Quem tem medo de William Barr?

17/7/2019, Stephen F. Cohen,* (ing.) The Nation e (fr.) Les Crises)

Podia ser no Brasil pós-tudo e pré-nada do golpe jurídico-parlamentar q derrubou governo legítimo. 
Mas é nos EUA. Lá, Democratas golpistas ainda continuam tentando derrubar o governo Trump, legítimo.  
Nada mais estranho q essas coincidências cruzadas: nos EUA, os Democratas são golpistas contra Trump; no Brasil, os bolsonaros são golpistas contra Dilma e Lula. Mas os DemocratasEUA fogem dos bolsonarosBR como o diabo foge da cruz; e os bolsonarosBR amam Trump, confessada paixão (“I love you!”). Mas Trump foge dos Bolsonaros como o diabo foge da cruz. E os legalistas autodeclarados democráticos e éticos no BR (mídia, academia tucano-udenista, vários petistas-udenistas e jornalistas ditos ‘progressistas’), amam a Killary, descarada golpista, kurrupta e matadora de árabes, e defendem o golpismo Killarysta contra Trump, pq seria golpismo ‘ético’, limpinho e cheiroso. MUITO interessante, né-não? 

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Imagem: O procurador-geral William Barr presta juramento, antes de iniciar depoimento sobre o Relatório Mueller,** perante a Comissão Judiciária do Senado, em Washington, dia 1/5/2019.

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“Agências de informação viciadas minam a democracia, e o próximo alvo delas, assim como, hoje, Trump [e Lula] é [são] o alvo a ser abatido – pode ser o nosso candidato, seja quem for, se o nosso candidato não for o candidato ‘deles’.
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William Barr, duas vezes procurador-geral e ex-funcionário da CIA nos anos 1970s, poderia passar por aquele iniciado que sabe ‘tudo’ de e sobre Washington. Segundo sua biografia em Wikipedia (ing.), – gozava de excelente reputação, tanto entre Republicanos como entre Democratas. Mas tudo mudou quando Barr anunciou que estava começando a investigar oficialmente as origens do caso que ficou conhecido como Russiagate, tema vitalmente importante, assunto que também explorei e sobre o qual também escrevi.

Nas palavras do próprio Barr: “Examinamos os seguintes pontos: qual a alegação inicial que tornou possível o inquérito de contraespionagem sobre a campanha de Trump (…)? e como/onde começou a falsa narrativa em seguida posta em circulação, segundo a qual Trump estaria em conluio com a Rússia para que se imiscuísse na eleições norte-americanas?”

Ainda mais que isso, Barr, que tem competência oficial para acessar e quebrar o sigilo de documentos muito sensíveis, expôs várias coisas bem claramente: não está interessado apenas no infeliz FBI dirigido por James Comey, mas também na CIA de John Brennan. Visivelmente foi mais do que conseguiu engolir o eminente senador Democrata Charles Schumer, que atacou Barr. Para o senador, o procurador-geral teria “simplesmente destruído tudo (…), até a pouca credibilidade que lhe restava”. 

Jamais elogiado pela capacidade de produzir ironia, Schumer acusou Barr por usar “até as mesmas palavras dos conspiradores”, como se o caso conhecido como Russiagate não fosse, ele mesmo, a mais perniciosa teoria da conspiração, a de mais pesadas consequências, de toda a história política dos EUA.

As reações do New York Times e do Washington Post, dois dos mais importantes jornais políticos, liberais, em termos globais e empenhados eleitores do Partido Democrata, ao inquérito conduzido por Barr são ainda mais reveladoras. Apoiando-se sempre em pareceres “de especialistas”, todos ex-funcionários do serviço de informações do Estado e de membros do Congresso, todos esses com acentuadas tendências ao mccarthysmo, como Adam Schiff, os dois jornais puseram-se em clave de furiosa indignação. 

Times  pôs-se a reclamar do “aumento vertiginoso no número de ataques feitos já há anos, [por Trump] contra a comunidade de informação”, sempre rejeitando “todas as declarações sem fundamento do presidente, segundo as quais sua campanha estaria sendo espionada”, inclusive depois que algumas modalidades de invasão e vigilância-espionagem da campanha eleitoral de Trump, de 2016, pelo FBI e pela CIA já eram bem conhecidas (ver, por exemplo, a matéria de Lee Smith.)

Indiferentes às atividades das duas agências, os jornais insistem de modo inquietante em repetir que Barr “realmente priva [a CIA] de seu poder mais essencial: a possibilidade de escolher os segredos que revela e os segredos que cala”. Tal ‘privação’ “poderia ser extremamente prejudicial à CIA e às demais agências de informação”. 

