Pepe Escobar – 14 de outubro de 2022- [Publicado originalmente na PressTV iraniana. Traduzido e postado aqui com a permissão do autor e amplamente compartilhado.]
Tudo o que importa no complexo processo de integração da Eurásia estava mais uma vez em jogo em Astana, já que a – renomeada – capital do Cazaquistão sediou o 6º Conferência sobre Interação e Medidas de Fortalecimento da Confiança na Ásia (CICA).
A chamada foi uma beleza euro-asiática – apresentando os líderes da Rússia e Bielorrússia (EAEU), Ásia Ocidental (Azerbaijão, Turquia, Iraque, Irã, Catar, Palestina) e Ásia Central (Tajiquistão, Uzbequistão, Quirguistão).
China e Vietnã (leste e sudeste da Ásia) participaram no nível de vice-presidentes.
O CICA é um fórum multinacional focado na cooperação para a paz, segurança e estabilidade em toda a Ásia. O presidente cazaque Tokayev revelou que o CICA acaba de adotar uma declaração para transformar o fórum em uma organização internacional.
A CICA já estabeleceu uma parceria com a União Econômica da Eurasia [ou Eurasia Economic Union em inglês – nota do tradutor ] (EAEU). Então, na prática, em breve estará trabalhando lado a lado com a SCO, a EAEU e certamente o BRICS+.
A parceria estratégica Rússia-Irã foi destaque na CICA, especialmente depois que o Irã foi recebido na SCO como membro pleno.
O presidente Raeisi, dirigindo-se ao fórum, destacou a noção crucial de uma “nova Ásia” emergente, onde “convergência e segurança” são “incompatíveis com os interesses dos países hegemônicos, e qualquer tentativa de desestabilizar nações independentes tem objetivos e consequências além das geografias nacionais, e, de fato, compromete a estabilidade e a prosperidade dos países regionais”.
Para Teerã, ser parceiro na integração do CICA, dentro de um labirinto de instituições pan-asiáticas, é essencial depois de todas essas décadas de “pressão máxima” desencadeada pelo Hegemon.
Além disso, abre-se uma oportunidade, como observou Raeisi, para o Irã lucrar com a “infraestrutura econômica da Ásia”.
O presidente russo Vladimir Putin, previsivelmente, foi a estrela do show em Astana. É essencial notar que Putin é apoiado por “todas” as nações representadas na CICA.
Reuniões bilaterais de alto nível com Putin incluíram o Emir do Catar: todos que importam na Ásia Ocidental querem conversar com a Rússia “isolada”.
Putin pediu “compensação pelos danos causados aos afegãos durante os anos de ocupação” (todos sabemos que o Império do Caos, Mentiras e Pilhagem recusará) e enfatizou o papel fundamental da SCO no desenvolvimento do Afeganistão.
Ele afirmou que a Ásia, “onde novos centros de poder estão se fortalecendo, desempenha um grande papel na transição para uma ordem mundial multipolar”.
Ele alertou que “há uma ameaça real de fome e choques em larga escala contra o pano de fundo da volatilidade dos preços da energia e dos alimentos no mundo”.
Ele ainda pediu o fim de um sistema financeiro que beneficie os “bilhão de ouro” – que “vivem às custas dos outros” (não há nada de “ouro” nesse “bilhão”: na melhor das hipóteses, essa definição de riqueza se aplica a 10 milhões).
E ressaltou que a Rússia está fazendo de tudo para “formar um sistema de segurança igualitário e indivisível”. Exatamente o que deixa as elites imperiais hegemônicas completamente descontroladas.
A “Oferta que você não pode recusar” morde a poeira
A justaposição iminente entre a CICA e a SCO e a EAEU é mais um exemplo de como as peças do complexo quebra-cabeça da Eurásia estão se juntando.
A Turquia e a Arábia Saudita – em teoria, aliados militares imperiais fiéis – estão ansiosos para se juntar à SCO, que recentemente deu as boas-vindas ao Irã como membro pleno.
Isso explica a escolha geopolítica de Ancara e Riad de evitar forçosamente a ofensiva imperial de russofobia e sinofobia.
Erdogan, como observador na recente cúpula da SCO em Samarcanda, enviou exatamente esta mensagem. A SCO está chegando rapidamente ao ponto em que podemos ter, sentados à mesma mesa, e tomando importantes decisões consensuais, não apenas os “RICs” (Rússia, Índia, China) nos BRICS (em breve expandidos para BRICS+), mas sem dúvida os melhores jogadores entre os países muçulmanos: Irã, Paquistão, Turquia, Arábia Saudita, Egito e Catar.
Esse processo em evolução, não sem seus sérios desafios, atesta o esforço conjunto Rússia-China para incorporar as terras do Islã como parceiros estratégicos essenciais na construção do mundo multipolar pós-ocidental. Chame isso de uma islamização suave da multipolaridade.
