14/1/2022, Entrevista do Ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov, Canal 1, Moscou (Trad. automática revista da versão do Ministério de Relações Exteriores, da Rússia. Vídeo interpretado em ing., aqui)
Vyacheslav Nikonov: Não estamos no estúdio habitual em Ostankino, mas na histórica mansão do Ministério das Relações Exteriores na Rua Spiridonovka. Aqui foi assinado o Tratado de Proibição de Testes Nucleares na atmosfera, no espaço e abaixo d’água. E aqui aconteceu a primeira cúpula do G8, em 1996.
Estamos discutindo os problemas de 2022, ano que começou de modo muito pouco usual. Todos esperavam que o ano começasse rapidamente, mas não da maneira como aconteceu.
Sergey Lavrov, um dos políticos e diplomatas mais influentes em nosso país e no mundo, está no centro desses eventos. Dimitri Simes se junta a nós ao vivo de Washington.
Agora, todas as atenções voltam-se para as conversações sobre segurança europeia que autoridades realizaram em Genebra e Bruxelas e hoje em Viena. A julgar por tudo, nossos parceiros ocidentais não compreenderam o caráter imperativo das propostas russas expressas num projeto de tratado sobre segurança com os EUA e num acordo com os países da OTAN.
Norte-americanos têm o hábito de falar sempre em seus próprios termos, nunca como diálogo entre iguais.
O que o senhor pode dizer sobre essas conversações? São um sucesso ou um fracasso? Estão indo melhor ou pior, ou como o senhor já esperava que fossem? O que virá em seguida?
Sergey Lavrov: O prédio em que estamos foi palco de outro evento importante na história mundial. No outono de 1943, os ministros das Relações Exteriores da URSS, Grã-Bretanha e EUA assinaram aqui uma declaração que mencionava pela primeira vez, após a vitória sobre o nazismo, a necessidade de estabelecer uma organização global. O termo “ONU” ainda não era usado naquela época. Isto é simbólico.
Hoje, discutimos uma situação que é em grande parte o resultado de tentativas ocidentais para pôr em dúvida a legitimidade universal da ONU. O Ocidente está substituindo o direito internacional por suas próprias regras, que todos os outros teriam alguma obrigação de seguir.
As conversações ressaltam o sério confronto que ocorre na arena mundial: o Ocidente está tentando afirmar seu domínio e fazer tudo o que pode para alcançar o que considera necessário para fazer avançar seus próprios interesses. Essa atitude apareceu plenamente exposta durante as conversações. Posso confirmar que foram conversações de natureza comercial. O Ocidente expôs sua posição dura, às vezes arrogante, inabalável e intransigente, em tom geralmente calmo, de modo que se vê em conversações comerciais. Isso nos dá esperança de que haverá tempo para digerir as conversações realizadas em Washington.
A posição russa não foi expressa de maneira menos contundente. Os argumentos estavam do nosso lado. Como o princípio da segurança indivisível. Durante as conversações, os EUA e seus aliados da OTAN insistiram que nossa principal exigência – de garantias legais de que a OTAN não se expandirá para o leste – seria irrealista. Eles argumentaram que a OTAN tem seus próprios procedimentos: somente seus países membros decidem quem aceitar e quem rejeitar, no caso de um ou outro país ser candidato.
Mas ao em vez de considerar procedimentos ‘padrão’ da OTAN, nós os forçamos a voltar repetidamente aos acordos que foram redigidos no âmbito de toda a comunidade euroatlântica e da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (ing. OSCE, Organization for Security and Co-operation in Europe).
De fato, “indivisibilidade da segurança” significaria, para eles, a liberdade de cada país escolher seus aliados. Entretanto, o que se lê naquela expressão é, sem pontos ou vírgulas, que aquela liberdade é concedida com o entendimento de que, nesse contexto, os Estados participantes “não fortalecerão a segurança do próprio estado, à custa da segurança de outros Estados”.
