Dmitry Orlov – 17 outubro 2022
Apoie a escrita de Dmitry Orlov em: https://boosty.to/cluborlov
Algumas pessoas observadoras estão começando a suspeitar que nem tudo está indo perfeitamente bem com o poderoso Império Ocidental sediado em Washington, DC. Alguns dos mais excitados desses observadores são rápidos em afirmar que o que estão testemunhando são estágios iniciais de colapso. Mas essas vozes são poucas e distantes entre si, enquanto o resto dos observadores ainda se sentem compelidos a seguir essa pequena disciplina mental:
- O poderoso Império Ocidental é poderoso. Esta é uma tautologia e, portanto, auto-evidente; e sendo assim, não admite argumentos e não requer mais provas.
- Dominar o mundo inteiro requer um nível absolutamente espantoso de inteligência. Isso porque o mundo é grande e complicado.
- Se o poderoso Império Ocidental parece fazer algo incrivelmente estúpido, então é porque nós mesmos somos estúpidos demais para entender a sutileza de sua inteligência que está se disfarçando de estupidez; veja o ponto 2 acima sobre o porquê.
- Se o poderoso Império Ocidental parece se envolver no que parece ser uma sequência interminável de movimentos espetacularmente estúpidos e autodestrutivos, então isso se reduz iterativamente a uma aplicação repetida do ponto 3 acima.
Mas depois há o ponto de vista radical e extremista: que o poderoso Império Ocidental já entrou em colapso e continua a existir meramente por inércia física e mental, enquanto seus líderes tentam manter as aparências e adiar o inevitável para melhor emplumar seus ninhos individuais. Esses extremistas de mente conspiratória têm a ousadia de imaginar que não existe um plano mestre estratégico surpreendentemente brilhante e sutil além dos esforços dos jogadores individuais para continuar recebendo enquanto o pagamento é bom – ou algo igualmente radical e extremista nessas linhas gerais.
O que é Pax Americana, definida em uma única frase? A Pax Americana é um regime parasitário globalista que tenta extrair riqueza do resto do mundo através da imposição de uma oligarquia financeira transnacional apoiada por um sistema de bases militares mundiais e uma força expedicionária que exige obediência através da opressão financeira e da violência militar. Seu parasitismo se baseia em dois pilares: o monopólio da impressão de dinheiro e a ameaça cada vez maior de violência militar brutal. O monopólio do dólar americano (no qual o euro, em rápida queda, é uma mera concessão) foi inicialmente (logo após a Segunda Guerra Mundial) apoiado não apenas pelo poderio militar, mas por uma grande base industrial, enormes reservas de combustíveis fósseis e ouro mais do que suficiente.
A produção de petróleo atingiu o pico por volta de 1970, seguiu-se uma corrida ao dólar e seu lastro em ouro teve que ser removido por essa época. Tudo o que restava era um sistema bancário global apoiado pela ameaça de violência militar indescritível. Isso funcionou bem o bastante: os “Washingtonians” [os seres transumanos antropofóbicos que habitam em Washington DC – nota do tradutor] descobririam como lucrar com recursos e mão de obra estrangeiros e avisaram todos sobre suas demandas. Se essas demandas não fossem atendidas, seguiam-se sanções econômicas e políticas. E se as sanções não funcionassem, então era hora de fazer alguns bombardeios e alguns genocídios. As baixas civis, também conhecidas como danos colaterais, nem eram contadas. O que é meio milhão de iraquianos aqui, meio milhão de líbios ali, algumas centenas de milhares de sírios, um número desconhecido de afegãos?…
Mas a era em que os “Washingtonians” podiam ameaçar o mundo inteiro para obriga-lo a obedecê-los chegou ao fim. Sua frota de porta-aviões inafundável agora é muito afundável usando toda uma série de armas modernas que podem ser lançadas de uma distância maior do que o alcance das aeronaves a bordo de um porta-aviões. Isso torna a frota de porta-aviões dos EUA, outrora orgulho da Marinha dos EUA e que custou mais do que todo o orçamento de defesa da maioria dos países, quase completamente inútil: ainda são usados para postura política e exibição da bandeira, mas são forçados a fugir se houver um ameaça de ação militar nas proximidades. O outro orgulho e alegria das forças armadas dos EUA – seus sistemas de defesa anti-aérea – foram inutilizados pelos mísseis hipersônicos mais novos e avançados, enquanto os novos sistemas de defesa anti-aérea que a Rússia desenvolveu e vendeu ao redor do mundo podem derrubar praticamente qualquer coisa que os EUA tenham.
