Lady Bharani para o Saker LatinoAmérica – 15 de maio de 2022
Muitos historiadores, analistas e estudiosos têm nos alertado sobre a repetição da História no decorrer da nossa existência humana. É fato tão marcante, embora imprudentemente desdenhado, que basta relembrarmos duas citações pontuais: “A História se repete sempre, pelo menos duas vezes”, como afirma Hegel. E Karl Marx adiciona: “A primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Mantenha isso em mente, por favor – ao longo dessa leitura.
Em 10 de maio, o Saker LatinoAmérica publicou a tradução de um artigo de Roddy Keenan, um repórter e professor que trabalha no Reino Unido, intitulado Reabilitando o Nazismo. Nele, Keenan discute a respeito do famigerado Batalhão Azov e de sua gradual reabilitação — quanto a seu papel, função e história — fomentada praticamente através de todo o espectro da grande mídia ocidental, como veremos em alguns exemplos a seguir.
Em outras palavras, o Batalhão Azov, outrora conhecido desde sua incipiência, em 2014, como um dos mais temidos e atuantes grupos neonazistas da Extrema Direita ucraniana — e, possivelmente, do Ocidente — rapidamente está sendo reabilitado em um dos últimos bastiões da “resistência” da “nação ucraniana” contra os russos. Como se o amplo escopo de terrores por ele cometido contra as populações ucraniana e étnica russa em solo ucraniano, nos últimos oito anos, magicamente deixassem de existir.
Nesse sentido, Keenan observa que:
“Basta olhar para a maneira como o Batalhão Azov, uma milícia nazista ucraniana plena, com influência significativa, foi reabilitada no espaço de dez semanas. Enquanto antes de 24 de fevereiro de 2022, eles eram reconhecidos como um batalhão neonazista, esses fascistas agora estão sendo retratados como valentes defensores de um povo oprimido, lutando bravamente contra probabilidades intransponíveis.”
Além disso, o professor chama a atenção para várias reportagens endossando esse viés realizadas por órgãos de imprensa de peso como a BBC, MSNBC, Financial Times, New York Times, dentre outros. Ele também enfatiza o papel relevante das redes sociais como Facebook, YouTube, Twitter e demais plataformas digitais na disseminação instrumentalizada dessa nova narrativa recauchutada às avessas.
Outro excelente e minucioso artigo sobre a reabilitação desse regimento, inicialmente formado por uma milícia paramilitar de caráter voluntário em maio de 2014 e incorporada à Guarda Nacional ucraniana desde novembro do mesmo ano, foi publicado recentemente no excelente Moon of Alabama. O artigo: A mídia está agora reabilitando nazistas que anteriormente ela havia condenado mapeia a mudança de discurso referente aos grupos nazistas atuantes na Ucrânia manejada pela mídia ocidental, como o Batalhão Aidar, C-14, National Druzhina, Bratstvo, o Patriota da Ucrânia e a Assembleia Social-Nacional (fundados ainda em 2008) que deram origem ao Right Sector, entre outras dezenas de grupos e, em especial, ao Batalhão Azov:
O que antes era “uma organização paramilitar neonazista sobre a qual até mesmo o FBI afirmou ser notória por sua “associação com a ideologia neonazista”, foi inicialmente rotulada como meramente “de extrema direita”, antes de se tornar uma unidade comum das forças armadas ucranianas.
O artigo também aponta para o fato de que “não é que o Azov tenha se desradicalizado com o tempo. Na realidade, ele tem se tornado cada fez mais extremo.” Nesse meio tempo, além da Guarda Nacional, o batalhão foi se infiltrando em outros departamentos do governo ucraniano, como em algumas unidades militares regulares, a polícia, e o Serviço Secreto de Segurança, também conhecido como SBU. O incrível é que esses grupos não apenas não são proibidos, mas encorajados, e parcialmente financiados pelo regime de Kiev, desde o coup d’État engendrado pelos americanos sob o governo ucraniano em 2014, o Euro Maidan.
Como imagens valem mais do que mil palavras, observe a diferença entre as duas fotos abaixo. E tenha em mente o fato já amplamente comprovado (publicado inclusive na Wikipedia) de que o Azov, assim que alistou-se oficialmente no governo ucraniano vem recebendo financiamento e armas pesadas de seu Ministério do Interior e de outras fontes, atribuídas a oligarcas nacionalistas ucranianos.