Nem um país ou grupo de países tem o direito de reivindicar posições dominantes na Região Euro-Atlântica. Todas essas ideias foram harmonizadas em um pacote e finalmente reafirmadas com a adoção da Carta de Segurança Europeia na cúpula da OSCE em Istambul, em 1999.
O Ocidente está aberto a quaisquer ideias que o beneficiem. Acreditamos que a liberdade de escolher alianças é parte integrante dos movimentos inaceitáveis que prejudicarão a segurança da Rússia e de qualquer outro Estado.
Vyacheslav Nikonov: Mas ainda assim, as conversações correram como esperado, melhor ou pior?
Sergey Lavrov: Como se podia esperar. Acho que já conhecemos muito bem os negociadores dos EUA. Já nos reunimos com eles muitas vezes por diferentes razões, incluindo as conversações sobre o programa nuclear do Irã e o Novo Tratado START (Strategic Arms Reduction Treaty). Compreendíamos bem como, basicamente, seria a conversa.
Para nós, foi muito importante seguir uma instrução direta do Presidente da Rússia Vladimir Putin.
O presidente Putin disse que deveríamos ser tão duros quanto possível em todas as questões de segurança europeia. Isso se aplica não apenas à exigência unilateral da Rússia de que nada e ninguém interfira contra os interesses da Rússia; e de que ninguém, não apenas não tenha atitudes que nos desagradem, mas, também respeitem os princípios que visam a garantir a segurança de todos sem invadir os interesses ou pôr em risco a segurança de qualquer Estado.
Dimitri Simes: O senhor não aceitou e não podia esperar que os EUA e a OTAN concordassem em negociar uma proibição de que países do Leste Europeu, principalmente Ucrânia e Geórgia, se integrassem à OTAN.
O senhor disse, com razão, que o resultado era previsível. Ouvindo seu diálogo com funcionários da Administração e do Congresso dos EUA, começa-se a perceber que a resposta da Rússia não é previsível. Foi proposto continuar as conversações sobre mísseis de médio alcance (pelo menos é o que o Departamento de Estado e a Casa Branca estão dizendo), sobre a possível limitação dos exercícios militares e sobre uma melhor informação sobre os exercícios militares. Com relação à infraestrutura da OTAN avançando para a Europa Oriental, entendo que a Rússia recebeu um firme não.
Todos se perguntam como a Rússia reagirá. Continuar as conversações, retirar-se, ou outras ações, como armas ou ação militar?
Sergey Lavrov: A posição delineada pelo Presidente Vladimir Putin inclui obter garantias legais contra a expansão da OTAN para o Leste; garantias legais contra o posicionamento de armas ofensivas em territórios vizinhos que representem uma ameaça à segurança da Rússia; e um plano de princípios para devolver a arquitetura de segurança europeia à forma como foi configurada em 1997, quando foi assinado o Founding Act on Mutual Relations, Cooperation and Security entre a OTAN e a Federação Russa (Lei sobre Relações Mútuas, Cooperação e Segurança). Essa lei passou então a ser utilizada como base para criar mais tarde o Conselho Rússia-OTAN. Essas são as três principais exigências dos russos. As demais propostas dependem de o que se obtenha dessas três iniciativas.
E, sim, os membros da OTAN e os americanos rejeitaram terminantemente nosso direito de buscar a não expansão da OTAN.
Já apresentei argumentos mostrando que nossas posições não se baseiam em documentos da OTAN (não temos nada a ver com eles, assim como eles não têm nada a ver conosco), mas em documentos adotados ao mais alto nível na OSCE, incluindo a cúpula de Istambul de 1999.
Nesses documentos, a liberdade de escolher alianças está diretamente relacionada à necessidade de garantir a indivisibilidade da segurança, para que ninguém tome medidas em seu próprio interesse em detrimento da segurança de qualquer outro Estado.
