22/6/2021, Pepe Escobar, Asia Times
Em sua primeira conferência de imprensa como presidente eleito com 62% dos votos, Ebrahim Raisi, diante de uma floresta de microfones, saiu-se bem e sem deixar coisa alguma à imaginação. Sobre o Joint Comprehensive Plan of Action, JCPOA [Plano de Ação Conjunto Abrangente], ou ‘acordo nuclear do Irã’, o dossiê que é obsessão absoluta no Ocidente, Raisi foi claro:
· Os EUA devem voltar imediatamente ao JCPOA que Washington violou unilateralmente, e levantar todas as sanções.
· As negociações do JCPOA prosseguirão em Viena, mas nada condicionam em termos do futuro do Irã. E
· o programa iraniano de mísseis balísticos é absolutamente não negociável no quadro do JCPOA, e não será reduzido.
Perguntado por um jornalista russo se encontraria o presidente Biden se houvesse acordo em Viena e todas as sanções fossem levantadas – o que nada garante que venha a acontecer, a resposta de Raisi foi um direto “Não”. É crucial destacar que Raisi, em princípio, é a favor de o JCPOA ser devolvido aos termos assinados em 2015 – conforme orientação do Líder Aiatolá Khamenei. Mas se o engodo prosseguir indefinidamente em Vienna, e se os norte-americanos continuarem a insistir em reescrever o acordo, para alcançar outras áreas da segurança nacional do Irã, essa será linha vermelha definitiva.
Raisi reconheceu os imensos desafios internos que enfrenta, em termos de pôr a economia iraniana outra vez nos trilhos, livrando-se do impulso neoliberal da Equipe Rouhani, agora de saída, e dando combate à corrupção que se alastra. O fato de o comparecimento às urnas ter sido de apenas 48,7% dos eleitores, bem inferior, se comparado à média de 70% nas três eleições presidenciais anteriores, tornará a empreitada ainda mais difícil. Mas na política exterior, a trilha adiante para o Irã é indiscutível, centrada na estratégia de “Olhar para o Oriente”, que significa cooperação mais íntima com China e Rússia, com o Irã desenvolvendo-se como nodo chave da integração eurasiana ou, conforme a visão russa, da Parceria Eurásia Expandida.Como me disse o Professor Mohammad Marandi da Universidade de Teerã, “trata-se de movimento rumo ao Oriente e ao Sul Global. O Irã aprofundará relações com China e Rússia, também por efeito das pressões e sanções norte-americanas. O presidente eleito Raisi estará mais bem posicionado para reforçar esses laços, que a administração que está deixando o poder.”Marandi acrescentou que “o Irã não agredirá intencionalmente o acordo nuclear, se os norte-americanos – e os europeus – caminharem na direção da plena implementação. Os iranianos agirão como agirem os outros. Países vizinhos e regionais também serão prioridades. Implica que o Irã não continuará a esperar pelo Ocidente.”Marandi traçou também distinção muito nuançada, pela qual a política atual foi “grande erro” da equipe Rouhani, “não por erro do Dr. Zarif ou do Ministério de Relações Exteriores, e, sim, por falta do próprio governo, como um todo.” Implica dizer que o governo Rouhani apostou todas suas fichas no JCPOA e estava absolutamente despreparado para a ofensiva de “pressão máxima” de Trump, que, de fato, dizimou a classe média iraniana de mentalidade reformista. Em síntese: na era Raisi sai a “paciência estratégica” ao lidar com os EUA. E entra a “contenção ativa”.