Segundo o artigo, a participação destes grupos descendentes dos Banderitas fascistas da Segunda Guerra Mundial nos setores de segurança governamentais da Ucrânia tem infligido consequências desastrosas em todo o país, sobretudo sob sua população civil. Nesse sentido, várias organizações e instituições relacionadas aos direitos humanos iniciaram um trabalho de compilação e publicação de relatórios detalhando os crimes cometidos pelos grupos nazistas ao longo dos anos, desde o golpe de Estado.
Alguns exemplos são a Fundação para o Estudo da Democracia que publicou um relatório sobre os Crimes de Guerra das Forças Armadas e Forças de Segurança da Ucrânia: tortura e tratamento desumano, em 2015. E a plataforma Uspishna Varta redigiu outro relatório com o foco no Ministério dos Assuntos Internos e o Gabinete da Procuradoria-Geral da Ucrânia, em 2018. Além disso, a Human Rights Watch detém uma longa lista de relatórios sobre o país nesse sentido.
Ainda em relação à ideologia neonazista e ao financiamento dos governos ocidentais a esses grupos de extrema direita, Scott Ritter, em um vídeo recente, uma vez mais, nos alerta:
[À altura da minutagem 11:07] […] A diferença entre antes [durante a Segunda Guerra Mundial] e agora é que antes nós não sabíamos o escopo da maldade que eles [os nazistas] eram capazes. Apenas sabíamos que não gostávamos deles. Mas, quando olhamos para os nazistas na Ucrânia hoje com as suásticas, não é possível mais termos dúvidas a respeito do que essa ideologia é capaz de fazer.
O que mais me assusta é que, em 1931, na República de Weimar, você poderia continuar sentado e dizer: “bom, nós talvez possamos controlá-los… Controlar Hitler…”, algo como uma contrapartida contra o comunismo e socialismo e algo do tipo. Mas hoje, nós sabemos do que eles são capazes. Eles atiraram contra trinta mil judeus, criaram os campos de concentração, os esquadrões da morte – mas, mesmo sabendo de tudo isso, nós ainda nos comportamos como um público idiota, nos dizendo que nós podemos controlá-los, que está acontecendo apenas naquele local, não nos preocupemos com isso porque temos um problema maior chamado Rússia.[…]
[À altura da minutagem 20:20] […] O mal da ideologia nazista está vivo e vivendo muito bem hoje. Não apenas na Ucrânia. E, lembre, alguém tem que contribuir para o mal. O mal não existe de forma isolada. Ele existe como parte de um sistema que o tolera.E a América é a nação mais tolerante do mal nazista no mundo hoje. Meu Deus! O Congresso [americano] acabou de discutir um pacote de 40 bilhões de dólares, que inclui mais de 15 bilhões para os militares. Nós estamos pagando os salários dos militares ucranianos que incluem o Batalhão Azov. Nós estamos pagando o salário de nazistas. Se você não vê isso como enfurecedor, nada mais o será! O contribuinte americano está pagando o salário de nazistas na Ucrânia hoje. Isso me deixa atônito! [E não apenas o contribuinte americano como o contribuinte das nações integradas à OTAN envolvidas nesse processo coletivo de envio de armamentos e investimentos à Ucrânia – nota da autora.]
Outro vídeo que corrobora a máquina de reabilitação do Batalhão Azov promovida pela mídia ocidental, endossando a análise de Ritter, é a reportagem O Ocidente elogia o Batalhão Azov ucraniano apesar de seu passado neonazista, de Donald Courter, da RT, de 17 de abril de 2022. “A missão da nação ucraniana é a de liderar as raças brancas do mundo em uma cruzada final… contra espécies sub-humanas de semitas” [minorias eslavas], afirma Andrey Biletsky, um dos fundadores e primeiros comandantes do Azov, em 2010.
A reportagem prossegue citando as práticas cada vez mais comuns de roubos, extorsões, raptos, torturas, execuções, e a utilização de civis como escudos humanos do batalhão Azov e demais grupos neonazistas e observa que essas atitudes pouco diferem das de organizações terroristas como o ISIS, por exemplo.
Ainda ao final, é mostrada uma declaração oficial de um porta-voz da plataforma Meta, detentora do Facebook, WhatsApp e Instagram, “por enquanto, estamos fazendo uma pequena exceção para [permitindo] elogios ao regimento Azov estritamente no contexto da defesa da Ucrânia, ou em seu papel como parte da Guarda Nacional da Ucrânia.” Dificilmente iremos encontrar outra afirmação mais reabilitada do que essa sobre o Azov e vinda de um indiscutível gigante midiático das plataformas digitais no Ocidente.
