Alastair Crooke – 03 de julho de 2023
A tendência neocon representa apenas uma faceta para os EUA que, no entanto, capturou e manteve o topo do comando na formulação de políticas dos EUA por décadas.
Às vezes, a política, como os seres humanos, conta com um ‘destino’ – de alguma forma gravado em sua natureza; muitas vezes um que é imprevisível e diferente do que é desejado ou esperado.
Parece que Yevgeni Prigozhin era essa figura. Ele agora é descrito como um ‘idiota útil’ ocidental, mas então todos aqueles que concordam em desempenhar destinos particularmente incendiários não são ‘idiotas úteis’ – se não de algum poder estrangeiro – então de seu próprio destino?
Trilhar esse caminho é altamente estressante, e não é incomum que ‘duplos’ se rebelem (e inesperadamente se tornem vingativos), se sentirem que foram abandonados no ponto crítico de seu caminho.
Claramente há aspectos na história de Prigozhin que os atores principais não desejam revelar sob o brilho dos holofotes do público. Eles permanecerão ocultos, pois sua exposição afetará os interesses e os jogadores menos visíveis. Alguns aspectos cruéis da política serão protegidos.
A CNN citou fontes americanas que informaram à plataforma que as agências de inteligência de seu país tinham conhecimento “extremamente detalhado” dos planos de Prigozhin, “incluindo onde e como a Wagner planejava avançar”. Após o início da marcha, os EUA ordenaram a seus aliados que “permanecessem em silêncio e não dessem a Putin qualquer abertura” para culpá-los por sua rebelião armada. As fontes também alegaram à CNN que “os ucranianos estavam sendo alertados por aliados para não provocarem a situação”, porque “você simplesmente não quer alimentar a narrativa de que isso foi [uma] iniciativa nossa”.
É melhor não aceitar nenhuma declaração pelo valor de face, contudo, em assuntos tão complicados. No entanto, se os serviços de inteligência ocidentais estivessem mais profundamente envolvidos – algo que o chefe da Guarda Nacional Russa, general Viktor Zolotov, falando após o presidente Putin na sexta-feira, observou com “certeza” – ou seja, que o motim de Prigozhin “foi inspirado por serviços especiais ocidentais – mas que, então, foi encoberto pelas próprias ambições infladas de Prigozhin”.
Zolotov disse que antes do início da rebelião “o acampamento de Prigozhin” havia vazado deliberadamente informações “concentradas” sobre um possível motim que ocorreria entre quinta-feira passada e domingo.
A descrição de Zolotov levanta a questão em que ponto as ‘ambições infladas’ de Prigozhin se sobrepõem e se confundem com a ‘inspiração’ ocidental? Foi nesse momento que o Ministério da Defesa da Rússia decidiu tirar dele o grupo Wagner? O governo estava exigindo que todas as forças da Wagner assinassem contratos com o Ministério da Defesa da Rússia até 1º de julho de 2023.
Em outras palavras, em vez de permanecer uma companhia militar privada liderada por Prigozhin, a Wagner seria incorporada à atual estrutura de comando militar russo. Também foi relatado que o Ministério da Defesa da Rússia cancelou contratos nos empreendimentos comerciais de Prigozhin que ajudaram a abastecer as forças armadas russas – foram negócios lucrativos para ele.
É possível que Prigozhin não tenha aceitado essa realidade e tenha lançado o plano de insurreição em um acesso de raiva. Nós não sabemos. Zolotov disse apenas que, se os agentes ocidentais podem ou não estar diretamente envolvidos na condução da operação, isso será investigado. Sem dúvida, o ‘tio’ Lukashenko arrancará a verdade de Prigozhin.
No entanto, fosse inspiração ocidental ou ambição inflada, o destino de Prigozhin estava lançado: imprevisível e certamente diferente daquele que ele próprio desejava ou esperava (como ele se encontra hoje, exilado na Bielorrússia).
Mas quem é o ‘idiota útil’ – Prigozhin ou os serviços de inteligência ocidentais, que agora têm um grande desastre em suas mãos (por mais que finjam o contrário)? Primeiro, sua guerra financeira contra a Rússia fracassou; sua tentativa de isolamento diplomático não teve sucesso fora do rígido bloco ocidental; a ‘ofensiva’ ucraniana não conseguiu quase nada; e agora sua “excitação libidinal em uma guerra civil russa que certamente contaria com ‘russos… matando russos’ estourou em poucas horas.
A Rússia e Putin emergem muito mais fortes. Putin elogiou a “contenção, coesão e patriotismo” que o povo russo demonstrou; sua “solidariedade cívica e “alta consolidação”; e sua “linha firme… (em) assumir uma posição explícita de apoio à ordem constitucional”.