Falando da OSCE, em 1975, após a assinatura da Ata Final de Helsinki, o Presidente Gerald Ford, dos EUA, disse isso: “A história julgará essa Conferência não pelo que dizemos aqui hoje, mas pelo que faremos amanhã – não pelas promessas que fazemos, mas pelas promessas que cumprimos”.
Essas promessas nos foram feitas com relação à não expansão da OTAN. O ex-secretário de Estado americano James Baker disse ao secretário geral do Comitê Central do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética Mikhail Gorbachev, em fevereiro de 1990, que a jurisdição militar da OTAN não se moveria um centímetro a leste do Oder. Mais tarde, o Primeiro ministro da Grã-Bretanha John Major conversou com o Ministro da Defesa soviético Dmitry Yazov.
Respondendo a uma pergunta direta do Ministro Yazov, sobre se deveríamos nos preocupar com a aprovação dos pedidos da Polônia e da Hungria para aderir à OTAN, John Major disse que não havia tais planos e que esse assunto sequer estava sendo discutido.
Para quem tem insistido que ninguém prometeu nada a ninguém, lembro que essa situação foi descrita nas memórias do embaixador britânico na Rússia na virada dos anos 90 Rodric Braithwaite, que foram publicadas em 2002.
Surpreendentemente, ninguém as mencionou até agora.
O livro explica que tudo isso aconteceu, e promessas foram feitas a Mikhail Gorbachev e outros líderes soviéticos por pessoas que estavam com pressa naquela época e se concentraram principalmente no tratamento de outras questões mais importantes. Quem fez tais promessas, supostamente não teria querido enganar os outros. Eis explicação maravilhosamente inglesa do engano que ocorreu naquela época.
Esperamos que as recentes promessas feitas em Genebra e Bruxelas sejam cumpridas. Os EUA e a OTAN prometeram colocar suas propostas no papel. Deixamos claro para eles repetidamente que precisamos ter uma resposta por artigo aos nossos documentos. Caso tenham algum problema com qualquer disposição, eles devem esclarecer a questão e pô-la por escrito. Se eles acharem uma determinada disposição adequada com uma exceção, devem colocar essa exceção também por escrito. Se quiserem excluir ou acrescentar algo, devem fazê-lo também por escrito.
Fornecemos nossas ideias por escrito há um mês. Washington e Bruxelas tiveram tempo suficiente para fazer o que foi solicitado. Ambas essas capitais prometeram responder por escrito.
Vyacheslav Nikonov: Passou um mês e, até agora, não houve resposta. Algumas pessoas disseram até mesmo que nem todos os membros da delegação americana teriam tido tempo suficiente para ler nossas propostas. Claramente, o Ocidente está tentando, como tantos já esperavam que fizesse, brincar com as propostas existentes, afogá-las em conversa vazia, recuar para o reino dos princípios e evitar especificidades.
Quanto tempo mais teremos de esperar para receber contrapropostas?
Quanto tempo as conversações podem durar? Quanto tempo as negociações teriam de durar para que possamos tomar as decisões práticas discutidas pelo presidente russo Vladimir Putin?
Sergey Lavrov: As conversações com os EUA começaram há apenas três dias e as conversações com a OTAN foram realizadas ontem. Os americanos nos prometeram tentar. – Dissemos que eles têm de fazer o melhor possível – e nos entregar suas contrapropostas na próxima semana. Em nome de sua organização, o Secretário Geral da OTAN Jens Stoltenberg também prometeu responder por escrito. Acredito que receberemos respostas dentro de uma semana.
Depois disso, o Ministro da Defesa Sergey Shoigu e eu informaremos o Presidente russo Vladimir Putin – porque estamos agindo sob suas instruções diretas, e essa iniciativa é dele.
Em seguida, pensaremos como responder ao que nossos parceiros ocidentais possam vir a encontrar, ou seja, às suas contrapropostas.
