13/4/2018, The Saker, Unz Review e The Vineyard of the Saker
Fuente: Blog do Alok
“Estou cercado, eles estão aí fora, não quero que me prendam e me exibam, ordene o ataque, ou eles vão rir de mim e desse uniforme. Quero morrer com dignidade e levar todos esses infelizes comigo. Por favor. É meu último desejo, ataquem logo, eles vão me matar. É o fim, Comandante. Obrigado. Diga à minha família e ao meu país que os amo. Conte que fui valente e lutei até não mais poder. Por favor, cuidem da minha família, vinguem minha morte, adeus Comandante, diga à minha família que amo todos.”
[assina] Alexander Prokhorenko
“Isto é para os nossos rapazes”
Roman Filipov
Estamos vivendo hoje os dias mais perigosos em toda a história humana. Acham que é exagero? Pensem.
Estamos a poucos passos de um Armageddon nuclear
A primeira coisa a compreender é que nada disso, repito, nada disso tem algo a ver com Síria ou armas químicas, nem em in Salsbury, Nem em Douma. Esse tipo de nonsense é “prolefeed mental”[1] para os mentalmente incapazes, politicamente cegos ou de modo geral drones ideológicos que, do Maine, ao Golfo de Tonkin, ao ataque do Gladio da OTAN na estação de trens de Bolonha, até o melhor e maior de todos os ataques encenados – o 11/9, claro – simplesmente acreditarão em qualquer coisa que o lado “deles” (como supõem que seja) lhes conte. A verdade é que os anglo-sionistas são os maiores proliferadores de armas químicas de toda a história (como são também os maiores matadores de árabes e muçulmanos!). As lágrimas de crocodilo portanto não passam disso – lágrimas de crocodilo, por mais que a máquina de propaganda diga que não.
Alguém acredita seriamente que Trump, May, Macron ou Netanyahu se exporiam ao risco de uma guerra termonuclear apocalíptica que poderá matar várias centenas de milhões de pessoas em poucas horas, porque Assad tivesse usado armas química contra dezenas, centenas e mesmo que fossem milhares de sírios inocentes (assumindo, só para poder argumentar, que a acusação tivesse fundamento)? E desde quando os anglo-sionistas preocupam-se com a vida de árabes?! Nada, absolutamente nada poderia ser mais absurdo que isso!
Para quem ainda insista em que falar de “várias centenas de milhões de pessoas” mortas em poucas horas é exagero, recomendo que examine planos anteriores do ‘ocidente’ para “resolver o problema russo”, dentre os quais:
· Plan Totality [Plano Totalidade] (1945): demarcava 20 cidades soviéticas para total destruição no primeiro ataque: Moscou, Gorki, Kuybyshev, Sverdlovsk, Novosibirsk, Omsk, Saratov, Kazan, Leningrado, Baku, Tashkent, Chelyabinsk, Nizhny Tagil, Magnitogorsk, Molotov, Tbilisi, Stalinsk, Grozny, Irkutsk e Yaroslavl.
· Operation Unthinkable [Operação Impensável] (1945) previa um ataque de surpresa de até 47 divisões britânicas e norte-americanas na área de Dresden, no meio das linhas soviéticas. Seriam quase a metade de, pode-se dizer, 100 divisões (aproximadamente 2,5 milhões de soldados) com que contavam os quartéis-generais de Grã-Bretanha, EUA e Canadá naquele momento. (…) A maior parte de qualquer operação ofensiva ficaria a cargo de forças dos EUA e Grã-Bretanha, além de forças polonesas e cerca de 100 mil soldados da Wehrmachtalemã.
· Operation Dropshot [Operação ‘queda súbita’] (1949): incluiu projetos de missão que usariam 300 bombas nucleares e 29 mil bombas de alto poder de destruição contra 200 alvos em 100 cidades e vilas, para destruir o 85% do potencial industrial da União Soviética num só ataque. Entre 75 e 100 das bombas nucleares estavam reservadas para destruir no chão a força soviética de combate aéreo.Artigos como esse, esse e esse são também bons indicadores (todos estimam, claro, ninguém tem certeza; o que importa é uma ordem aproximada de grandeza).
