Novo-Ogaryovo, Região de Moscou – 24 de fevereiro de 2025


Pavel Zarubin: Senhor Presidente, acabamos de assistir à sua reunião sobre metais de terras raras. Perdoe-me, mas acredito que, neste momento, todos os jornalistas do mundo inteiro estão interessados em metais de terras raras, embora em um contexto ligeiramente diferente. Os Estados Unidos, e vou ser brando, estão insistindo fortemente para que Zelensky assine um acordo com os EUA em relação a esses recursos como pagamento pela ajuda que a Ucrânia recebeu do governo anterior, o governo Biden. Em sua opinião, quais são as perspectivas de um acordo desse tipo?
Presidente da Rússia, Vladimir Putin: Isso não tem nada a ver conosco. Não tenho uma opinião, nem quero pensar nisso. É claro que esses recursos devem ser avaliados – se eles existem, qual é a quantidade, quanto valem e assim por diante. Mas, novamente, essa não é nossa preocupação.
Nossa preocupação é o que acabamos de discutir durante a reunião. Os metais raros e de terras raras são recursos essenciais para as indústrias modernas. Até o momento, não fizemos o suficiente nessa área e precisamos fazer mais. O objetivo da reunião de hoje foi direcionar recursos administrativos para o desenvolvimento desse setor na fase inicial.
A propósito, estaríamos abertos à cooperação com nossos parceiros americanos – e quando digo “parceiros” me refiro não apenas a órgãos administrativos e governamentais, mas também a empresas privadas – desde que eles demonstrem interesse em trabalhar juntos.
É importante enfatizar que a Rússia possui recursos desse tipo significativamente – quero enfatizar isso – significativamente maiores do que a Ucrânia. A Rússia é um dos líderes incontestáveis quando se trata de reservas de metais raros e de terras raras. Temos depósitos no norte, em Murmansk, e no Cáucaso, em Kabardino-Balkaria, bem como no Extremo Oriente, na região de Irkutsk, em Yakutia e Tuva. O desenvolvimento desses recursos exige um investimento de capital substancial. Ficaríamos felizes em cooperar com qualquer parceiro estrangeiro, inclusive empresas americanas.
O mesmo vale para os novos territórios: estamos abertos a parcerias estrangeiras. Nossos territórios históricos que voltaram a fazer parte da Federação Russa também possuem certas reservas. Estamos prontos para trabalhar lá com parceiros internacionais, inclusive americanos.
Pavel Zarubin: Nas novas regiões também?
Vladimir Putin: Sim, é claro.
Pavel Zarubin: Estamos vendo uma avalanche de declarações e debates nos últimos dias, com todos falando sobre Trump e por que ele é tão inflexível ao dizer que Zelensky deve realizar eleições e que seu índice de aprovação é de apenas 4%. Tem havido muitas críticas entre os europeus com relação às declarações de Trump. Alguns até acreditam que a postura atual do presidente dos EUA está, na verdade, jogando a favor da Rússia. Você acredita que esse seja realmente o caso?
Vladimir Putin: Acho que esse não é absolutamente o caso. Tenho meu próprio ponto de vista sobre isso e ele vai contra o que você acabou de dizer.
Na verdade, a pessoa que atualmente está no comando do regime de Kiev está se tornando uma figura tóxica para as forças armadas ucranianas. Ele emite ordens desajeitadas e mal pensadas, guiadas por uma agenda política em vez de imperativos militares, e não se sabe ao certo de onde elas vêm. Isso resulta em enormes perdas para o exército ucraniano que não podem ser justificadas, ou melhor, em perdas importantes ou catastróficas. Ele também está se tornando cada vez mais tóxico para a sociedade em geral. A votação de hoje na Rada sobre a extensão de seus poderes comprova esse ponto, até onde posso julgar.
Finalmente, ele se encurralou ao assinar uma ordem que proíbe as negociações do tratado de paz com a Federação Russa. Foi ele quem interrompeu essas negociações. Qual é o motivo disso tudo? O que isso significa é que ele foge das negociações. Por quê? Porque assim que as conversações começarem, mais cedo ou mais tarde, e provavelmente bem rápido, elas trarão o fim da lei marcial. Quando isso acontecer, ele terá de realizar uma eleição. Nesse caso, não haverá mais motivos para não realizar uma eleição, já que a lei marcial atualmente serve como pretexto para não realizar uma. Mas se você iniciar as conversações e elas rapidamente levarem ao fim da lei marcial, isso significa que você precisará realizar uma eleição imediatamente. O atual chefe do regime tem um problema com isso.