Dimitri Simes: Se o entendi corretamente, o senhor considera possível e oportuno continuar as conversações. O senhor acredita que a bola está agora na quadra de Washington e Bruxelas e espera que eles enviem à Rússia suas contrapropostas por escrito.
Não entendo bem o seguinte: A Casa Branca descreve claramente o que será feito em relação à Rússia se ela não aceitar as propostas dos EUA e da OTAN. São citadas listas específicas de sanções. Hoje, o Senado votará uma delas. Muito provavelmente não passará, porque a Casa Branca opõe-se a ela. Mas há outra lista que tem chance de passar. Ela reflete não apenas a posição dos democratas no Senado, mas também a visão da Casa Branca. O que Moscou fará se as propostas russas forem ignoradas pela enésima vez, por mais corteses que sejam?
Sergey Lavrov: Nunca agiremos como os EUA.
Nos últimos anos, as sanções tornaram-se o principal instrumento de política externa para os EUA. A cultura da diplomacia e do compromisso está quase perdida. A linha dos EUA na arena internacional é ditada pela consciência de uma autodeclarada excepcionalidade. Sequer se dão o trabalho de negar que é assim.
Presidentes dos EUA (incluindo Barack Obama) usaram o termo “excepcionalismo”.[1] É recurso provavelmente bom para induzir a geração mais jovem a respeitar a própria história nacional, mas é absolutamente inaceitável na política mundial.
Por que apresentamos nossas propostas? Queremos voltar a negociar a solução de problemas. Como disse o Presidente da Rússia Vladimir Putin, fomos “enganados”, enganados consistentemente desde o início dos anos 90. Agora eles nos perguntam o que lhes daremos se quisermos fazer algo no nosso próprio interesse. Nós já lhes demos tudo. Esperando alguma compreensão no Ocidente, não respondemos com força às mais crua violação dos acordos sobre a não-expansão da OTAN para o Leste e muitas outras promessas, inclusive as feitas por escrito.
Refiro-me à não instalação de forças militares consideráveis no território de novos membros de forma permanente. Mas tudo isso já mofou há muito tempo.
Ameaças e sanções são tão arrogantes, que todos conseguem ver que são. O Congresso dos EUA já mais de uma vez aprovou decisões absurdas. Eu não excluo nada. Nós vamos responder.
Durante recente conversa telefônica com o presidente americano Joe Biden, o presidente Vladimir Putin disse que, se eles seguissem esse caminho, destruiriam nossas relações. Não queremos assustar ninguém. Tomaremos decisões com base em cada situação específica que tome forma devido a vários movimentos dos EUA e de seus aliados ocidentais.
O senhor mencionou os mísseis de médio e curto alcance. Como uma das propostas que nos foram feitas verbalmente, por enquanto, como exemplo de áreas nas quais poderíamos realizar mais conversações, os americanos e representantes dos países da OTAN mencionaram a redução de riscos, a discussão de medidas de confiança, inclusive no espaço exterior e no ciberespaço, bem como o controle de armas, incluindo um acordo sobre a limitação de mísseis de médio e curto alcance. Esse é momento revelador.
Há mais de dois anos, depois que os americanos destruíram o Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF), promovemos uma iniciativa do Presidente da Rússia Vladimir Putin praticamente a todos os países da OSCE.
O presidente da Rússia os convidava a aderir a uma moratória unilateral que impusemos para a instalação de mísseis terrestres de alcance intermediário e de menor alcance. A moratória estava condicionada à não instalação dos mísseis equivalentes, de fabricação norte-americana. Sugerimos uma moratória conjunta. Assim que a anunciamos, os americanos e europeus, os membros da OTAN nos chamaram de ardilosos e sorrateiros.
Disseram que já havíamos lançado mísseis Iskander na região de Kaliningrado e agora quereríamos privá-los de oportunidade equivalente.
