Sergey Glazyev: “O caminho para a multipolaridade financeira será longo e pedregoso”

Pepe Escobar – 13 de março de 2023 – [Publicado originalmente no The Cradle e amplamente compartilhado. Traduzido e publicado aqui com a permissão do autor. ]

Em entrevista exclusiva ao The Cradle, o principal estrategista de macroeconomia da Rússia critica o ritmo lento da reforma financeira de Moscou e adverte que não haverá nova moeda global sem Pequim.
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Crédito da foto: The Cradle

A sede da Comissão Econômica Eurasiática (CEE) em Moscou, ligada à União Econômica Eurasiática (UEE) é sem dúvida um dos elos mais cruciais do mundo multipolar emergente.

Foi aí que fui recebido pelo Ministro da Integração e Macroeconomia Sergey Glazyev – que foi previamente entrevistado em detalhes pelo The Cradle –  para uma discussão ampla e exclusiva sobre a geoeconomia da multipolaridade.

Glazyev foi acompanhado por seu principal assessor econômico, Dmitry Mityaev, que também é secretário do Conselho de Ciência e Tecnologia da Comissão Econômica Eurasiática . A UEE e a CEE são formadas pela Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Armênia. O grupo está atualmente envolvido no estabelecimento de uma série de acordos de livre comércio com nações da Ásia Ocidental ao Sudeste Asiático.

Nossa conversa foi improvisada, fluindo livremente e indo direto ao ponto. Eu tinha inicialmente proposto alguns pontos de discussão girando em torno de questões entre a UEE e a China sobre a concepção de uma nova moeda baseada em ouro/commodities ignorando o dólar americano, e como seria realisticamente possível fazer a UEE, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) e os BRICS+ adotarem a mesma configuração monetária.

Glazyev e Mityaev foram completamente francos e também fizeram perguntas sobre o Sul Global. Por mais que questões políticas extremamente sensíveis devam permanecer reservadas, o que eles disseram sobre o caminho para a multipolaridade foi bastante prudente– na verdade, circundado de realpolitik.

Glazyev enfatizou que a CEE não pode pedir que os estados-membros adotem políticas econômicas específicas. Há, de fato, propostas sérias sobre a configuração de uma nova moeda, mas a decisão final recai sobre os líderes dos cinco membros permanentes. Isso implica vontade política – em última análise, a ser projetada pela Rússia, responsável por mais de 80% do comércio da UEE.

É bem possível que um novo ímpeto possa vir após a visita do presidente chinês Xi Jinping a Moscou em 21 de março, na qual ele manterá conversas estratégicas profundas com o presidente russo Vladimir Putin.

Sobre a guerra na Ucrânia, Glazyev enfatizou que, tal como está indo, a China está lucrando muito, já que sua economia não foi sancionada – pelo menos não ainda – pelos EUA/UE e Pequim está comprando petróleo e gás russos a preços fortemente reduzidos. Os fundos que os russos estão perdendo em termos de venda de energia para a UE terão que ser compensados pelo proposto gasoduto Power of Siberia II, que funcionará da Rússia para a China, via Mongólia – mas isso levará mais alguns anos.

Glazyev esboçou a possibilidade de um debate semelhante sobre uma nova moeda acontecendo dentro da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) – mas os obstáculos podem ser ainda mais difíceis. Mais uma vez, isso dependerá de vontade política, neste caso da Rússia-China: uma decisão conjunta de Xi e Putin, com a contribuição crucial da Índia – e a medida que o Irã se tornar um membro pleno, também da energeticamente rica Teerã.

O que é realista até agora é aumentar o comércio bilateral em suas próprias moedas, como nos casos Rússia-China, Rússia-Índia, Irã-Índia, Rússia-Irã e China-Irã.

Essencialmente, Glazyev não vê a Rússia, fortemente sancionada, assumindo um papel de liderança na criação de um novo sistema financeiro global. Essa pode deslocar-se à Iniciativa de Segurança Global da China. A divisão em dois blocos parece inevitável: a zona dolarizada – com sua zona do euro embutida – em contraste com a maioria do Sul Global com um novo sistema financeiro e uma nova moeda de troca para o comércio internacional. Internamente, as nações continuarão fazendo negócios em suas próprias moedas nacionais.

