M. K. Bhadrakumar – 29 de dezembro de 2023
Um soldado russo vitorioso patrulhando o assentamento de Maryinka em Donetsk, na Ucrânia, que foi libertado em 25 de dezembro de 2023
A operação militar especial da Rússia na Ucrânia está entrando em uma nova fase. O presidente Vladimir Putin dissipou a névoa da guerra e deu uma dica do que pode ser esperado para o futuro em um discurso marcante no Centro de Controle de Defesa Nacional, enquanto se dirigia a uma reunião do Conselho do Ministério da Defesa da Rússia em 19 de dezembro.
A Rússia ganhou a vantagem na guerra por procuração, enquanto os Estados Unidos estão lutando para recriar uma nova narrativa. Para Putin, este é um momento de triunfo em que ele não tem motivos para tirar proveito da névoa da guerra na Ucrânia, enquanto que, para o presidente Biden, a névoa da guerra continua a servir a um propósito útil de dissimulação na eleição crucial que se aproxima, na qual ele busca um segundo mandato.
O discurso de Putin exalou um clima de entusiasmo. A economia russa não só recuperou o ímpeto anterior a 2022, como também está acelerando em direção a uma taxa de crescimento de 3,5% até o final do ano, marcada pelo aumento da renda e do poder de compra de milhões de cidadãos e pelo aumento do padrão de vida. O desemprego está em seu nível mais baixo de todos os tempos, e a Rússia tem se defendido das sanções ocidentais e das tentativas de isolá-la no cenário internacional.
O fio condutor do discurso de Putin é que essa é uma guerra que a Rússia nunca buscou, mas que lhe foi imposta pelos EUA. Putin listou, em fevereiro do ano passado, cinco objetivos claros da operação militar russa: segurança da população russa; desnazificação da Ucrânia; desmilitarização da Ucrânia; luta por um regime amigável em Kiev; e não admissão da Ucrânia na OTAN. É claro que esses objetivos estão interligados. Os EUA e seus aliados sabem disso, mas continuam a fingir o contrário, pois seu foco na guerra por procuração tem sido a vitória militar e a mudança de regime na Rússia.
A mensagem de Putin é que qualquer nova narrativa ocidental sobre a guerra está fadada a ter o mesmo destino da anterior, a menos que haja realismo de que a Rússia não pode ser derrotada militarmente e que seus interesses legítimos sejam reconhecidos.
O cerne da questão é que o Ocidente sempre percebeu a Ucrânia como um projeto geopolítico voltado para a Rússia. Hoje, mesmo com a derrota diante de seus olhos, a prioridade do Ocidente é forçar a Rússia a concordar com um cessar-fogo com base na linha de contato existente, sem quaisquer obrigações geopolíticas ou estratégicas por parte de Washington ou da aliança transatlântica – o que, de fato, significaria deixar a porta aberta para o rearmamento das forças armadas ucranianas e para a adesão de Kiev à OTAN pela porta dos fundos.
Basta dizer que a agenda desacreditada de usar a Ucrânia como um peão para seguir a política antirrussa do Ocidente ainda está muito presente. Mas Moscou não cairá na armadilha dos EUA uma segunda vez, arriscando outra guerra que pode eclodir em um momento adequado para a OTAN.
Não é de surpreender que o discurso de Putin tenha dado grande atenção à revitalização do setor de defesa da Rússia para atender a qualquer exigência militar que possa surgir. Mas, no final de seu discurso, Putin também falou sobre as opções político-militares da Rússia nessas circunstâncias.
Do lado militar, é evidente que a Rússia levará adiante a guerra de desgaste até o seu fim lógico de empurrar as forças armadas ucranianas para um beco sem saída estratégico, o que significaria buscar melhorias táticas ao longo da linha de frente, minar o potencial econômico da Ucrânia, infligir perdas militares e impulsionar a indústria de defesa da própria Rússia em uma escala que incline o equilíbrio de forças para pesar contra quaisquer aventuras militares da OTAN.