E depois há os heróicos homens-foguetes norte-coreanos. Em setembro de 2022, a República Popular Democrática da Corea (RPDC) se declarou uma potência nuclear. Sua doutrina nuclear é a seguinte: A RPDC usará armas nucleares em resposta a um ataque nuclear, um ataque com armas análogas de destruição em massa e também quando ameaçada (eita!) com tais ataques. As reações ao redor do mundo variaram de espanto silencioso (uma reação razoável) a virar as costas zombando. Nota para os chefes do Pentágono: não ameacem a Coreia do Norte ou eles vão bombardear Guam, Kadena (Okinawa) e talvez até a Califórnia. E então o que eles vão fazer? A resposta surpreendente é: não muito, realmente!
Os norte-coreanos podem fazer isso? Muito provavelmente sim. Depois de anunciar seu novo status como potência nuclear, a RPDC realizou cinco lançamentos de vários foguetes, incluindo um foguete balístico que sobrevoou o Japão e caiu em algum lugar do Pacífico. De acordo com fontes militares do Japão, que observavam tudo nervosamente, o míssil voou 4.500km e atingiu uma altitude máxima de 970km. A velocidade de reentrada era… espere… Mach 17! Isso é hipersonico — rápido demais para qualquer sistema de defesa aérea e espacial interceptar. A altitude também impressiona. Satélites geralmente orbitam entre 160 e 2.000km. A ISS fica a 420 km. O foguete do camarada Un tocou o céu a [quase – nota do tradutor] 1000km. Nada mal, hein? Mas a mídia de massa ocidental preferiu não discutir esses detalhes. Em vez disso, eles preferem reciclar falsificações velhas e cansadas, como aquela historia sobre Putin distribuindo Viagra para suas tropas, para que estuprassem melhor as virgens ucranianas (Uau! De onde veio isso?) usada anteriormente contra Gaddafi na Líbia.
Em vez de prestar atenção a esse absurdo, vamos abordar esta questão importante: a RPDC poderia realizar um ataque nuclear contra os Estados Unidos e sobreviver? Em resposta, a maioria das pessoas zomba: “Isso seria suicídio! Os norte-coreanos têm algo como uma dúzia de bombas nucleares. Mesmo que seus foguetes funcionem como anunciado, os EUA, com seu enorme arsenal nuclear, os eliminariam da face da Terra”… Não tão rápido! No jogo da geopolítica, a RPDC detém um trunfo: a sua própria geografia. A península coreana é relativamente pequena e está estacionada entre a China e a Rússia, que são duas das potências nucleares mais poderosas. Diminua um pouco o zoom e a RPDC é apenas um marcador na fronteira Rússia-China. Isso torna muito difícil distinguir um ataque nuclear contra a Coreia do Norte de um ataque nuclear contra a China e/ou a Rússia. E isso seria, para dizer o mínimo, uma coisa perigosa para os americanos fazerem.
A Rússia e a China integraram seus sistemas de alerta precoce e, para eles, um lançamento dos EUA contra a Coreia do Norte seria muito parecido com um lançamento contra o norte da China e/ou o Extremo Oriente russo. Para se prevenir, tanto a Rússia quanto a China responderiam executando um ataque de retaliação contra os EUA. É por isso que a Coreia do Norte pode lançar foguetes que sobrevoam o Japão e as bases militares dos EUA. Os sistemas de defesa anti-aérea são ativados e as sirenes soam, mas nada acontece, porque os EUA não têm nada que possa derrubar esses foguetes. Então, o que aconteceria se um dia um desses foguetes pousasse no meio de Guam e detonasse uma carga nuclear?
Os EUA não fariam muita coisa. Quando bombardeados pela Coreia do Norte, os americanos teriam que, para usar essa expressão deliciosa, “sugar”. (Descreve o que um piloto de caça tem que fazer se vomitar em sua máscara de oxigênio se ele não quiser desmaiar por falta de oxigênio ou queimar seus pulmões inalando ácido gástrico). Como líderes japoneses e sul-coreanos formariam um coro ordenado, buscando uma audiência com o grande e vitorioso Camarada (Kim Jung-) Un, os norte-coreanos comemorariam uma grande vitória estratégica. Putin os repreenderia gentilmente; Xi manteria o silêncio beatífico. O resto do mundo assistiria com espanto de queixo caído, depois correria para se juntar ao BRICS ou SCO ou a uma ou outra das novas organizações internacionais que dizem “América não entre” na porta da frente. Oh, espere, eles estão fazendo isso já! Talvez a Coreia do Norte também não precise nem fazer muita coisa; o mundo parece estar recebendo a mensagem como ela é.
