paradigma do medo-raiva, que consiste em imprimir medo na pessoa sobre a qual se deseja gerar aversão, cujo veículo são as redes sociais, disse ele.

Os refugiados hutus fugiram de Ruanda em 1994 para campos na República Democrática do Congo. Trinta anos depois, os efeitos de um genocídio alimentado pela mídia ruandesa persistem (Foto: Sky News).

O professor afirmou que as campanhas de ódio fazem parte das operações psicológicas, uma metodologia de guerra, especialmente a guerra cognitiva. Ele fez alusão a situações como o genocídio de Ruanda, em que o ódio foi incitado na população e levou a uma guerra que deixou um milhão de pessoas mortas. Ele insistiu que “não é estúpido o que as redes sociais fazem quando o ódio é incitado”.

Um exemplo recente está em andamento no Reino Unido, onde tumultos e uma caça aos imigrantes foram provocados por uma notícia falsa que culpava um imigrante muçulmano por um assassinato múltiplo.

Guerra psicológica: desumanização e prolongamento do conflito

Nerliny Carucí, jornalista científica e psicóloga social venezuelana, também foi consultada sobre a campanha de ódio pós-eleitoral. Ela contextualizou que a guerra imperial é imposta por meio de uma implantação de propaganda intensa e muito agressiva, por meio do capitalismo de vigilância ou capitalismo digital.

O especialista afirma que “as formas, os métodos e os efeitos vêm ocorrendo há mais de duas décadas, e isso prejudicou a vida do povo venezuelano, fazendo com que muitos vissem seu país como um deserto, sem conquistas, uma imagem que os fez querer se distanciar dessa pátria”.

Ele acrescentou que a dimensão psicológica desse tipo de guerra está incubada além da polarização política e que “está levando o país a um ponto crítico de irritabilidade no qual todos os setores, tanto o chavismo quanto a oposição, têm um déficit de coexistência real”. Ele se refere à desesperança no setor da oposição e localiza o ponto focal do conflito na “promoção de condições para uma sociedade mentalmente afetada que não tem permissão para raciocinar, mas para responder a partir dos instintos mais básicos”.

Ele especifica que a guerra psicológica produz:

  1. Irritabilidade e rigidez psicológica. Há uma convicção absoluta de que se tem o monopólio da verdade. As pessoas afetadas por essa rigidez não são capazes de refletir ou dialogar com outras que pensam de forma diferente.
  2. Essa rigidez anda de mãos dadas com a disseminação de boatos e o apontamento de dedos sobre determinadas pessoas vistas como inimigos a serem eliminados. Ou seja, são usadas expressões que estimulam o ódio e o ressentimento.
  3. Outro elemento é o comportamento intolerante. A convivência busca ser fraturada a tal ponto que amigos e familiares brigam. Nessa ocasião, a campanha infofrênica em torno de Edmundo González e María Corina Machado gerou expectativas políticas que desencadearam níveis mais altos de frustração e raiva nos grupos de oposição, expressos em ameaças de morte, ações violentas e crimes de ódio.

O deslocamento para um setor político é expresso por meio de ataques a símbolos e espaços públicos por setores incentivados pelo discurso de ódio (Foto: The independent).

Com relação à dimensão comunicacional dessa guerra, ele descreve que “não se trata de uma questão tecnológica: é uma questão política e psicocomunitária; além disso: ética. Hoje não temos mais tempo para ficar olhando os sintomas: temos a responsabilidade de identificar as causas e trabalhar para mudar o estado de medo, angústia, ansiedade e solidão existencial gerado pelo modelo moderno/capitalista e seu esquema imperial”.

Conforme a especialista, a operação psicológica ativada contra a Venezuela “fortalece as predisposições para a desumanização das vítimas, um passo anterior aos crimes de ódio”. A esse respeito, ela analisa como as ações de desumanização, tanto nessa ocasião quanto em outras, foram precedidas por uma campanha acusando os chavistas de serem “assassinos”, “cruéis”, “narcotraficantes”, “paramilitares”, “criminosos”, “comunistas”, “repressores”, “bajuladores”, “cúmplices da ditadura”, “bodes expiatórios”, “porcos”, etc.