Por quê? Seu índice de aprovação, seja ele de 4% ou qualquer outro número, não importa muito. O que importa é que seu índice de aprovação – e, de acordo com as informações de que dispomos, trata-se de dados objetivos – é exatamente a metade do índice de seu rival político potencial mais próximo. Estou me referindo ao Sr. Zaluzhny, o ex-comandante das Forças Armadas ucranianas que foi enviado, ou melhor, exilado, para Londres. Seu índice de aprovação é duas vezes maior do que o do atual líder do regime.
Quando consideramos a possibilidade de que outros líderes políticos, incluindo ex-primeiros-ministros e presidentes, possam apoiar a possível candidatura de Zaluzhny, fica claro que o atual líder do regime não terá absolutamente nenhuma chance de vencer uma eleição. Suas chances são nulas – a menos, é claro, que ele manipule descaradamente a eleição de uma forma ou de outra, o que também seria prejudicial para ele, já que todos seriam capazes de perceber essas tentativas.
É por isso que ele se tornou um fator de desestabilização para o exército, a sociedade e o Estado. Tenho certeza de que o atual presidente dos EUA, Sr. Trump, entende isso, o que explica por que ele tem pressionado o chefe do regime de Kiev a realizar eleições. A meu ver, o objetivo de Trump é restaurar a estabilidade política na Ucrânia, consolidar a sociedade e permitir que o Estado ucraniano sobreviva. Em geral, isso beneficia mais a Ucrânia do que a Rússia, já que nosso conflito é com o regime atual, não com o país em si.
Tirando todas as outras coisas, o atual presidente [dos EUA] declarou abertamente que quer alcançar a paz. A propósito, isso é algo que nós também queremos, e quanto mais rápido isso acontecer, melhor. Mas o atual líder do regime [ucraniano] está impedindo que esse objetivo seja alcançado. Esse, em minha opinião, é o raciocínio por trás da posição de Trump. Não se trata de promover os interesses da Rússia. Mas provavelmente atende aos interesses da Ucrânia e do Estado ucraniano e pode ajudar a preservá-los. Não temos nenhuma objeção a isso, mesmo que não queiramos que esse território seja usado como uma plataforma de lançamento de agressão contra a Federação Russa ou como um posto avançado hostil que nos tenha como alvo. No final das contas, queremos que ele evolua para um estado vizinho amigável.
Pavel Zarubin: Todos os dias ouvimos muitas declarações diferentes de Trump. Você se reuniu com ele mais de uma vez e teve uma conversa telefônica com ele recentemente. Você acha que ele é movido por suas emoções?
Vladimir Putin: Claro que não. Naturalmente, o atual líder do regime de Kiev lhe dá muitos motivos para expressar emoções. Mas com base no que acabei de dizer, surge um quadro diferente: suas ações não são movidas por emoções, mas sim por cálculos frios e uma avaliação racional da situação.
Pode parecer estranho, mas, francamente, nessa situação, estaríamos interessados em que ele [Zelensky – adicionado pelo tradutor] permanecesse no poder e continuasse a enfraquecer o regime com o qual estamos envolvidos em um conflito armado. No entanto, se o objetivo é fortalecer o Estado ucraniano, é necessário adotar uma abordagem diferente: levar ao poder aqueles que têm a confiança do povo ucraniano.
Pavel Zarubin: Em sua opinião, os líderes europeus entendem a dinâmica atual em torno da Ucrânia?
Vladimir Putin: Você teria que perguntar a eles. Mas, a julgar por suas ações, não acredito que eles compreendam totalmente a situação. Mais importante ainda, ao contrário do presidente dos EUA, os líderes políticos europeus estão profundamente envolvidos com o regime de Kiev. Eles fizeram muitas declarações e promessas e agora, falando francamente, é muito difícil ou quase impossível que eles voltem atrás sem perder a reputação. Considerando que eles também estão enfrentando desafios políticos internos, incluindo eleições, reeleições, lutas parlamentares e assim por diante, mudar de posição é praticamente impensável nessas circunstâncias.