Não admira que o eixo anglo-americano esteja absolutamente petrificado.
Agora corte para uma ilustração gráfica de todos os itens acima – a forma como está ocorrendo o jogo nos mercados de energia: a já lendária reunião da Opep+ em Viena há uma semana.
Uma mudança geopolítica tectônica foi embutida na decisão – coletiva – de reduzir a produção de petróleo em 2 milhões de barris por dia.
O Ministério das Relações Exteriores saudita emitiu uma nota muito diplomática com uma informação impressionante para aqueles que estão preparados para ler nas entrelinhas.
Para todos os efeitos práticos, a combinação por trás do leitor de teleprompter em Washington havia emitido uma ameaça típica da Máfia, a de interromper a “proteção” a Riad se a decisão sobre os cortes de petróleo fosse tomada antes das eleições de meio de mandato dos EUA. [ em referencia ao fato de que mafiosos tipicamente vendem proteção contra eles mesmos – nota do tradutor.]
Só que desta vez a “oferta que você não pode recusar” não pegou. A OPEP+ tomou uma decisão coletiva, liderada pela Rússia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Depois de Putin e MBS concordarem, coube a Putin receber o presidente dos Emirados Árabes Unidos, Sheikh Zayed – ou MBZ, o mentor de MBS – no impressionante Palácio Konstantinovsky em São Petersburgo, que remonta a Pedro, o Grande [Esta é a referencia ocidental. Na Rússia, fala-se de Pedro I – nota do tradutor].
Foi uma espécie de celebração informal de como a Opep+ provocou, com um único movimento, um desastre estratégico superpotente no que diz respeito à geopolítica do petróleo, que o Império controlava há um século.
Todos se lembram, após o bombardeio, invasão e ocupação do Iraque em 2003, como os neoconservadores americanos se gabavam: “nós somos a nova OPEP”.
Bem, não mais. E a medida teve que partir dos “aliados” russos e norte-americanos do Golfo Pérsico, quando todos esperavam que isso acontecesse no dia em que uma delegação chinesa desembarcasse em Riad e pedisse o pagamento de toda a energia necessária em yuan.
A OPEP+ chamou expôs o blefe americano e deixou a superpotência chapada e seca. Então, o que eles vão fazer para “punir” Riad e Abu Dhabi? Chamar o CENTCOM no Catar e no Bahrein para mobilizar seus porta-aviões e desencadear a mudança de regime?
O que é certo é que os psicopatas straussianos/neoconservadores no comando em Washington vão dobrar a aposta na guerra híbrida.
A arte de “espalhar a instabilidade”
Em São Petersburgo, ao se dirigir à MBZ, Putin deixou claro que é a OPEP + – liderada pela Rússia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos – que agora está definindo o ritmo para “estabilizar os mercados globais de energia” para que consumidores e fornecedores “se sintam calmos, estáveis e confiantes” e oferta e demanda “sejam equilibradas”.
No fronte do gás, na Semana da Energia Russa, o CEO da Gazprom, Alexey Miller, deixou claro que a Rússia ainda pode “salvar” a Europa de um buraco negro de energia.
Nord Stream (NS) e Nord Stream 2 (NS2) podem se tornar operacionais: mas todos os obstáculos políticos devem ser removidos antes que qualquer trabalho de reparo nas tubulações comece. [Ou seja, fim da OTAN ou pelo menos de suas operações no Mar Baltico e Leste Europeu. Portanto, melhor os europeus acumularem bastante lenha para os anos vindouros – nota do tradutor.]
E na Ásia Ocidental, Miller disse que adições ao Turk Stream já foram planejadas, para o deleite de Ancara, ansiosa para se tornar um importante centro de energia.
Em uma trilha paralela, é absolutamente claro que a aposta desesperada do G7 de impor um teto para o preço do petróleo – que se traduz como uma militarização de sanções estendidas ao mercado global de energia – é uma proposta perdida.
Pouco mais de um mês antes de sediar o G20 em Bali, o ministro das Finanças da Indonésia, Sri Mulyani Indrawati, não pôde deixar mais claro: “Quando os Estados Unidos estão impondo sanções usando instrumentos econômicos, isso cria um precedente para tudo”, espalhando instabilidade “não apenas para a Indonésia mas para todos os outros países.”
Enquanto isso, todos os países de maioria muçulmana estão prestando muita atenção à Rússia. A parceria estratégica Rússia-Irã está agora avançando paralelamente à entente Rússia-Saudita-EAU como vetores cruciais da multipolaridade.
Em um futuro próximo, todos esses vetores devem se unir no que idealmente deveria ser uma supra-organização capaz de gerenciar a história principal do século 21: a integração da Eurásia.
Fontes:
https://www.presstv.ir/Detail/2022/10/13/690908/Russia-Eurasian-Muslim-countries-CICA-summit-
https://thesaker.is/russia-courts-muslim-countries-as-strategic-eurasian-partners/
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