Quando apresentou essa iniciativa há dois anos, o Presidente da Rússia Vladimir Putin sugeriu reconciliar as medidas de verificação, posteriormente explicadas pelo Ministério da Defesa. Queríamos convidá-los a visitar Kaliningrado, ver os sistemas Iskander implantados lá e ver diretamente (como lhes sugerimos muitas vezes) que aqueles sistemas não se enquadravam nas restrições do Tratado INF.
Em troca, queríamos visitar as bases de defesa antimísseis dos EUA na Romênia e Polônia, para ver os lançadores MK-41. A Lockheed Martin produziu e promoveu esses itens em seu site, como equipamento de dupla finalidade: para defesa antimísseis e lançamento de mísseis de cruzeiro ofensivos. Essa era nossa sugestão.
Os representantes da OTAN disseram que nossa sugestão não lhes convinha.
O presidente da França Emmanuel Macron foi o único disposto a discutir essa sugestão, mas não um a um com a Rússia. O sempre suspeito Secretário-Geral da OTAN, Jens Stoltenberg, disse novamente que essa seria proposta desleal.
Ninguém sequer mencionou que nossa sugestão envolvia, desde o início, a verificação por todos, in loco.
Esse é um dos resultados específicos que lhes pedimos que pusessem por escrito. Os próprios norte-americanos disseram que estão prontos para discutir um novo regime sobre mísseis de médio e curto alcance.
Há nuances: estão prontos para renunciar a mísseis nucleares dessa faixa e pensarão o que fazer com suas versões não nucleares. Entretanto, não há diferença – seja o míssil nuclear seja não nuclear, será detectado nos dois casos como ameaça direta contra a Federação Russa. É necessário falar sobre isso.
Eles retiraram um elemento de nossas propostas – a iniciativa de não implantar armas ofensivas perto das fronteiras russas. Essa é ideia útil, mas é complementar; dificilmente será importante, isolada de nossa principal demanda, de a OTAN não avance em direção ao leste.
Continuaremos esperando, mas não esperaremos por muito tempo – como o Presidente da Rússia Vladimir Putin deixou claro na reunião ampliada do Colegiado do Ministério das Relações Exteriores e em declarações subsequentes. A resposta, seja qual for, deve ser rápida.
Sabemos que os representantes da OTAN querem prolongar todo esse processo o mais que consigam. Ouvimos que os americanos e seus principais aliados estão chegando a um acordo para tornar a OSCE a principal sede.
Nesse contexto, devo dizer que não tomamos nenhuma iniciativa na OSCE. Dirigimos nossas propostas principalmente ao principal protagonista, os EUA. Enviamos nossas propostas então à OTAN, com a qual temos o Ato Fundador. Assinamos acordos relevantes com a aliança. Nem a UE nem a OSCE participaram de quaisquer conversações entre a Rússia e a OTAN. Não enviaram nenhuma informação oficialmente.
Josep Borrell, Alto Representante da UE para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, tem perdido o equilíbrio emocional e, não muito educadamente, tem expressado seu descontentamento pelo fato de a UE ter sido tão claramente marginalizada. Para ele, a Rússia estaria ignorando a União Europeia.
Ele pensa que a Rússia está alegadamente ignorando a UE. Mas foi ele quem se automarginalizou, em relação às questões europeias de segurança.
Acredito que todas as tentativas de criar uma nova abordagem, autonomia estratégica e uma “bússola” são do interesse da Europa. Acolhemos com compreensão as iniciativas da França.
Ninguém vai permitir que a União Europeia faça alguma coisa. Os EUA já fizeram tudo o que podiam para que seu obediente grupo de apoio na OTAN e na UE apresentasse a aliança como baluarte da segurança, inclusive para a UE.
Nós apresentamos os documentos aos norte-americanos e à OTAN. Quero deixar isso claro. Ainda não iniciamos conversações na OSCE. E há muito tempo lá se travam discussões sobre a segurança europeia.