Vale repetir aqui que não estou sugerindo, nesse momento, que os anglo-sionistas quereriam iniciar deliberadamente uma guerra termonuclear contra a Rússia. O que estou dizendo é que há uma simetria muito simples e básica entre as forças russas e as forças anglo-sionistas no Oriente Médio, que pode levar àquele resultado, independente de quais sejam as intenções originais. Vejam como.
Corremos o risco de um Armageddon nuclear?Passo um: os Anglo-sionistas atacam a Síria com força suficiente para que os russos sejam obrigados a retaliar.
Passo dois: na sequência, ofendidos pela resposta russa, os anglo-sionistas retaliam contra as forças russas na Síria.
Nesse ponto é crucial não esquecer que, (i) é verdade que os russos têm melhor equipamento e soldados de qualidade muito superior aos de seus opositores ‘ocidentais’ (os exemplos de Alexander Prokhorenko ou Roman Filipov dizem tudo que é preciso saber sobre como lutam os russos que estão na Síria, principalmente se se os comparam ao tipo de gente que se alista com EUA e OTAN); mas (ii) o ‘bloco’ CENTCOM+OTAN+Israel+Arábia Saudita tem vastíssima vantagem numérica. Não importa o quanto sejam efetivas as defesas aéreas russas ou superior, qualitativamente, a (pequeníssima) Força Aérea Russa na Síria, porque os grandes números neutralizam completamente a superioridade qualitativa. Tudo que o Império precisa fazer é atacar primeiro com grande número dos velhos pesados mísseis cruzadores Tomahawk, deixar os russos usar seus estoques de mísseis de defesa aérea e depois vir com as armas mais avançadas. Verdade é que, se o Império quisesse, poderia até implantar uma zona aérea de exclusão sobre a Síria e varrer a força tarefa russa. Claro, haveria baixas dos dois lados, os russos lutariam heroicamente, mas perderiam a guerra. A menos, claro, que recebesse ajuda da Mãe Rússia, sob o formato específico de mísseis cruzadores de ataque da Frota do Mar Negro, da Flotilha do Cáspio, da aviação estacionada no sul da Rússia (Crimeia) ou, mesmo, no Irã. A Rússia também ataca com mísseis baseados em terra e mar. Quer dizer: a Rússia tem capacidade para atingir numerosos alvos lucrativos (e mais ou menos indefesos) dos EUA e da ‘coalizão’, em todo o Oriente Médio. Mas qual seria a consequência disso?
Passo três: Russos atacam alvos do CENTCOM, o que forçaria o Império a responder e atacar navios da Marinha Russa e, ainda pior, instalações militares na própria Rússia.
Passo quatro: Ataques de EUA/OTAN ao território russo inevitavelmente disparariam uma resposta russa contra território dos EUA.
Essa resposta seria, inicialmente, convencional, mas com as baixas dos dois lados aumentando, o uso de armas nucleares seria quase inevitável.
Sim, em teoria, a qualquer momento nesse ciclo de escaladas, os dois lados podem resolver desescalar. Em teoria. Mas no mundo real não acho que possa acontecer nem jamais vi modelo algum que explique convincentemente como poderia acontecer uma desescalada (especialmente se se considera a extraordinariamente baixa qualidade dos indivíduos narcísicos e psicopatas que comandam os EUA – penso aqui em Trump ou Bolton – e toda aquela bravata pseudo-patriótica de “somos os melhores e maiores e os maiorais”).
Não estou prevendo que acontecerá assim. Mas, sim, estou dizendo que esse é o risco que o Império Anglo-sionista quer assumir, para conseguir… para conseguir… o quê, exatamente? O que valeria correr tamanho risco?
Acho que o ministro da Defesa do Reino Unido disse perfeitamente: os anglo-sionistas querem que a Rússia “caia fora [da Síria] e cale o bico”.
Por que estamos arriscando um Armageddon nuclear (Caia fora e cale o bico!)