Nodo chave da Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) e da União Econômica Eurasiana (UEE)
Raisi foi recebido, pelos que controlam a narrativa da “comunidade internacional” com os proverbiais epítetos de escárnio ou de demonização: leal à “maquinaria repressiva” da República Islâmica, “linha dura”, violador de direitos humanos, carrasco de execuções em massa, fanático anti-Ocidente, ou simplesmente “assassino”. A Anistia Internacional chegou a exigir que fosse investigado, acusado de cometer crimes contra a humanidade.Os fatos são mais prosaicos. Raesi, nascido em Mashhad, é PhD em Jurisprudência e Fundamentos da Lei Islâmica, e tem mais um título em Jurisprudência obtido no seminário de Qom. Antes da presidência foi membro da Assembleia dos Especialistas e chefe do Judiciário.Pode não ter sido exposto ao modo de vida ocidental, mas não é “anti-Ocidente” – e entende que o Irã deva interagir com todas as nações. Mesmo assim, a política exterior deve seguir a orientação de Khamenei, muito clara. Sem compreender a visão de mundo de Khamenei, é tempo perdido tentar analisar as complexidades do Irã. Para o pano de fundo essencial, vejam, por favor meu e-book editado por Asia Times Persian Miniatures.Tudo começa com o conceito fundacional do Aiatolá Khomeini, de uma República Islâmica, influenciado, na verdade pela República de Platão, e também pelo livro Virtuous City, do filósofo político muçulmano al-Farabi, (também ele influenciado por Platão).No 40º aniversário da Revolução Islâmica, Khamenei atualizou seu conceito de política exterior, como parte de um mapa claro para o futuro. É leitura absolutamente necessária, para compreender o Irã. Excelente análise de Mansoureh Tajik enfatiza o quanto o sistema aspira ao equilíbrio e à justiça. Khamenei não poderia ser mais claro e direto, do que quando escreve:
“Hoje, o desafio para os EUA é a presença do Irã nas fronteiras que cercam o regime sionista, e desmantelando a influência e a presença ilegítima dos EUA na Ásia Ocidental; e a defesa que a República Islâmica faz dos combatentes palestinos, no coração dos territórios ocupados; e a defesa da sagrada bandeira do Hizbullah e da Resistência em toda a região. Se naqueles dias o problema do Ocidente era impedir que o Irã comprasse até as formas mais primitivas de armas para se defender, hoje o desafio dos EUA é impedir que armas iranianas, equipamento militar e drones iranianos cheguem ao Hizbullah e à Resistência, em toda a região. Se naqueles dias a América imaginou que pudesse superar o Sistema Islâmico e a nação iraniana com a ajuda de uns poucos traidores iranianos vendidos, hoje já se vê precisando de uma grande coalizão de dezenas de governos hostis, mas impotentes para combater o Irã. E mesmo assim, fracassa.”
Em termos da política de Grandes Potências, a política iraniana de “Olhar para o Oriente” foi concebida por Khamenei – que examinou detalhadamente a parceria estratégica abrangente Irã-China, de $400 bilhões, diretamente conectada à Iniciativa Cinturão e Estrada, e também apoia que o Irã una-se à União Econômica Eurasiana liderada pela Rússia. Assim, é o Irã, como ponto chave da conectividade eurasiana, que modelará o próprio futuro geopolítico e geoeconômico, como Marandi destacou, não o Ocidente.A China investirá no banking, nas telecomunicações, nos portos, nas ferrovias, em saúde pública e em tecnologia da informação iranianos – para nem falar dos acordos bilaterais para desenvolvimento de armas e partilha de inteligência.
No front russo, o ímpeto virá do desenvolvimento do Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (International North-South Transportation Corridor, INSTC), que compete diretamente com um corredor terrestre leste-oeste que a qualquer momento pode ser atingido por sanções norte-americanas extraterritoriais. O Irã já assinou um acordo provisório de livre comércio com a União Econômica Eurasiana, ativo desde outubro de 2019. Acordo completo – com o Irã como membro pleno – pode ser assinado nos primeiros meses da era Raisi, com consequências importantes para o comércio do Sul do Cáucaso para o Sudoeste da Ásia mais amplo, e até para o Sudeste da Ásia: Vietnã e Singapura já têm zonas de livre comércio com a União Econômica Eurasiana. A retórica norte-americana sobre o “isolamento” do Irã não engana ninguém no Sudoeste da Ásia – como se vê pela interação que se desenvolve com China-Rússia. Acrescente-se a isso a leitura que Moscou faz da “disposição para aprofundar o diálogo e desenvolver contatos na esfera da Defesa”.A era Raisi está levando à união mais sólida do Xiismo iraniano, do socialismo com características chinesas e da Parceria da Eurásia Expandida. E a evidência de que o estado da arte da tecnologia militar russa silenciosamente supervisiona o tabuleiro de xadrez, não atrapalha em nada.*******
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