Sem surpresa, considerado o papel do jornal ao longo de três anos de difusão de alegações do caso Russiagate, o Times prejudicou o inquérito de Barr, ao declarar que as investigações secretas das agências de informação dos EUA seriam parte “de um inquérito legítimo visando a compreender os esforços e feitos de uma potência estrangeira interessada em manipular uma eleição norte-americana”. Consideradas as informações já acessíveis, essa generalização parece visar a justificar tanto a cobertura que o Times deu ao comportamento das agências quanto o próprio comportamento das agências (no Post, ver os artigos de Toluse Olorunnipa e Shane Harris.)

Hillary Clinton, também nesse caso sem surpreender fosse quem fosse, tem idêntica opinião. Como diz Matt Stevens, parafraseando Hillary no Times de 3 de maio, ela acusou Barr de ter desviado as atenções “do verdadeiro assunto. O verdadeiro assunto é a ingerência dos russos em nossa eleição”. 

Segundo a candidata Democrata derrotada, “os russos conseguiram semear a discórdia e a divisão” no país; e ajudaram Mr. Trump”. Mas quem realmente semeou ao máximo “a discórdia e a divisão” nos EUA: os russos ou a Sra. Clinton e seus seguidores, continuando a não aceitar a legitimidade do próprio fracasso eleitoral e a vitória de Trump ?

Infelizmente, mas também muito previsivelmente, o inquérito Barr tornou-se ambíguo, com um lado Fox News, por exemplo, com manchetes garrafais a cada revelação envenenada sobre oRussiagate, e outro lado Times e o Post que praticamente ignoravam quase completamente todas as revelações. 

Em particular, o Partido Democrata, tradicionalmente cético sobre as agências de informação, vai-se tornando o partido ‘da informação’ e, assim, da nova Guerra Fria EUA-Rússia. Apenas alguns responsáveis pelo partido, especialmente a candidata à presidência Tulsi Gabbard, recusam-se a se engajar nessa perigosa loucura. (A reticência dos Democratas poderia ela também ser devida ao fato de que os chefes da informação que são hoje investigados foram nomeados pelo ex-presidente Obama, que se mostrou tão impressionantemente discreto e distante da saga do Russiagate? Como já perguntei: o que Obama sabia, quando soube? E o que fez ao saber?)

Quem se inquiete quanto à qualidade da vida política norte-americana, independentemente do que pense de Trump, deveria defender o inquérito de Barr. 

Para recorrer a um clichê familiar, as acusações do Russiagate tornaram-se um câncer que se espalha por toda a política dos EUA, com alguns candidatos Democratas ao Congresso que teriam recebido dinheiro em troca da promessa de lutar contra as forças maléficas “Trump-Putin” em ação em Washington, apesar das conclusões que absolvem Robert Mueller de qualquer crime de conspiração. Ao mesmo tempo, alguns Republicanos, não obstantes as mais numerosas provas em contrário, só fazem acusar a Rússia do modo mais ridículo, por exemplo no caso do tristemente célebre dossiê Steele. (En passant, para acrescentar um tom a mais de ironia, Trump é regularmente acusado, em todos relatórios acima mencionados, de “se alistar ao lado” do presidente russo Vladimir Putin, negando que qualquer “conspiração” pudesse determinar o resultado da eleição presidencial de 2016, conclusão à qual Mueller também chegou e que, de fato, põe Trump, Putin e Mueller do mesmo “lado”).

Em termos ideais, deveríamos iniciar um inquérito inteiramente independente da Casa Branca sobre as agências de informação, dirigido por personalidade de primeiro plano que não seja nomeada pelo presidente, como foi feito no caso da Comissão Church do Senado em 1975. Atualmente, só temos o procurador-geral do governo Trump, William Barr. Temos de apoiá-lo, mesmo condicionalmente. 

Agências de informação viciadas minam a democracia, e o próximo alvo delas, assim como hoje Trump [e Lula] é [são] o alvo a ser abatido – pode ser o nosso candidato, se o nosso candidato, seja quem for, não for o candidato ‘deles’.*******


* Stephen F. Cohen é Professor Emérito de Estudos e Política Russos na Universidade de New York e na Universidade de Princeton. É autor colaborador da revista The Nation. Seu livro mais recente War With Russia ? From Putin & Ukraine to Trump & Russiagate (Guerra contra a Rússia? De Putin e Ucrânia a Trump e Russiagate) está à venda em edições de bolso e para leitura pela Internet.

** Há interessante relato (interessante não significa imparcial nem equilibrado!) sobre as idas e vinda desse Barr, que foi procurador-geral de Bush Filho e, depois, de Trump, na investigação sobre o caso ‘Russiagate’, q foi investigado por Mueller, relator especial e, também, por Barr, procurador-geral (ing.), aqui [NTs].


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