Mas os EUA não estão aceitando isso sentados. Em resposta a esta provocação impetuosa da Coreia do Norte, a OTAN acaba de lançar o exercício militar “Steadfast Noon” no norte da Europa (que fica bem ao lado da Coreia do Norte… certo!?). Envolverá militares de brinquedo de 14 possessões coloniais dos EUA e “até 60 aeronaves de vários tipos, incluindo caças de quarta e quinta geração, bem como aeronaves de vigilância e abastecimento. Como nos anos anteriores, participarão bombardeiros de longo alcance B-52 dos EUA; este ano, eles voarão da Base Aérea de Minot, em Dakota do Norte. Os voos de treinamento ocorrerão sobre a Bélgica, que sedia o exercício, bem como sobre o Mar do Norte e o Reino Unido. Nenhuma arma real será usada.” (Isso é do site nato.int.)
Vamos resumir. Em resposta à Coreia do Norte declarando-se uma potência nuclear e anunciando uma doutrina nuclear de primeiro ataque em resposta a qualquer provocação séria, os EUA vão realizar exercícios sobre o Mar do Norte, o mais longe possível da Coreia do Norte, usando aeronaves antigas da Dakota do Norte. O objetivo, suponho, é dar às Forças de Defesa Aeroespaciais Russas algo divertido de assistir. Tenha certeza, nem os antigos aviões de Dakota do Norte, nem nenhum dos foguetes que eles poderiam disparar a uma distância segura, têm qualquer esperança de penetrar no espaço aéreo russo. Nenhuma arma nuclear real estará envolvida: “…[Nós] procuramos criar o ambiente de segurança para um mundo sem armas nucleares”, diz o site da OTAN (nato.int). Agora, treinar um primeiro ataque nuclear à Rússia sem armas nucleares poderia, suponho, ser visto como um passo nessa direção. O problema é que esse não é o mundo real; no mundo real existem cerca de 12 mil armas nucleares. A maioria delas são americanos ou russas, mas alguns são norte-coreanos, e estes são realmente problemáticos. A resposta americana a esta situação é um surto psicótico: “Um mundo cheio de bombas ‘nucleares’ é desagradável; dê-nos um mundo diferente com coelhos, gatinhos e unicórnios ou vamos chorar!”
Se o projeto de os EUA dominarem militarmente todo o planeta parece bastante sem esperança, então o que dizer das várias guerras por procuração que os EUA estão tentando instigar? Os russos frustraram o esforço dos EUA para derrubar o governo sírio. O Departamento de Estado dos EUA e o Pentágono apoiaram competitivamente diferentes facções terroristas; os russos simplesmente mataram todos eles, principalmente do ar. Fomentar o conflito separatista entre a China continental e Taiwan parece não ter ido a lugar nenhum, apesar dos melhores esforços de Nancy Pelosi; o mesmo com o conflito entre a Armênia e o Azerbaijão (Nancy também esteve lá). E depois há a ferida sangrenta da ex-Ucrânia, que agora está perdendo cerca de 500 soldados por dia, uma fração considerável dos quais são mercenários, enquanto as perdas russas no campo de batalha são no máximo 20 por dia. A OTAN continua a acumulá-los e a Rússia continua a derrubá-los. Agora, a Rússia decidiu mudar para um modo diferente, convocando 1% de seus reservistas.
Enquanto isso, os ucranianos recorreram ao terrorismo absoluto, detonando ineficazmente um trailer cheio de explosivos na Ponte Kerch, que liga a Crimeia ao continente, interrompendo o tráfego por um dia inteiro. Em resposta, a Rússia começou a usar seus foguetes com bons resultados e desligou grande parte da rede elétrica da Ucrânia. Como a maioria das locomotivas na Ucrânia são elétricas, isso também significará que não haverá transporte ferroviário e novas entregas de armas, ou munições, para a frente de batalha. Mas não se preocupe! Ben Hodges, ex-comandante geral do Exército dos Estados Unidos na Europa, está prevendo que “a Crimeia estará livre no verão”.