Em última análise, Putin afirmou que a Rússia está determinada a recuperar os “vastos territórios históricos, territórios russos, juntamente com a população” que os bolcheviques transferiram para a Ucrânia durante a era soviética. No entanto, ele fez uma distinção importante em relação às “terras ocidentais” da Ucrânia (a oeste do Dnieper) que são um legado da Segunda Guerra Mundial sobre as quais poderia haver reivindicações territoriais da Polônia, Hungria e Romênia, o que, pelo menos no caso da Polônia, também está ligado à transferência de “terras alemãs orientais, o Corredor de Danzig e a própria Danzig” após a derrota do Terceiro Reich.
Putin observou que “as pessoas que vivem lá (Ucrânia ocidental) – muitas delas, pelo menos, eu tenho certeza disso, 100% – querem retornar à sua terra natal histórica. Os países que perderam esses territórios, principalmente a Polônia, sonham em tê-los de volta”.
Dito isso, é interessante notar que Putin simplesmente lavou as mãos em relação a quaisquer disputas territoriais que possam surgir entre a Ucrânia e seus vizinhos do leste (todos eles países da OTAN). Recentemente, o chefe de inteligência da Rússia, Sergey Naryshkin, usou uma metáfora poderosa, alertando que os EUA podem enfrentar um “segundo Vietnã” na Ucrânia, que irá a assombrá-los por muito tempo.
O resultado final, como Putin o definiu, é o seguinte:
“A história colocará tudo em seu devido lugar. Nós (Moscou) não interferiremos, mas não abriremos mão do que é nosso. Todos devem estar cientes disso: os ucranianos que têm uma atitude agressiva em relação à Rússia, à Europa e aos Estados Unidos. Se eles quiserem negociar, que o façam. Mas faremos isso apenas com base em nossos interesses.”
Putin concluiu dizendo que, se o árbitro final é a proeza militar, isso explica por que a Rússia está se focando em “Forças Armadas fortes, confiáveis, bem equipadas e devidamente motivadas”, apoiadas por uma economia forte e “o apoio do povo multiétnico da Rússia”.
Há uma grande probabilidade de que as operações militares russas avancem mais para o oeste, em direção ao Dnieper, nos próximos meses, bem além dos quatro novos territórios que se juntaram à Federação Russa no ano passado – Luhansk, Donetsk, Zaporozhia e Kherson. Na ausência de qualquer acordo negociado, a Rússia pode optar por “libertar” unilateralmente as regiões do sul da Ucrânia que historicamente faziam parte da Rússia, o que presumivelmente incluiria Odessa e toda a costa do Mar Negro, ou Kharkov ao norte da região de Donbass.
A Rússia espera que a capacidade de combate das forças ucranianas diminua drasticamente em um futuro próximo, pois o exército já enfrenta dificuldades para conseguir novos recrutas. Isso significa que, ao longo do próximo ano, o equilíbrio de forças no front mudará devido às pesadas perdas dos militares ucranianos e à queda na ajuda ocidental, e, em algum momento, as defesas da Ucrânia começarão a desmoronar.
Os recentes ganhos da Rússia em operações militares – por exemplo, Soledar, Artyomovsk (Bakhmut), Avdeevka, Maryinka, etc. – já atestam uma mudança no equilíbrio de forças entre os dois exércitos. Essa mudança acelerará à medida que o complexo militar-industrial russo estiver funcionando de forma otimizada e a Rússia estiver implantando maciçamente novos tipos de armas, como bombas de aviação planadoras, que alteraram o papel da Força Aérea Russa no conflito.
Dezenas de bombas aéreas pesadas são lançadas todos os dias e, da mesma forma, há um aumento no uso de munição de barragem moderna e alguns outros sistemas, incluindo munições guiadas com precisão. Os tanques T-90M e novos tipos de veículos blindados leves também apareceram no campo de batalha.
Em comparação, a Ucrânia enfrenta uma redução no fornecimento de armas devido às capacidades limitadas de produção no Ocidente, onde o crescimento sustentável da produção em escala industrial não é possível no curto prazo. Enquanto isso, a crise do Oriente Médio e as tensões em torno de Taiwan tornam-se grandes distrações para os EUA.
Levando em conta todos esses fatores, uma mudança decisiva no equilíbrio de forças contra a Ucrânia é totalmente concebível até o final do próximo ano, levando ao fim do conflito nos termos da Rússia.
Fonte: https://www.indianpunchline.com/putin-lifts-the-fog-of-war-in-ukraine/
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