Essa “ausência de humanidade”, reflete ele, legitimaria agressões contra pessoas pró-Chávez, dentro e fora da Venezuela. “É o pano de fundo das narrativas violentas disseminadas pelas redes para posicionar como ‘aceitáveis’ e ‘necessários’ os crimes de ódio – a aplicação de sofrimento extremo, ataques, cercos, assassinatos físicos ou simbólicos – contra indivíduos e grupos específicos de chavistas, aos quais é negado seu status histórico de sujeitos de direitos”, diz Carucí.

Ele conclui citando Ignacio Martínez-Baró, um jesuíta assassinado em El Salvador (1989), que “a rotulação marcada pelo ódio parece aliviar os sentimentos de culpa, endossar a violência e – o que é mais deplorável – promover disposições que tornam desejável o prolongamento do conflito”.

Ataque ao simbólico para unir alguns e deslocar outros

Outros especialistas, como Iginio Gagliardone e colegas, argumentam que o discurso de ódio envia uma mensagem que divide e segrega a sociedade. Mas, ao mesmo tempo, ele também desempenha um papel coesivo para seus emissores, reforçando seu senso de pertencimento a um grupo. Nesse sentido, o simbólico tem desempenhado um papel preponderante nos recentes acontecimentos na Venezuela.

Os ataques a espaços e símbolos ligados ao chavismo, incluindo estátuas, farmácias populares, prefeituras, sede do Poder Eleitoral, delegacias de polícia, centros de assistência social, casas do PSUV, entre outros, são a expressão de uma busca para gerar a sensação de que a oposição é uma maioria esmagadora. Soma-se a isso um componente “popular” que estigmatiza os líderes naturais das comunidades “por serem cúmplices de uma fraude”, com o objetivo de gerar a imagem de deslocamento desse setor político por meio da criminalização.

Em novembro de 2017, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a Lei Constitucional contra o Ódio, pela Coexistência Pacífica e pela Tolerância para evitar a hostilidade gerada por expressões que promovem o preconceito ou a intolerância. Esse instrumento legal visa erradicar atos discriminatórios ou ataques violentos, como os descritos acima.

O caminho para o ódio é difícil de ser percorrido; a Venezuela o superou em muitas ocasiões por meio do exercício da política, do respeito às instituições e do diálogo entre os atores públicos.


Fonte: https://misionverdad.com/venezuela/una-lectura-profunda-sobre-el-odio-en-venezuela

2 Comments

  1. Theremite Silva said:

    Várias ilusões. Vou destacar duas, o mito do povo eleito e o mito da sociedade civilizada, sem pena capital.

    1) Em 2002, quando a CIA poz em prática um golpe de estado contra Chavez, vários venezuelanos de classe média em diante participaram de arruaças, entre elas cortar cabos de energia e telefonia, tudo ao vivo transmitido pela RCTV e registrado pelo documentário “A revolução não será televisionada” (2002).

    Aqueles brancos europeus que diziam “vão pra Cuba!”, eram melhores que os demais negros e índios miscigenados.

    Essa classe vassala herdeira e aduladora de europeus, se esqueceu que o indio já estava aqui antes deles virem pras Américas, roubarem os recursos, madeira e ouro naquela época e petróleo, coutan etc hoje.

    E porque esses brancos mentalmente pensam ser melhores que os demais? Porque eles foram iludidos com um controle mental chamado “povo eleito”, muito difundido nas religiões judaico/cristãs.

    O controle mental do “povo escolhido” que se mimetiza de várias formas. “We are the best, fuck the rest” (Nós somos os melhores, danem-se os demais) essa frase ouvi num dos treinamentos (lavagem cerebral) dos jovens escolhidos para serem funcionários do Citibank em 1990. Mas o tempo me mostrou o que é ser um não abduzido.