Coelhinhos e gatinhos e unicórnios, eu te digo! Minha previsão é que no próximo verão não haverá mais muito Ucrânia; e muito menos da Europa ou dos EUA também. Uma clara falta de poder militar, zero apoio real para sua moeda, uma economia em declínio devido a preços de energia muito altos, e crescentes, e níveis surpreendentemente enormes de dívida pública e privada significam problemas sem fim. Os EUA não estão mais em uma boa posição para extorquir riqueza do resto do mundo – exceto por efeitos transitórios relacionados à fuga de capital e flutuações cambiais. Sua maior vítima nisso é a Europa, e isso é curioso porque os sistemas financeiros dos EUA e da Europa são como gêmeos siameses; se a Europa adoecer, é improvável que os EUA permaneçam bem. Ou, se você gosta de uma metáfora mais vívida, o supersistema financeiro EUA/UE agora é como um tubarão estripado, mas ainda faminto, se empanturrando de suas próprias entranhas ondulantes.
E além de tudo isso, os EUA e grande parte do resto do mundo agora têm inflação alta – 10% globalmente e subindo. A inflação é estrutural – relacionada ao declínio da disponibilidade global de energia e outras formas de esgotamento de recursos, mas ninguém sabe como combater a inflação estrutural porque, neste momento, todos os envolvidos em finanças são monetaristas declarados e acreditam em Milton Friedman, que disse: “A inflação é sempre e em toda parte um fenômeno monetário.” Portanto, quando se trata de combater a inflação, métodos de comando e controle como planejamento econômico central, alocação de recursos para necessidades públicas, nacionalização de indústrias estratégicas, controle de preços e racionamento estão fora de questão e métodos monetários são tudo o que resta. Para combater a inflação usando métodos monetários, é preciso elevar a taxa de juros acima da taxa de inflação. Se a taxa de juros for menor que a inflação, a taxa de juros efetiva será negativa e os especuladores podem ganhar dinheiro tomando-o emprestado, usando-o para comprar produtos e armazená-los até que seu preço suba o suficiente para obter lucro vendendo-os. A retenção de produtos do mercado eleva seus preços adicionando combustível ao fogo inflacionário. Em algum momento, a inflação cruza a fronteira teórica além da qual se encontra a hiperinflação, a desvalorização da moeda e o colapso financeiro – o oposto do que se pretende. O colapso financeiro também é “sempre e em toda parte um fenômeno monetário”? É uma pena que Milton Friedman não esteja mais disponível para ser consultado.
Mas o que aconteceria se as taxas de juros efetivas se tornassem positivas em vez de negativas? A inflação global está atualmente em 10% e subindo, então vamos supor que, no devido tempo, uma taxa mais próxima de 20% será alcançada. Então, uma taxa de juros de 20% será necessária para esmagá-lo. Paul Volcker, que se tornou presidente do Fed em agosto de 1979 e partiu para esmagar a inflação, elevou a taxa de fundos federais para 22%. Ele pode fazê-lo então; o atual presidente do Fed poderia fazê-lo agora? Vamos fazer um pouco de aritmética, certo? A dívida total dos EUA (pública e privada) está agora próxima de US$ 100 trilhões e subindo. O PIB dos EUA é de apenas US$ 20 trilhões e está caindo. Se a taxa de inflação estiver próxima de 20%, será necessária uma taxa de juros de pelo menos 20% para reduzi-la. Mas 20% de US$ 100 trilhões são US$ 20 trilhões e, nesse ponto, todo o PIB dos EUA é engolido pelo serviço da dívida — impossível! Mesmo depois de zerar a defesa e a previdência social, uma boa parte desses US$ 20 trilhões teria que ser simplesmente impressa… elevando a inflação. Xeque-mate! E assim, em vez de um movimento decisivo para esmagar a inflação, o que devemos razoavelmente esperar é uma confusão louca: hiperinflação, colapso da moeda, disfunção do mercado, colapso da cadeia de suprimentos, disfunção política e talvez uma pequena guerra civil para completar tudo.
Fonte: https://boosty.to/cluborlov/posts/caee778c-7cee-4dbb-a6b1-593ec56f8c4c?share=post_link
Parece que a casa grande, os EUA, vão perder o almoço grátis que vem desfrutando saqueando o mundo.