Há um fórum especial – um Diálogo Estruturado, que os alemães sugeriram há vários anos,
Toda a confusão que hoje só aumenta tem a ver com a Ucrânia.
Sempre que a segurança europeia está na agenda (sessões especiais acontecem todos os meses, se não ainda mais frequentemente), nossos amigos ocidentais estão falando em uníssono sobre a Ucrânia. Tudo se resume à Ucrânia. Notamos isso também nas conversações em Genebra e Bruxelas.
O que está acontecendo agora em Viena é uma sessão planejada há muito tempo, na qual a Polônia apresentará suas prioridades como presidente da OSCE. Não mais do que isso. Esse é um processo de rotina. Todos os participantes comentarão sobre as prioridades polonesas e explicarão sua atitude em relação a elas. Nosso representante mencionará as iniciativas que estamos discutindo agora.
Mas o formato principal é Rússia-EUA e Rússia-NATO, de certa forma.
Vyacheslav Nikonov: Essa foi uma das principais perguntas que todos estavam fazendo: o que a OSCE tem a ver com isso? O senhor deixou claro que não foi iniciativa nossa. Que se tratou de manobra de rotina destinada a atrasar o processo. Vamos voltar às nossas possíveis respostas e sanções. Tenho certeza de que o lado ocidental levantou a seguinte questão durante as conversações em Genebra e Viena: se o senhor diz não às nossas propostas, então o quê? Nossos diplomatas estão autorizados a esclarecer ou a explicitar o que queremos dizer com uma resposta militar-técnica?
Sergey Lavrov: Já disse que não agiremos como os norte-americanos, que dizem que devemos retirar as tropas de alguma parte de nosso território soberano, ou eles nos imporão sanções. Essa medida é indecorosa.
Vyacheslav Nikonov: Com o apoio da Administração dos EUA, foi apresentado um projeto de lei, de Robert Menendez, pelo qual serão impostas sanções no caso da agressão da Rússia contra a Ucrânia. Elas incluem sanções pessoais contra várias pessoas, incluindo o Presidente, o Ministro das Relações Exteriores e outros indivíduos, e também contra os principais bancos sistemicamente importantes da Rússia. As sanções pré-anunciadas fariam parte do curso normal da diplomacia e ainda mais contra o pano de fundo das conversações sobre a segurança europeia?
Sergey Lavrov: É um tipo de colapso nervoso. Na interminável afirmação de sua própria grandeza, essas pessoas atingiram um estado psicológico difícil de compreender. Fico surpreso ao ler essas iniciativas elaboradas por pessoas adultas e políticos sérios. E não é o primeiro ano deles no Congresso.
Esses passos não tem reflexo positivo sobre eles . Há propostas para impor sanções, independentemente de haver ou não algum ‘ataque’ à Ucrânia, mas simplesmente porque os russos não estamos retirando tropas de nosso território. Ao mesmo tempo, a delegação dos EUA em Genebra insiste na retirada como a chave para tudo mais. Em resposta às nossas perguntas de acompanhamento, eles disseram que não afastariam mais suas forças armadas ou equipamentos militares na Europa de nossas fronteiras. Se o senhor me perguntar, digo que isso diz tudo. É arrogância da mais alta ordem.
Falando de nossa futura resposta, direi novamente que nunca “empunharemos o porrete” ou direi durante as conversações que os “espancaremos” caso eles não ajam de determinado modo. Responderemos aos desenvolvimentos reais na medida em que se desdobrem. Os norte-americanos estão espumando na boca e, junto com Jens Stoltenberg, estão blasfemando sobre como não pode haver acordo ou compromisso em relação à não expansão da OTAN, porque estamos falando da liberdade de escolher alianças.
Considerem o que os EUA e o Ocidente estão fazendo em relação aos não membros da OTAN. Por exemplo, o Parlamento Europeu adotou recentemente uma resolução exigindo que a União de Estados Rússia e Bielorrússia seja impedida de seguir seu caminho. Falo sério! Esse documento existe.