“Caia fora e cale o bico” tem sido o sonho de todos os líderes ocidentais há, pelo menos, um milênio (intercalado e reforçado por tentativas regulares (e fracassadas) de conquistar e/ou converter os russos). Pense em o quanto foi frustrante para uma civilização que estabeleceu colônias por todo o mundo, inclusive nas mais distantes regiões do planeta, ter ali, do outro lado da rua, a Rússia, inconquistável, a qual, além de não se submeter, regularmente derrotou o ‘ocidente’ em combate, mesmo quando o ‘ocidente’ reuniu todas as suas forças lideradas pelos seus “melhores e mais brilhantes” líderes (Napoleão, Hitler e… Trump?).
Imagine como, uma civilização centralizada em bancos e governada por banqueiros enlouqueceria completamente, ao perceber que aquelas riquezas imensas lá estão, ali, do outro lado da rua, mas os que vivem lá, por algum motivo inimaginável, recusam-se a se deixar roubar! A própria existência de uma “Rússia russa” é uma afronta a todos os verdadeiros (que nada têm a ver com os oficiais) valores ocidentais. E isso simplesmente não é coisa que os líderes do Império estão dispostos a tolerar. Daí a Síria, daí a Ucrânia, daí as ridículas acusações de ataques de “novichok” misturado com cereais matinais. Todos esses movimentos são expressões da mesma política:
1. Pintar a Rússia como uma espécie de Mordor e criar mais uma ‘grande coalizão’ contra ela;2. Forçar a Rússia a submeter-se à hegemonia anglo-sionista;3. Derrotar a Rússia politicamente, economicamente ou militarmente.Esses são objetivos pelos quais vale a pena arriscar tudo, especialmente quando o seu Império está colapsando e o tempo corre contra você. Estamos assistindo pelo menos desde 2015 a mais uma Cruzada do ‘ocidente’ contra a Rússia, uma espécie de guerra santa em nome de tudo que o ‘ocidente’ considera santificado (dinheiro, poder, dominação hegemônica no mundo, secularismo, etc.) e contra tudo que o ‘ocidente’ odeia (soberania, independência, espiritualidade, tradições).
A simples verdade é a seguinte: não fossem as capacidades militares da Rússia, o ocidente já teria “varrido do mapa” o país há muito tempo, substituído por algo assemelhado a várias “mini-Polônias” governadas por uma elite liberal comprador exatamente como a que está hoje no comando da União Europeia.
O choro desesperado de “caia fora e cale o bico” é mera expressão de birra, porque esse “sonho ocidental” não se realizou, porque o poder das forças armadas russas e a unidade do povo russo que cerrou fileiras ao lado do atual presidente (reeleito). Mas nem a existência da Rússia, frustrante para o ‘ocidente’, seria suficiente razão para arriscar tudo; há muito mais em jogo nesse caso.
Rússia é ponta de um iceberg muito maior
Dados fatores geográficos, históricos, culturais, religiosos e militares, a Rússia é hoje nação-líder objetiva da resistência mundial contra o Império, pelo menos em termos morais, psicológicos e políticos. Mas isso não significa, de modo algum, que a Rússia seja “anti-EUA”. Para começar porque a Rússia absolutamente não comanda ou controla a resistência mundial contra o Império.
De fato, em análise bem superficial, a Rússia muitas vezes parece bem solitária na posição dela (como se viu no comportamento recente dos chineses no Conselho de Segurança da ONU). A verdade é que outros países que desejam o fim da hegemonia anglo-sionista não encontram absolutamente nenhum incentivo para unir-se à Rússia no topo da “lista-de-merdas” dos EUA e lá ficarem, expostos à ira do hegemon; principalmente não, quando a Rússia parece mais do que desejosa de receber o peso do ódio do Império.
Além disso, como todos os países grandes e poderosos, a Rússia não tem amigos e muitos países comportam-se como se fosse tarefa dos russos resolver todos os problemas deles (como se vê no fluxo ininterrupto de acusações de que a Rússia não teria feito o suficiente num ou noutro ponto do planeta). Mas nem por isso todos esses países põem-se exatamente alinhados e mostram solidariedade com a Rússia, quando ela precise. Assim, quando digo que a Rússia lidera a resistência não estou dizendo que a Rússia exerça essa liderança do modo como os EUA comandam a OTAN ou algum tipo de “coalizão de vontades”. A Rússia lidera simplesmente porque não “cai fora” ou, e ainda mais, porque não “cala o bico”.