Por outro lado, o recém-eleito presidente dos Estados Unidos tem muito mais liberdade de ação. Ele não está preso a compromissos passados que o impediriam de seguir em frente e trabalhar para resolver esse conflito. Sua abordagem direta e irrestrita reflete seu caráter. Ele está em uma posição única: não apenas diz o que pensa, mas também diz o que quer. E isso, afinal de contas, é um privilégio de um líder de uma grande potência global.
Pavel Zarubin: Há alguns dias, em São Petersburgo, eu lhe fiz uma pergunta sobre o desejo de todos, atualmente, de ter algum tipo de voz nas negociações entre a Rússia e os EUA, com os europeus insistindo e exigindo poder participar das negociações sobre a Ucrânia.
O que você acha disso?
Vladimir Putin: Não acho que haja nada de errado nisso. Mas ninguém pode fazer exigências nessa situação, muito menos à Rússia. Que eles apresentem suas exigências e solicitações a outra pessoa. Na verdade, eles têm feito exigências aos seus vassalos há milhares de anos, mas agora são eles que estão enfrentando exigências. Portanto, que eles fiquem em casa e mantenham suas exigências para si mesmos, para que possam refletir e entender como chegaram onde estão hoje.
No entanto, é importante que eles participem do processo de negociação, é claro. Quanto a nós, nunca recusamos as solicitações de ninguém. Na verdade, mantivemos a conversa com eles o tempo todo. Mas chegou um momento em que eles tiveram essa ideia absurda e ilusória de derrotar a Rússia no campo de batalha. Então, foram eles que rejeitaram todos os contatos conosco. Se eles desejassem voltar, nós os receberíamos de bom grado.
Observei a reação à minha conversa telefônica com o presidente dos EUA e vi a reação à reunião de alto nível em Riad. Foi emocional e desprovida de qualquer senso comum. Por quê? Porque, para resolver questões desafiadoras e urgentes, inclusive no que se refere à Ucrânia, a Rússia e os Estados Unidos devem dar o primeiro passo.
Do que se tratará? Esse primeiro passo deve consistir em aumentar o nível de confiança entre nossas duas nações. Foi nisso que nos concentramos em Riad, e esse será o foco dos possíveis contatos de alto nível que estão por vir. Caso contrário, seria impossível abordar qualquer questão, inclusive a crise da Ucrânia com todos os seus desafios e urgência.
Mas o que os europeus têm a ver com isso? Essa é uma questão de relações bilaterais entre a Rússia e os EUA. Qual é o papel que os europeus veem para si mesmos aqui? Com o que eles podem contribuir? Sim, a crise da Ucrânia foi mencionada tanto na conversa telefônica quanto na reunião de Riad, mas sem discutir sua essência. Tudo o que fizemos foi concordar em avançar nessa direção. Nesse sentido, é claro, não negamos aos países europeus o direito de fazer parte desse processo.
Gostaria de enfatizar que também respeitamos a posição de nossos amigos do BRICS, que criaram o grupo Amigos da Paz. Conversei com o Presidente da República Popular da China hoje e também discutimos esse assunto. Ele me informou que o grupo Amigos da Paz realizará outra reunião em Nova York em breve para discutir essa agenda.
Não apenas saudamos esses esforços, mas também somos gratos a todos os nossos parceiros que têm levantado essas questões e querem chegar a um acordo de paz. Por que estou dizendo isso? Não se trata apenas dos europeus – outros países também têm o direito e podem participar desse processo, e nós respeitamos isso.
Pavel Zarubin: Gostaria de pedir que comentasse mais algumas declarações feitas pelo presidente Trump, que, como mencionei anteriormente, são muitas.
Vladimir Putin: Não todos elas, certo?
Pavel Zarubin: Não todas. Por exemplo, ele disse que queria propor a você e ao chefe da China que cortassem os orçamentos de defesa pela metade. O que você acha dessa ideia?
Vladimir Putin: Estou ciente, ou acho que sei de onde vem. É provável que se baseie nos cálculos de um think tank britânico, que calculou nossos respectivos gastos em termos de paridade de poder de compra. No ano passado, os Estados Unidos gastaram, creio eu, US$ 968 bilhões e, se juntarmos os gastos da Rússia e da China, chegaremos mais ou menos ao mesmo valor. Os gastos da Rússia e da China juntos somam o que os Estados Unidos estão gastando.
Primeiro, precisamos analisar os números. Os cálculos britânicos podem estar corretos, podem não estar muito corretos ou podem não estar corretos de forma alguma. Eles precisam ser examinados com atenção. Esse é meu primeiro ponto.
