Quais poderiam ser as razões para o atraso ocidental nas armas hipersônicas?

Jean-François Geneste – 15 agosto 2023

Nota do Saker Latinoamérica: Quantum Bird aqui.  Não tenho nada a acrescentar ao prognóstico de Geneste. O que estamos testemunhando é uma perda colossal das capacidades executivas, cientificas e intelectuais da população do Ocidente Coletivo. Interfaces digitais dinâmicas têm um papel nisso, mas não explicam 100% do fenômeno.  Eu mesmo já tentei conversar com alguns colegas físicos e engenheiros mais jovens, e outros não tão jovens, sobre o que Geneste está apontando, apenas para -- com raríssimas exceções -- ser ignorado ou chamado de arcaico, etc. O que nos traz de volta à proverbial questão sobre como explicar a um estúpido que ele é um estúpido. Enfim, poderia seguir citando uma quantidade copiosa de exemplos gráficos de CAD -- computer assisted degeneration (degeneração assistida por computador), mas o artigo de Geneste acerta o alvo em cheio e não precisa de suplementos. Boa leitura.    

Começemos, se necessário, lendo este artigo [1]. Ele relata os avanços russos na área e discute as potenciais preocupações do mundo ocidental sobre a sua capacidade de acompanhá-los, com os Estados Unidos na liderança. Estamos nos perguntando aqui não sobre um atraso que seria devido ao desenvolvimento posterior, mas sobre o que nos parece ser uma dificuldade conceitual real em fazer tais máquinas funcionarem.

Já que estamos no Ocidente, lembremo-nos destas palavras de Richard Feynman, ganhador do Prêmio Nobel de Física: “o objetivo do físico é fazer as equações falarem”.

Notemos então que, no final da Guerra Fria, encontramo-nos numa situação bastante estranha à primeira vista. O Ocidente levou a eletrônica e a computação muito mais longe do que a União Soviética. Não ocorreu a ninguém que este último tivesse prevalecido sem isso e contentamo-nos em pensar, aqui, que o seu equipamento era obsoleto e ineficaz. O conflito ucraniano demonstrou o contrário!

Porém, quem trabalhou em material adverso à queda do Muro de Berlim sabe muito bem que o “inimigo” da época implementou tesouros de pensamento para fazer com precisão as equações falarem e entender o que realmente estava no jogo sem ter que passar cálculos pelo computador. Foi o caso, por exemplo, dos chamados motores de propulsão espacial “iônicos”.

Enquanto isso, em casa, dependíamos cada vez mais de software. Constituíam uma caixa preta sobre a qual não tínhamos controle e “engoliamos” os resultados, quaisquer que fossem, como se fossem a verdade nua e crua saindo do poço.

Muitas vezes um exemplo é melhor do que um longo discurso. Em 2013, testei uma máquina que projetei em um túnel de vento digital. Foi assinado contrato com a Escola de Minas que incluía um dos seus melhores alunos do Politécnico de Milão. O objetivo do estudo era determinar os coeficientes de arrasto e sustentação da minha aeronave. Eu tinha feito uma estimativa manualmente que levou 10 minutos. Após 6 meses de esforço, a supercalculadora produziu um coeficiente de arrasto igual ao meu com precisão de 10%. Se pararmos a história aqui, você pode pensar que eu estava 10% errado. Não! Na verdade, em essência, meu conceito deveria de fato ter um coeficiente de sustentação diferente de zero. Mas o que saiu do programa “infernal” foi zero. Foi, portanto, um erro claro que mostrou que não podíamos ter qualquer confiança no resultado relativo ao arrasto. Vou lhes poupar da análise que se seguiu, bem como das suas conclusões.

Hoje, as escolas de engenharia, em pleno acordo com as empresas, querem pessoas que sejam eficientes no manejo de diversas ferramentas de TI: Catia, etc. Se de fato estes últimos, na altura em que foram concebidos, trouxeram grandes progressos para aqueles que estavam habituados a pensar, agora apenas “taylorizaram” a verdadeira profissão, degradando-a enormemente, levando à melhoria incremental que amanhã será prerrogativa da inteligência artificialidade (IA). Por outro lado, do meu ponto de vista, substituir os físicos e engenheiros soviéticos daquela época pela IA não seria absolutamente possível.

Portanto, é aqui que estamos e até que os nossos cientistas sejam capazes de fazer com que as equações falem, parece muito improvável que o Ocidente será capaz de fabricar mísseis hipersônicos dignos desse nome. O que quero dizer com isso? Não foguetes que vão até Mach 5, que é o limite entre o supersônico e o hipersônico, mas que chegam a Mach 9 como o Zircon ao nível do mar ou March 27, como o Avangard, em grandes altitudes, mantendo-se manobráveis.

Para chegar a tal patamar é imprescindível retornar aos estudos com foco no papel e lápis. Escreva as equações, tente resolvê-las manualmente e entenda, ao fazer aproximações, ao que correspondem fisicamente e se são legítimas.

Vejamos mais um exemplo. Existem os chamados circuitos de fluido de mudança de fase para resfriar peças de, por exemplo, satélites. Se não realizássemos, com aproximações ad hoc, uma expansão limitada à ordem 4 do sistema Navier-Stokes, não poderíamos conceber tais circuitos. Um computador nunca será capaz de conseguir isso, embora excelentes engenheiros no passado tenham conseguido fazê-lo.

Quando vemos hoje o baixo nível da matemática e da física em toda a estrutura escolar ocidental, dizemos a nós mesmos que a luz virá de outro lugar. E é isso que estamos vendo.

[1] https://www.eurasiantimes.com/hypersonic-china-unleashed-two-new-hypersonic-missiles/


Jean-François Geneste tem quase 40 anos de experiência nas áreas aeronáutica, espacial e de defesa. Foi diretor científico do grupo EADS, hoje Grupo Airbus, por 10 anos. Foi professor do Instituto Skolkovo de Ciência e Tecnologia, em Moscou. Atualmente, ele é o CEO da startup WARPA, que acaba de receber a patente de seu motor de propulsão espacial de impulso específico infinito.

Fonte: https://cf2r.org/rta/quelles-peuvent-etre-les-raisons-du-retard-occidental-en-matiere-darmements-hypersoniques/

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