A Rússia é o único país no planeta, exceto possivelmente o Irã, que ousa abertamente e sem pedir licença ou desculpas denunciar a hipocrisia do Império e está disposto a amparar suas ações com poder militar, se necessário. A República Popular Democrática da Coreia (‘Coreia do Norte’) é caso local, único.
Quanto aos vários países e movimentos bolivarianos na América Latina, estão atualmente sendo derrotados pelo Império. Em teoria, o mundo muçulmano tem potencial, sem dúvida, para desempenhar papel muito maior na resistência ao Império, mas o vírus do wahabismo injetado no mundo muçulmano por EUA+Arábia Saudita+Israel tem impedido, pelo menos até aqui, a emergência de um modelo realmente islâmico, ao lado da República Islâmica do Irã (o que explica a demonização do Irã, pelos anglo-sionistas).
Pois mesmo assim…
O Império está no processo de perder todo o Oriente Médio. Nem tanto por alguma política brilhante e maquiavélica de russos ou iranianos, mas por conta, mais, das políticas infinitamente arrogantes, estúpidas e que se autoboicotam e derrotam-se elas mesmas. A derrubada de Saddam Hussein ficará na história, provavelmente, como uma das decisões políticas mais estúpidas de todos os tempos (e por trás dessa decisão também lá estava Bolton, vale anotar). Foi catástrofe integralmente autoinfligida. Assim como a invasão, quase igualmente desastrada, do Afeganistão. Outro desastre que os anglo-sionistas se autoinfligiram foi o apoio ao golpe criado por EUA/UE na Ucrânia, golpe que não apenas resultou numa calamidade pela qual os europeus terão de pagar ainda por muitas décadas futuras (pensem nesse caso como uma grande Somália junto à porta de entrada da União Europeia), mas também fez o belo serviço de unir o povo russo alinhados sob ordens dos líderes eleitos e reduziu os sentimentos pro-ocidente na opinião pública russa a coisa tipo, no máximo, 2-5%. Claro que ‘ganhar’ a Ucrânia absolutamente não valeu o preço de ‘perder’ a Rússia.
E há a China, que os EUA gerenciaram extraordinariamente mal desde a chamada Terceira Crise do Estreito de Taiwan em 1996, quando Clinton ameaçou militarmente a China (aqui, detalhes), e contra quem Trump lançou agora uma guerra comercial para “fazer a América grande” (boa sorte!).
Em contraste, toda a “ação” real está agora centrada no projeto Um Cinturão Uma Estrada no qual China e Rússia têm o papel protagonista e no qual a anglosfera absolutamente não tem qualquer papel. Acrescente o petroyuan à equação, e você tem a emergência de um novo modelo eurasiano, que ameaça tornar irrelevante o Império inteiro.
E há ainda a Turquia (segundo mais forte membro da OTAN). E, sim, também o Paquistão. Ou o Afeganistão. Ou o Iraque. Ou o Iêmen. Todo o Império está em plena retirada, deixando em lugar dele o mais total caos.
A verdade é que a Rússia jamais seria ameaça crível contra a hegemonia anglo-sionista, não fossem os incontáveis desastres que o Império produziu e se autoinfligiu, incontáveis desastres que o Império tem tido de absorver, ano após ano após ano.
Na verdade, a Rússia não é ameaça contra nada e ninguém. E nem a China seria ameaça ao Império, não fosse o Império tão arrogante, não estivesse tão superdistendido, não fosse tão ignorante, temerário e incompetente em tudo que faz. Permitam-me dar um exemplo, só um, mas muito claro: não só os EUA não têm até hoje nada que se assemelhe nem de longe a uma política exterior que faça sentido; o país sequer tem ministério de Relações Exteriores.