    As religiões pregam que existe um povo que deus escolheu para si, já os demais, deus (supondo ódio) não se importa que sofram qualquer tipo de violência ou injustiça.

    Isso está explicito e fresco no tratamento violento dado pelos invasores sionistas (o povo eleito) aos palestinos desde 1947.

    A estratégia do controle de pensamento de que, nós somos melhores, os outros são idiotas, parasitas etc, é sempre manipulada e por isso, não há nada de errado em elimina-los, Hitler fez mau uso disso. Os maçons dizem “tenha (suborne, corrompa) os melhores, esqueça os demais”.

    Então na Venezuela (como no Brasil) temos da classe média em diante (com raríssimas exceções), gente que foi convencida ser o “povo eleito” e que a miséria dos pobres é porque eles são incapazes intelectuais ou preguiçosos. Os “eleitos” são incapazes de perceber que atuam contra si mesmos, quando aceitam ser sátrapas do capital na destruição da nação.

    O governo Maduro, tem que investir forte no ensino defendido por Anisio Teixeira e exterminar a ideologia do povo escolhido. A escola publica única, tem que ser obrigatória e igual para todos.

    2) O mito da sociedade civilizada, que é altiva, e por isso não enforca ou fuzila nenhum traidor é muito bem difundida pelos melhores intelectuais que formam as classes acadêmicas.

    Para perceber o cinismo de um dos maiores intelectuais brasileiros (com pós-doutorado no exterior) Luiz Eduardo Soares, neste tema exigiu a dedicação de ouvir e reouvir, mais de 20 palestras com participação dele, pra que se evidenciasse a manobra sórdida da qual ele faz parte: a construção do mito da sociedade civilizada que respeita os direitos humanos, mas que curiosamente não tem a escola publica defendida por Anisio Teixeira.

    Um dos grandes escorregões dele, alem de defender insistentemente a causa woke foi, numa conversa informal, concordar que futebol é umas das melhores coisas para se fazer, para as crianças do Haiti.

    E, tudo isso ainda, na malandragem tirando dinheiro de George Soros. Pra bom entendedor, pingo é letra: essa idéia veio de Soros pra baixo, não o contrário.

    Lógico que se indagado sobre essa incoerência, o intelectual cinicamente dirá “Olha, temos que ceder diante de tamanha confusão, o futebol é algo que é rapidamente assimilado… já a escola de Anisio Teixeira, alem de muito mais dinheiro exigirá décadas para ser efetivada, temos que ser realistas”. Delfim Neto e sua frase no tempo do 1milagre economico1 “temos que esperar o bolo crescer, pra depois dividir” carregou o mesmo teor de cinismo.

    Chavez cometeu o grave erro de tolerar os traidores por traz de Carmona e o golpe de 2002. Os traidores lesa-patria tem que ser julgados, seus crimes explicitados e a pena capital executada em público.

    A ultima vez que vi isso, foi no Irã. Por crime menor que lesa-patria, 3 bandidos que esfaquearam um joalheiro e roubaram sua loja, ficaram pendurados em forcas na porta do estabelecimento, assim que foram presos. Sociedade de selvagens? Não! Sociedade severa onde as leis são cumpridas. Sem espaço para locubrações e divagações de intelectuais sofistas.

    Existe muita malandragem da alta aristocracia que fala em direitos humanos, numa sociedade onde a classe média e até pobres são vitimas de bandidos, que após a prisão, são tratados como se fossem cidadãos de bem.

    Isso é uma forma subliminar de destruir uma nação e enfraquecer um país.

    Vamos ver se Maduro replicará os erros de Chavez.

    Documentário “A revolução não será televisionada” (2002)
    https://vk.com/video598920600_456239074
    https://www.youtube.com/watch?v=FppdfwqmImE
    https://archive.org/details/a-revolucao-nao-sera-televisionada-o-golpe-na-venezuela

    6 August, 2024
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  2. Claudio said:

    Artigo interessante para ser enviado ao presidente Lula

    6 August, 2024
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