O caminho à “nacionalização”

Glazyev sempre foi um crítico feroz do Banco Central da Rússia, e ele expressou suas desconfianças – ecoando seu livro: A Última Guerra Mundial. Ele nunca deixa de enfatizar que a lógica americana é prejudicar a economia russa em todas as frentes, enquanto as motivações do Banco Central russo geralmente levantam “sérias questões”.

Ele disse que algumas propostas detalhadas para reorientar o Banco Central foram enviadas a Putin, mas não se deu seguimento. Ele também evocou o tema extremamente delicado da corrupção envolvendo oligarcas-chave que, por razões inescrutáveis, foram marginalizados pelo Kremlin.

Glazyev advertiu durante anos que era imperativo para Moscou vender ativos de câmbio depositados nos EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha e outros que mais tarde acabaram aplicando sanções contra a Rússia.

Esses ativos deveriam ter sido substituídos por investimentos em ouro e outros metais preciosos; ações de valores de commodities altamente líquidos; em títulos dos estados-membros da UEE, OCX e BRICS; e no capital de organizações internacionais com participação russa, como o Banco de Desenvolvimento da Eurásia, o Banco Interestadual da CEI e o Banco de Desenvolvimento dos BRICS.

Parece que o Kremlin pelo menos agora está plenamente ciente da importância de expandir a infraestrutura para apoiar as exportações russas. Isso inclui a criação de mercados internacionais de negociação de câmbio para o comércio de bens primários russos dentro da jurisdição russa e em rublos; e a criação de redes internacionais de vendas e serviços para bens russos com alto valor agregado.

Para a Rússia, diz Glazyev, o principal desafio que está por vir na política monetária é modernizar o crédito. E para evitar o impacto negativo de fontes financeiras estrangeiras, a chave é a monetização doméstica – “incluindo a expansão do refinanciamento de longo e médio prazo de bancos comerciais contra obrigações de empresas manufatureiras e órgãos governamentais autorizados. Também é aconselhável substituir consistentemente empréstimos estrangeiros de bancos e corporações estatais por fontes domésticas de crédito.”

Portanto, o caminho imperativo para a Rússia, agora em vigor, é a “nacionalização”. O que significa essencialmente livrar-se de uma “dependência supercrítica de seus perfis de reprodução em instituições legais e financeiras anglo-saxônicas”, algo que implica “perdas sistemáticas do sistema financeiro russo meramente na diferença de lucratividade entre o capital emprestado e o capital depositado.”

O que Glazyev enfatizou repetidamente é que, enquanto não houver reforma do Banco Central da Rússia, qualquer discussão séria sobre uma nova moeda adotada pelo Sul Global enfrenta embates intransponíveis. Os chineses, fortemente interligados com o sistema financeiro global, podem começar a ter novas ideias agora que Xi Jinping, pronunciou-se oficialmente e, sem precedentes, definiu a Guerra Híbrida provocada pelos EUA contra a China pelo que é, e deu nome as coisas: é uma operação americana.

O que parece ser inequívoco é que o caminho em direção a um novo sistema financeiro projetado essencialmente pela Rússia-China, e adotado por vastas áreas do Sul Global, permanecerá longo, pedregoso e extremamente desafiador. As discussões dentro da UEE e com os chineses podem extrapolar para a OCX e até mesmo para os BRICS+. Mas tudo dependerá da vontade política e do capital político implantado conjuntamente pela parceria estratégica Rússia-China.

É por isso que a visita de Xi a Moscou na próxima semana é tão crucial. A liderança de Moscou e Pequim, em sincronia, agora parece estar plenamente ciente da Guerra Híbrida de duas frentes implementada por Washington.

Isso significa que sua parceria estratégica concorrente entre pares – o anátema final para o Império liderado pelos EUA – só pode prosperar se eles estabelecerem conjuntamente uma série completa de medidas: de instâncias de poder brando ao aprofundamento das relações comerciais e as transações entre em suas próprias moedas, uma cesta de moedas e uma nova moeda de reserva que não seja refém do sistema de Bretton Woods que legitima o capitalismo financeiro ocidental.


Fonte: https://thecradle.co/article-view/22457/interviews

One Comment

  1. Anderson Pimentel Damian said:

    Excelente iniciativa em traduzir os antigos do Pepe Escobar para o público que aparecia seu trabalho, mas não possui conhecimento em línguas estrangeiras.

    Também sou um leitor do jornal libanês The Cradle.

    18 March, 2023
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