O Departamento de Estado não faz diplomacia pela suficiente razão de que os líderes dos EUA não creem em diplomacia, como conceito. Tudo que o Departamento de Estado faz é ameaçar, sancionar, exigir, dar ‘notas’ sobre direitos humanos (e sobre tudo e qualquer coisa!) e explicar à opinião pública a causa (suposta) de os EUA estarem sempre em guerra contra alguém. Isso não é diplomacia, e gente de baixa qualidade intelectual como Nikki Haley não são diplomatas. Na verdade, os EUA sequer consideram a Lei Internacional. Por isso, a ‘inacreditável’ Nikki Haley declara abertamente numa reunião do Conselho de Segurança da ONU que os EUA consideram ignorar as decisões do Conselho de Segurança da ONU e agir em direta e completa violação da Carta da ONU. Dito em palavras claras: diplomacia só interessa aos cidadãos de bem; bandidos e matadores não precisam de diplomacia. Sequer compreendem o conceito.
Assim como seus patrões e mentores israelenses, os norte-americanos acabaram por se convencer de que, para serem bem-sucedidos na cena internacional bastaria ameaçar que usarão ou realmente usar de força militar. Funciona (ou parece funcionar) em Gaza ou Grenada, mas quando se trata de enfrentar China, Rússia ou Irã, a abordagem monomaníaca rapidamente mostra as próprias limitações, especialmente quando a força está realmente limitada a disparar mísseis, sempre de bem longe, ou a assassinar civis (nem norte-americanos nem Israel, nem a Arábia Saudita, por falar deles, têm capacidade suficiente em termos de “coturnos em solo”; por isso têm de depender de ‘representantes locais’).
O Império está desabando rapidamente e, apesar dos muitos discursos sobre “Assad, o Animal” ou o “Homenzinho-foguete” bem merecerem ser castigados pelos anglo-sionistas, o que está por um fio é a sobrevivência da hegemonia imposta à humanidade ao final da 2ª Guerra Mundial e, outra vez, ao final da Guerra Fria, e o futuro de nosso planeta.
Não podem existir, ao mesmo tempo, um Hegemon Mundial e uma ordem mundial multipolar regulada pela lei internacional. É relação de ou um ou outro. E nesse sentido a questão é muito maior que Síria e, mesmo, que Rússia.
De Douma a Donetsk?
Ainda há uma chance de que os anglo-sionistas decidam atacar só simbolicamente a Síria, como fizeram ano passado, depois daquele ataque anterior sob falsa bandeira, em Khan Sheikhoun (Trump agora já deve ter-se autotuitado para um canto qualquer, o que torna praticamente inevitável algum ataque, seja qual for). Mas quando acontecer, que ninguém se apresse a celebrar, porque terá sido apenas uma pequena mudança de rota, e a Cruzada anti-Rússia do século 21 continuará, muito provavelmente sob a forma de um ataque ucronazista no Donbass.
Lembrete rápido: O objetivo desse tipo de ataque não será reconquistar e promover na sequência a ‘faxina étnica’ no Donbass, mas, sim, forçar a Federação Russa a intervir abertamente, para impedir esse desdobramento. Essa intervenção russa porá fim rapidamente à guerra e esmagará as forças ucronazistas, mas a essa altura as tensões na Europa já estarão saindo pelo telhado, o que significará que a OTAN (finalmente!) terá encontrado missão parcialmente verossímil para ela mesma; os alemães terão de desistir do Ramo Norte II; a Polônia e os paraestados bálticos ganharão dinheiro ao se converterem em versão leste-europeia de Okinawa; e as anglo-potências (EUA/Reino Unido) restabelecerão firmemente o próprio controle sobre a União Europeia, (e nem o Brexit terá mudado alguma coisa).
Além disso, a Rússia se tornará alvo de guerra econômica total, incluindo bloqueio de energia (os EUA ficarão felicíssimos com impor aos europeus o seu gás com preço superior a qualquer número razoável); desconexão do sistema internacional de compensações bancárias (SWIFT); confisco de patrimônio russo; proibição de os russos manterem operações financeiras na União Europeia, etc. Pode ser arriscado, claro, especialmente em momento em que também está em curso uma guerra comercial contra a China, mas só há essas possibilidades.