Os norte-americanos estão tentando proibir vários países de se envolverem na cooperação de defesa conosco. Eles estão ameaçando a Turquia, a Índia, a Indonésia e o Egito com sanções apenas porque eles concluem abertamente acordos comerciais conosco.
Nord Stream 2 nada tem a ver sequer com a liberdade de escolher alianças; só tem a ver com a liberdade de um país engajar-se em negócios regulares nos mercados internacionais.
Acontece que a Alemanha não é livre para perseguir seus próprios interesses econômicos. É aqui que esses dois pesos e duas medidas mostram-se com mais clareza.
Dimitri Simes: Eles dizem que a Rússia deveria começar a desescalar perto de sua fronteira com a Ucrânia. A Rússia está disposta a desescalar? A OTAN fez alguma promessa a esse respeito?
Sergey Lavrov: Em relação à liberdade de escolher alianças, que o senhor mencionou. O senhor também deixou claro que compreende que essa é a posição da OTAN. Não podemos ser guiados pela posição da OTAN. Contamos com os acordos assinados no mais alto nível por todos os países da OSCE, incluindo todos os países da OTAN.
Agora, a Aliança está mostrando agora total incapacidade para negociar. Essa não é a primeira vez que nossos parceiros ocidentais encontram-se em situação como essa.
Tomemos os acordos de Minsk, que não estão sendo implementados, ou o acordo entre Belgrado e Pristina sobre a criação da Comunidade de Municípios Sérvios em Kosovo em 2013, que foi alcançado com a mediação da UE.
A UE demonstrou sua capacidade de ajudar a encontrar soluções para a desafiadora situação de Kosovo, mas os líderes do Kosovo em Pristina disseram que não cumpririam, apesar de tudo ter sido assinado. Desde então, a UE tem vivido episódios recorrentes de impotência. De tempos em tempos os fazemos relembrar esses episódios.
A criação de tal comunidade poderia ajudar seriamente a desanuviar as tensões nessa região sérvia. A Comunidade de Municípios Sérvios em Kosovo previa a concessão de direitos autônomos aos sérvios, o que faz lembrar fortemente o que está escrito nos acordos de Minsk para as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk.
A UE desempenhou papel decisivo em ambos os casos. No caso de Belgrado e Pristina, A UE agiu como mediadora; e no caso dos acordos de Minsk, Alemanha e França agiram em nome da UE. Ambos os acordos dizem respeito aos direitos dos eslavos, especialmente os eslavos cristãos ortodoxos.
Em ambos os casos, a UE não quer levantar um dedo para garantir que a parte que bloqueia a implementação desses acordos cumpra suas obrigações.
Não esqueçamos o que Antony Blinken disse sobre o Cazaquistão: exigiu publicamente que a República explicasse por que convidara as forças de paz da CSTO.
Como devemos proceder? Significaria que Montenegro poderia aderir à OTAN, mas o Cazaquistão, que aderiu à CSTO há 30 anos, não poderia gozar dos mesmos direitos?
É quem diz tais coisa é Secretário de Estado de um grande Estado.
Quanto aos movimentos em nosso território, os norte-americanos não falam ‘só’ de estradas que os ‘recomendam’ que utilizemos; não ‘só’ sobre ‘retirada’ das tropas da fronteira com a Ucrânia (como dizem). Já andam falando também sobre o ‘retorno’ das tropas aos quarteis. Wendy Sherman disse exatamente isso, e o fez publicamente numa coletiva de imprensa. Acho que não tenho que explicar que essas exigências são absolutamente inaceitáveis. Não as discutiremos.
Vyacheslav Nikonov: O senhor vê alguma ligação entre o que aconteceu no Cazaquistão e o lançamento das conversações sobre estabilidade estratégica europeia? Qual é a sua avaliação das ações da Rússia e a lógica por trás das ações da CSTO? O envio de nossas forças de paz para o Cazaquistão fortaleceu ou não a nossa posição no jogo?