Um exemplo de reabilitação do Batalhão Azov no Brasil
Tomando esse mesmo fenômeno de reabilitação do nazismo agora em nossa realidade brasileira, observemos como a mídia nacional posiciona-se em relação ao Batalhão Azov, que, como muito bem nos lembra Pepe Escobar, teve a Waffen-SS da Divisão da Galícia como precursores históricos.
Como exemplo, analisaremos somente uma notícia, tomando-a em alguns dos veículos da imprensa nacional. A notícia, recente, é o fato de duas esposas de membros do Batalhão Azov terem se encontrado com o Papa Francisco para pedir-lhe ajuda, no Vaticano, na última quarta-feira, 11 de maio.
Comecemos com o site oficial do Vaticano: Esposas de soldados ucranianos no Vaticano: pedimos ajuda ao Papa. Como já era esperado, podemos notar um claro tom de esperança na reportagem e nenhuma crítica a respeito do Batalhão de Azov e à sua natureza de orientação neonazista.
Temos em seguida, outras reportagens que se isentam de criticar o Azov.
Papa se reúne com esposas de combatentes do Batalhão de Azov – Isto é
Esposas dos soldados do batalhão Azov pedem ajuda ao Papa – Yahoo Notícias
Guerra na Ucrânia: Papa Francisco recebe mulheres de soldados retidos em Azovstal – SIC Notícias
Mulheres de soldados retidos em Azovstal pedem ajuda ao Papa Francisco – Correio da Manhã
Em um segundo grupo, encontramos uma leve menção à ideologia do Azov:
Papa se encontra com esposas de comandantes acusados de nazismo do Batalhão de Azov – Urbus Magna
Papa se reúne com mulheres de soldados do Batalhão de Azov, milícia ucraniana de extrema direita – Batalhão Azov, milícia paramilitar de extrema direita que lidera a resistência ucraniana na siderúrgica Azovstal, em Mariupol. A reportagem ainda afirma que
O Batalhão de Azov foi formado em 2014, na esteira dos conflitos separatistas em Donetsk e Lugansk, e hoje é exaltado na Ucrânia pela resistência contra a invasão russa em Mariupol. No entanto, a milícia também é alvo de críticas por abrigar elementos neonazistas e é acusada pela Rússia de crimes de guerra no Donbass. – O Globo
[O Globo, via Ansa, Sessão Mundo, 11 maio 2022.]
O Portal IG publica o mesmo texto veiculado no Globo: Papa faz reunião com esposas de combatentes do Batalhão de Azov.
O UOL Notícias veicula também o mesmo texto das duas reportagens acima e altera apenas a manchete: Esposas de soldados da Ucrânia encontram papa: ‘Pedimos para falar com Putin para que vá embora’.
Num tom semelhante, a matéria do Correio Brasiliense, Esposas dos soldados do batalhão de Azov pedem ajuda ao papa, discorre que
Criado em 2014, o polêmico batalhão Azov, considerado uma milícia neonazista por alguns e heróis por outros, está no centro de uma guerra de propaganda entre Ucrânia e Rússia, que usou a “desnazificação” da ex-república soviética como justificativa para sua operação militar no país.
[Correio Braziliense, via Agence France-Presse, Sessão Mundo, 11 maio 2022.]
E o Estado de Minas segue a mesma linha nessa outra reportagem: Esposas de membros entricheirados do batalhão Azov pedem ajuda ao Papa.
E temos uma terceira listagem, encontrada, ao que pude observar até o momento, em apenas uma reportagem: Papa se reúne com esposas de membros do Batalhão Azov. Esta matéria foi feita pela Gazeta do Norte, e traz um caráter um pouco mais crítico do que todas as anteriores em relação ao Batalhão Azov.
Ao longo dos oito anos do conflito em Donbass, membros do Batalhão Azov – cujas ideias são semelhantes às dos ucranianos que colaboraram com os nazistas na Segunda Guerra Mundial, têm sido acusados de crimes de guerra na região, incluindo sequestro, tortura e pilhagem indiscriminada. Alguns dos combatentes usam insígnias que são muito semelhantes aos emblemas nazistas.