O que é certo é que, enquanto Putin ou outro governante como ele permanecer no poder na Rússia, o Congresso dos EUA continuará a aplicar sanções e mais sanções e mais sanções contra a Rússia.
Fato é que durante a maior parte da própria história, mesmo antes da Revolução de 1917, a Rússia viveu sob um ou outro tipo de sanções ocidentais. Nada, absolutamente, é novidade para os russos, no quesito sanções; e gosto de lembrar hoje a todos que não há melhor pista para prever comportamentos futuros, que examinar comportamentos passados, especialmente se, como nos EUA, regimes e líderes maníacos sucedem-se sem variação significativa.
Guerra na Ucrânia é aposta muito mais segura para o Império
Além disso, como eu já disse antes e diferente do atual confronto que se desenrola na Síria, uma guerra na Ucrânia é aposta muito mais segura para o Império.
Primeiro, porque quando o objetivo é perder a guerra, praticamente toda e qualquer aventura militar é razoavelmente sem riscos. Segundo, se os russos estiverem na Novorrússia serão os ‘donos’, o que significa que recairá sobre eles o imenso peso financeiro de reconstruir tudo. Terceiro, a presença dos russos ali, nessas condições, consolidaria e até inflaria os nacionalistas Ukies os quais, por falar deles, terão assim magnífica oportunidade para jogar sobre os russos toda a responsabilidade por tudo que os próprios Ukies fizeram de errado durante os últimos quatro anos. Quarto, operação desse tipo facilitará o assassinato dos piores e mais pervertidos ucronazistas, o que afastará problemas que pudessem vir a perturbar os governantes tipo-Poroshenko com quem os EUA tanto gostam de negociar. Por fim, como já disse, a OTAN encontrará aí uma missão santificada, de “defender a Europa contra o estado-bandido e revanchista russo”, o que detonará para sempre qualquer esperança que a Europa talvez acalente de conseguir alguma independência, na relação com a anglosfera (qualquer independência, precária que seja…). E o pior dos casos para o Império, qual seria?
O pior dos mundos é se os novorrussos conseguem deter o ataque dos ucronazistas, sem intervenção russa declarada. Mas mesmo que aconteça, e ainda que os novorrussos lancem algum tipo de contraofensiva e libertem Mariupol ou Slaviansk, essas serão perdas quase insignificantes, do ponto de vista do Império, que vê ambos, russos e ucranianos, como bucha de canhão.
Assim como o Império deseja que árabes e muçulmanos se matem lá entre eles, para facilitar a ocupação por Israel no Oriente Médio, assim também o Império deseja sobretudo ver ucranianos e russos matando-se lá entre eles também, em quantidades avassaladoras e pelo maior tempo possível de matança.
[BARRA LATERAL: Alguns talvez entendam que os novorrussos podem não só derrotar os ucronazistas, mas também libertar o resto da Ucrânia, inclusive Kiev. Acho altamente improvável. Explico por quê:Primeiro, inobstante toda a barulheira hurrah-patrioteira, há razões muito boas e muito objetivas pelas quais os novorrussos não conseguiram libertar Mariupol antes (havia grande risco de a força novorrussa ser cercada pelos ucranianos), ou pelas quais demoraram tanto para retomar o controle sobre o aeroporto de Donetsk: durante toda sua existência, as forças novorrussas foram formadas de um mix de tipos diferentes de unidades, que, por mais que fossem pessoalmente valorosas, não tinham meios para ofensivas operacionais. Estavam limitados a combates de nível tático que, mesmo quando bem-sucedidos, não levam necessariamente a desenvolvimentos de nível operacional. Parece que houve grandes mudanças na estrutura de comando das forças novorrussas. A libertação do aeroporto de Donetsk e, ainda mais, o “caldeirão” de Debaltsevo foram esforços conjuntos de República Popular de Donetsk (DNR) e República Popular de Lugansk (RPL), mas mesmo se, como suspeito, os novorrussos sejam hoje capazes de contraofensivas operacionais, ainda não é suficiente para libertar Kiev. Além do mais, como comentou um oficial novorrusso, “Quanto mais andamos para oeste, menos somos vistos como libertadores, e mais como ocupantes”. Por último, mas não menos importante, a Rússia não permitirá que os novorrussos libertem a maior parte da Ucrânia, ainda que pudessem ou possam fazê-lo, porque nesse caso a Rússia terá de arcar com os custos altíssimos de pôr em pé novamente aquela “Somália Europeia” – e esta tarefa está hoje muito acima dos reais meios com que os russos contam. Por mais que avancem as alucinações leste-europeias sobre alguma invasão russa, a Rússia não tem nem desejo nem os recursos necessários para invadir seja quem for. A dolorosa realidade é essa: os ucranianos pagarão preço terrível por seus delírios russofóbicos, e a maior parte da conta para consertar o estrago terá de ser paga pelo resto da Europa. Eles criaram aquele pesadelo, eles que consertem.]