Sergey Lavrov: Teorias ‘da conspiração’, isso, há aos montes. Alguns desses ‘teóricos’ da conspiração especulam que o Ocidente orquestrou todos esses desenvolvimentos para minar nossas posições antes das conversações em Genebra e Bruxelas. Outros nos acusam de provocá-los a ‘invadir’ o Cazaquistão e a tomá-lo ‘sob controle deles’. Todas essas são acusações enganosas, feitas de má fé.
Mas as razões por trás de tudo isso são bastante claras para nós. Estamos discutindo essas razões com nossos colegas no Cazaquistão, assim como em outros países da CSTO. As autoridades do Cazaquistão estão realizando uma investigação completa e exaustiva. Estou certo de que eles tornarão públicos os resultados, tão logo a investigação esteja concluída.
Isso nada tem nada a ver com os “negócios desleais” de Moscou ou quaisquer com outras teorias conspiratórias. Esse assunto é assunto interno do Cazaquistão, e Nur-Sultan está trabalhando arduamente nesse assunto.
Quanto às ações da Rússia, houve pedido direto do Presidente Kassym-Jomart Tokayev, nosso aliado, baseado nas obrigações assumidas por todos os membros da CSTO quando assinaram o Tratado de Segurança Coletiva e, posteriormente, a Carta da CSTO.
É óbvio para qualquer um que tudo ali estava impecavelmente correto, tanto do ponto de vista técnico e logístico, como também em termos de desempenho. – A CSTO empregou suas forças de manutenção da paz para proteger instalações críticas.
O Presidente do Cazaquistão disse que aquelas forças cumpriram sua missão principal e anunciou nosso acordo para começar a retirar as forças de manutenção da paz, de volta aos países que cooperaram.
Isso também demonstra que as tropas foram rápidas e eficazes no cumprimento de sua missão. Os saques, os edifícios em chamas, as decapitações de policiais e a forma como aqueles desordeiros e terroristas trataram os jornalistas apresentaram uma cena horrível. É parte do meu dever profissional monitorar a resposta ocidental, inclusive da OSCE com suas aspirações de desempenhar um dos papéis principais na segurança europeia. Para mim, essa foi experiência ainda mais perturbadora.
A OSCE foi inadequada na resposta que deu aos acontecimentos no Cazaquistão, e acabou emitindo apelos para que se respeitassem direitos dos jornalistas, direitos humanos, etc. Mentiras de causar vergonha.
Em situações como essa, é preciso começar por indicar diretamente as causas do que tenha acontecido. Há uma investigação em andamento e, uma vez concluída, a comunidade internacional deve ser informada das conclusões e resultados.
Dimitri Simes: Passemos às conversações com Washington e Bruxelas, considerando os últimos desenvolvimentos. O senhor ainda está otimista? Ou o senhor está apenas fazendo o que tem que ser feito? Como disse Wendy Sherman, talvez a Rússia entenda que seria impossível chegar a um acordo, mas decidiu tentar fazê-lo para depois poder fazer na Ucrânia o que quiser.
O senhor tem alguma esperança de que essas conversações sejam bem sucedidas?
Sergey Lavrov: Nós sempre nos concentramos em tarefas específicas. “Esperança é alimento para mentes jovens ”, mas aqui todos somos homens maduros. A realidade é dura, e temos de agir de acordo com ela. Hoje, a realidade é que nos prometeram resposta por escrito. Vamos esperar por ela. Depois decidiremos o que fazer a seguir.
Quanto ao otimismo/pessimismo, é como diz o ditado: “O pessimista é apenas um otimista bem informado”. *******
[1] Discussão interessante sobre o que Obama disse, e quando, sobre “excepcionalismo”, em Factcheck, aqui (ing.). NTs.Bereich mit Anhängen
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