Em segundo lugar, não estou em posição de comentar como a República Popular da China se sentiria em relação a isso. Os EUA tentaram diferentes abordagens com relação a armas estratégicas ofensivas e outras questões críticas. Portanto, essa é uma questão a ser decidida pela República Popular da China. No entanto, podemos chegar a um acordo com os Estados Unidos, não somos contra isso. Acho que essa é uma boa ideia: os Estados Unidos reduziriam seus gastos em 50% e nós reduziríamos os nossos em 50%. A República Popular da China poderia participar, se quisesse. Achamos que essa é uma boa proposta e estamos abertos a discuti-la.
Pavel Zarubin: O presidente Trump também impôs tarifas de 25% sobre as importações de alumínio e aço de todos os países, sem exceção. Nosso negócio de alumínio com os Estados Unidos costumava ser bastante extenso. O que você acha dessa política comercial?
Vladimir Putin: Não vou comentar sobre a política comercial dos EUA, já que ela tem sido conduzida por sanções há muitos anos. Acreditamos que as sanções são ilegais e prejudicam o comércio e a economia globais. Acredito que as sanções são ruins para nós e para aqueles que as impõem.
Com relação à política comercial, taxas mais altas, tarifas e assim por diante, cada país decide por si mesmo o que é bom para ele e o que não é. Posso entender a lógica por trás disso. Eles querem trazer os fabricantes para o país, criar novos empregos e fazer com que eles paguem impostos em todos os níveis do sistema tributário, e assim por diante. Sem dúvida, em algum momento, essas ações encontrarão certas dificuldades causadas pela pressão inflacionária, pelo aumento dos custos dos produtos e assim por diante. Os especialistas estão bem cientes disso e podem fornecer todos os detalhes de como isso funciona.
Com relação ao alumínio, em 2017, creio eu, cerca de 15% das importações [de alumínio] dos EUA vieram da Rússia. Se não me falha a memória, os Estados Unidos produzem cerca de 60% do alumínio de que necessitam e importam os 40% restantes, dos quais 15% costumavam vir da Federação Russa. Atualmente, o principal importador é o Canadá[possivelmente um erro de tradução do russo ao inglês. O Canadá é o principal fornecedor de alumínio aos EUA. – nota do tradutor].
Se for tomada a decisão de abrir o mercado dos EUA para nossos produtores, poderemos vender cerca de dois milhões de toneladas no mercado dos EUA, o que não afetaria drasticamente os preços, mas, acredito, ainda teria uma influência restritiva sobre os preços.
Além disso, e o que é mais importante, na minha opinião, poderíamos pensar em trabalhar em conjunto com empresas americanas nessa área. Por exemplo, na época da União Soviética, havia planos de construir uma nova usina hidrelétrica e de criar instalações adicionais de produção de alumínio no Território de Krasnoyarsk. Afinal de contas, o alumínio é, antes de tudo, energia, de preferência energia barata. A energia hidrelétrica é barata e ecologicamente correta.
Para reiterar, esses planos estão em vigor desde os tempos soviéticos. No entanto, esses são projetos de capital e investimento intensivos. Em dinheiro de hoje, de acordo com estimativas preliminares, eles custarão cerca de 15 bilhões. Podemos pensar nisso.
De fato, a política do presidente dos EUA é implantar instalações de produção nos Estados Unidos. No entanto, se as empresas americanas vierem trabalhar na Rússia, elas também serão muito beneficiadas, pois terão um lucro decente e as quantidades correspondentes de alumínio serão fornecidas ao seu mercado interno a preços de mercado absolutamente aceitáveis. Há coisas a serem ponderadas nessa área, bem como em nosso possível trabalho conjunto em metais raros e de terras raras e em outras áreas, incluindo, por exemplo, energia.
Pavel Zarubin: Acabei de ler as últimas notícias vindas dos Estados Unidos: O presidente Trump disse que os Estados Unidos e a Rússia estavam discutindo grandes projetos econômicos como parte das negociações sobre a Ucrânia.
Vladimir Putin: Sim, algumas de nossas respectivas empresas estão em contato e discutindo esses projetos.
Pavel Zarubin: Muito obrigado.
Vladimir Putin: Obrigado.
Fonte: http://en.kremlin.ru/events/president/news/76331
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