Conclusão: de volta à Síria
Nada do que fica dito acima nos deve impedir de ver o perigo que, de todos, é o maior que há diante de nós – os riscos de uma guerra EUA-Rússia na Síria. De fato, essa realidade parece que está afinal se impondo até às/aos mais obtusos press-titutos e press-titutas que agora começam a se preocupar com um possível efeito de transbordamento, embora não sobre Europa ou EUA, mas sobre Israel, claro.
Mesmo assim, o fato de que há gente que compreende que Israel pode não sobreviver a uma guerra entre duas superpotências bem ali ao pé da porta deles, é boa coisa. Talvez o lobby sionista nos EUA ou, pelo menos, a parte do lobby que se interessa por Israel (muitos/a maioria apenas fingem interesse), fale mais forte que todos os anglo-shabbos-goyim que não parecem alimentar nem um mínimo instinto de autopreservação? Bibi Netanyahu sentiu a necessidade de telefonar a Putin, depois que o embaixador de Israel na Rússia foi chamado à presença de funcionários russos e admoestado oficialmente, depois do (admitidamente patético) ataque israelense contra a base T-4 da força aérea da Síria. Não chega a ser grande esperança, tenho de admitir…
Já não se trata de mocinhos contra bandidos. Agora já é sanidade contra loucura. Acho que, sem medo de errar, pode-se pôr Trump, Bolton, Haley e o resto deles no campo dos “delirantes terminais”. Mas e o que dizer dos mais altos generais dos EUA? Conversei com dois amigos bem-informados, e os dois disseram que praticamente com certeza total não há ninguém, com patente superior a coronel, com coragem suficiente para se opor à insanidade dos neoconservadores, mesmo que o ataque signifique guerra nuclear, 3ª Guerra Mundial. Também por esse lado, a esperança é bem magra…
Há uma sura (Al-Anfal 8:30) do Alcorão que Xeique Imran Hosein menciona com frequência e que quero citar aqui: Recorda-te (ó Mensageiro) de quando os incrédulos confabularam contra ti, para aprisionar-te, ou matar-te, ou expulsar-te [de Macca]. Confabularam entre eles, mas Deus desbaratou-lhes os planos, porque é o mais duro dos desbaratadores.[2]
E dado que estamos falando sobre a Síria, onde o Irã e o Hezbollah são alvos, tanto quanto (ou mais) que os russos, quero deixar aqui também uma lição muito popular entre os xiitas, que faz lembrar que a batalha contra a opressão tem de ser lutada sempre, em todos os lugares: “Todo dia é Ashura e toda terra é Karbala“.
E há, claro, as palavras de Cristo: “Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena [no inferno]“ (Mateus 10:28).