[Gazeta do Norte, via Ansa, Sessão Redação Mundo, 11 maio 2022.]
O discurso martelado pela maioria das reportagens é que o encontro da Sua Santidade Papa Francisco com as duas esposas, a loira Katheryna Prokopenko, 27, casada com o comandante Denys Prokopenko, e a morena Yulya Fedosiuk, 29, mulher do comandante Arseniy Fedosiuk, ambos do Batalhão Azov, segundo elas, foi “um momento histórico” no qual “esperamos que isso possa ajudar a salvar nossos maridos e soldados que estão em Azovstal” […] “em uma situação terrível”, “não têm comida, água, remédios nem tratamentos médicos.” […] “E a cada dia morrem um ou dois soldados feridos”.
Juntando o exemplo dessa notícia a inúmeros outros veículos, meios, e canais da imprensa, tanto dentro quanto fora de nosso país, existem evidências substanciosas de que há uma guerra de narrativas entre o que a mídia corporativa ocidental transveste ou nos apresenta como fato real e o que é, de facto, realidade.
Pelo que podemos perceber ao ler as reportagens aqui mencionadas é que esse embate de narrativas, seja ele de total ou parcial habilitação da imagem do Batalhão Azov, todos esses vieses relatados são instrumentalizados para competirem com – a realidade. Como vimos, ora ocultando, se afastando, adulterando ou se isentando a respeito do fato em si. E, na maioria das vezes, não tomando em sua análise o contexto maior onde o fato da notícia se encontra.
Uma rápida busca no google pelo nome das esposas nos fornece algumas imagens que, manipuladas ou não, nos mostram possíveis lados controversos que foram ocultados na narrativa retratada pelas matérias veiculadas.
E, em momentos difíceis como os de hoje, podemos sempre contar com o indefectível bom humor de alguns como o desse comentário:
#A mais recente falha de Putin:
A mídia Ocidental está desnazificando a #Ucrânia muito mais rápido e mais completo do que a Rússia. 🤡
Se a história se repete, e o inesperado sempre acontece, quão incapaz precisa o homem ser de aprender com a experiência?
George Bernard Shaw[*]
Por fim, ocultar o caráter explicitamente nazista do Batalhão Azov e de outros grupos de extrema direita ucranianos demonstra um controle centralizado da grande mídia ocidental, que pode ser instrumentalizado para as mais diversas finalidades, a mando de governos e elites transnacionais. Nesse sentido, como muito bem mencionou Scott Ritter, o consumo desse tipo de conteúdo midiático tem nos tornado gradualmente apáticos, alienados e zumbificados.
[*] George Bernard Shaw, no apêndice 2 de Homem e Super-Homem, “Maxims for Revolutionists,” em suas Obras Selecionadas com Prefácio, vol. 3, p. 742 (1948).
Impressionante o malabarismo ocidental para naturalizar o neonazismo ucraniano; o próprio emblema do Batalhão Azov tem como base o Schwarze Sonne nazista e a insígnia da 2. SS-Panzerdivision Das Reich da Waffen-SS;
https://t.me/frenteoriental/2883
https://t.me/frenteoriental/2884
O “nacionalismo” ucraniano é essencial revisionismo e reabilitação de nazistas ucranianos. E no ocidente isso é tratado no máximo como “polêmico” desde o começo da Operação Especial Russa na Ucrânia…
Eu nunca imaginei que presenciaria um ressurgimento do nazismo ainda nessa vida, já ressurgindo em tão curto tempo.
Depois me dei conta de que ele nunca deixou de existir, de que ele sempre esteve muito próximo a todos nós – a gente estando ciente ou não.
Sim, tratar esse fenômeno como “polêmico” é ser conivente, em certo grau, c toda essa reabilitação e “ressignificação”que andam tentando nos empurrar goela abaixo. É nessas horas (e outras tb, mas certamente nessas horas) que me lembro da Babushka Z! 🙂
Obrigada pelo comentário!
Esse pessoal é para além de tudo muito cara de pau, impressionante.
Oi Fisher Tiger, também acho!
E outra coisa impressionante é o mundo todo assistir ao que estamos presenciando: o armamento non stop e financiamento de bilhões de dólares a neonazistas declarados – em nome de uma suposta “resistência” ucraniana. Mas até isso não é novidade! Basta a gente lembrar quais foram os agentes que financiaram a Alemanha nazista.