Essas referências religiosas sem dúvida irritarão os ocidentais “ilustrados”, para os quais essa linguagem tem ranço de obscurantismo, fanatismo e intolerância. Mas na Rússia ou no Oriente Médio, essas referências são parte inafastáveis do etos nacional ou religioso. Para ilustrar meu ponto, cito também uma fala de Said Hassan Nasrallah no “Discurso da Vitória Divina”, de 2006, depois da esmagadora vitória de uma força relativamente pequena do Hezbollah sobre o poderio combinado das forças de terra, mar e ar de Israel:
Hoje celebramos uma grande vitória estratégica, histórica e divina. Como a mente humana pode imaginar que uns poucos milhares de filhos de nossa resistência libanesa – se quisesse, poderia dar-lhes o número exato – mantiveram-se por 23 dias em terreno exposto, contra a mais poderosa força aérea em todo o Oriente Médio, que manteve uma ponte aérea para transportar bombas inteligentes diretamente dos EUA, pela Grã-Bretanha, até Israel; contra 40 mil soldados e oficiais – quatro brigadas de forças de elite, três divisões de exército de reserva; contra o blindado mais forte do mundo; e contra o exército mais forte na região? Como puderam uns poucos milhares combater sob essas condições duríssimas (…)? Registro que o exército e a resistência são capazes de proteger as águas territoriais, que não foram profanadas por nenhum sionista. [Aplauso] [E como pôde acontecer que a luta deles] também levou à destruição dos blindados Mirkava, orgulho da indústria de Israel; à destruição, dia e noite, de helicópteros de Israel; e converteram brigadas de elite – não exagero, e tudo isso pode ser visto na mídia israelense! – em ratos assustados, que os filhos de vocês puseram em fuga? [Como pôde acontecer tudo isso] quando vocês já haviam sido abandonados pelos árabes e pelo mundo (embora, sim, a solidariedade humana fosse profunda), cercados pelas divisões políticas? Como poderia esse grupo de mujahidin derrotar esse exército, não fosse pelo apoio e pela ajuda de Deus Todo Poderoso? Essa experiência de resistência, que deve ser contada ao mundo, depende – no plano moral e espiritual – da fé, da certeza, da confiança [em Deus] e da prontidão para qualquer sacrifício. E depende também da razão, do planejamento, da organização do armamento e, como se diz, de tomar todas as providências e cumprir todos os procedimentos para a autoproteção. Não somos resistência desorganizada, nem resistência rebaixada, que só vê chão à sua frente, nem somos resistência de caos. A resistência que crê, que confia, ama e se faz ver em combate é também a resistência consciente, inteligente, treinada e equipada que planeja e segue os próprios planos. E esse é o segredo da vitória, irmãos e irmãs, que estamos celebrando hoje [aqui (re)traduzido do inglês].Essas palavras aplicam-se bem também à relativamente pequena força-tarefa russa na Síria. De fato, há inúmeros paralelos que se podem traçar entre o papel e a posição do Hezbollah no Oriente Médio, e o papel e a posição da Rússia no mundo. E por mais que ambos sejam bem treinados, bem armados e bem comandados, é o poder espiritual que os anima que decidirá as guerras que o hegemon faça contra eles. Secularistas anglo-sionistas jamais compreendem isso – simplesmente não podem compreender –, e nisso começa a derrota inevitável que os aguarda.
A única questão hoje é o preço que a humanidade terá de pagar, antes de vermos esse derradeiro Império finalmente lamber a poeira.
The Saker
[2] “As conspirações contra Mohammad, em Macca, tinham como objetivo três malefícios. Os conspiradores não apenas se viram frustrados, mas ainda o maravilhoso trabalho de Deus fez com que “o feitiço virasse contra o feiticeiro” e, do mal, tirou o bem, em cada caso. Eles tentaram manter o Mensageiro em sujeição, em Macca, pressionando os seus tios, parentes e amigos. Porém, quanto maior era a perseguição, mais a pequena comunidade muçulmana crescia em fé e em número. Eles tentaram injuriá-lo ou matá-lo. Mas o seu magnífico exemplo de humildade, perseverança e destemor fortaleceu a causa do Islam. Eles tentaram tirá-lo, bem como aos seus, dos seus lares. Porém, eles encontraram um novo lar em Madina, de onde finalmente conquistaram, não somente Macca, mas a Arábia e o mundo” (Alcorão 549).
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