Embora Putin condenasse veementemente os “conspiradores do motim” como pessoas cheias de malignidade e más intenções, ele não identificou esses conspiradores com “a maioria dos soldados e comandantes do Grupo Wagner” (que Putin insistiu), “também são patriotas russos, leais a seus povo e seu Estado” – e a quem, Putin expressou sua “gratidão” e a quem ele absolveu de “traição”. (Seria difícil, em qualquer caso, classificar a Wagner PMC [Private Military Company/Companhia Militar Privada – nota da tradutora] como um grupo mercenário desonesto fora da lei. Foi fundada e comandada por ex-oficiais do GRU. Foi financiada pelo Estado; e provida pelo MoD). Não surpreendentemente, Putin foi generoso com os patriotas e os lendários vencedores da ‘batalha de Bakhmut’.
Não foi tão generoso, entretanto, Putin quando tocou nos “inimigos da Rússia – os neonazistas em Kiev, seus patronos ocidentais e outros traidores nacionais” que teriam se beneficiado se o golpe tivesse sido bem-sucedido: “Eles calcularam mal” – (o que implica que eles tinha ‘calculado’ de antemão).
O que resta agora para o presidente Biden? Fazendo mais do mesmo? Pois, como Prigozhin, Biden está jogando seu próprio destino incendiário – ‘inspirado’ por seus conselheiros neocons, e combinado com a ambição também – para ser reconhecido como um ‘presidente de guerra’ americano de sucesso. Prigozhin e Biden podem ter mais em comum do que ousam imaginar.
E na confusão que se seguiu no último fim de semana nos EUA, Tucker Carlson ousou imaginar uma pergunta simples: “Por que exatamente estamos em guerra com a Rússia?”
É uma questão – cada vez mais uma questão existencial – que deve ser colocada também aos dirigentes da UE – que, a partir do golpe de Maidan, adotaram políticas que vão contra os seus próprios interesses econômicos e de segurança.
Da mudança de regime do Maidan em diante, a UE evitou construir qualquer relação substantiva com a Rússia. Em vez disso, optou por minar Minsk e construir e equipar ativamente um grande exército ucraniano para reprimir a dissidência da agenda dos ‘golpistas’ de Maidan.
“Em vez disso, desde o início do conflito”, escreve Thomas Fazi, “as nações europeias têm adiado inquestionavelmente a estratégia dos EUA, impondo pesadas sanções à Rússia; juntando-se à guerra por procuração da América, fornecendo níveis cada vez maiores de ajuda militar à Ucrânia e apoiando a narrativa de um conflito que só pode ser resolvido com a vitória militar total da Ucrânia. Esta estratégia, ao contrário dos outros grandes atores envolvidos, comprometeu os interesses estratégicos da Europa, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista da segurança”.
Em termos econômicos, a UE seguiu o exemplo dos EUA ao sancionar a Rússia de uma forma que, claramente dito, hipoteca o futuro econômico da Europa nos próximos anos.
A subserviência total à OTAN mais ampla também trouxe (de uma perspectiva dos EUA) a demanda de que a Europa apoie a política industrial estratégica dos EUA – e ajude a garantir o domínio tecnológico americano em relação à China. A UE só pode fazê-lo concordando com a política industrial dos EUA e circunscrevendo suas relações econômicas com a China de acordo com os conceitos americanos de tecnologias estratégicas. É isso que a Europa está fazendo.
Um relatório recente sobre o Enfraquecimento da UE e a “Arte da Vassalização” (Conselho Europeu de Relações Exteriores) adverte:
“Na medida mais grosseira do PIB, os EUA superaram dramaticamente a UE e o Reino Unido juntos nos últimos 15 anos. […] A economia americana é agora quase um terço maior. É mais de 50% maior que a UE sem o Reino Unido. […]
O domínio tecnológico americano sobre a Europa também cresceu. As grandes empresas de tecnologia dos EUA […] estão agora perto de dominar o cenário tecnológico na Europa, como fazem nos EUA. Os europeus estão tentando usar a política de concorrência para se opor a esse domínio […]. Mas, ao contrário dos chineses, eles não conseguiram desenvolver alternativas locais – então, esses esforços parecem fadados ao fracasso. […] Desde 2008, os europeus também sofreram uma perda dramática de poder militar quando comparados aos EUA
Conceptualmente, os aliados europeus têm um papel na luta geoeconômica com a China, mas não é, como durante a guerra fria, enriquecer e contribuir para a defesa militar da frente central. Pelo contrário, seu papel fundamental – do ponto de vista dos EUA – é que a UE apoie a política industrial estratégica dos EUA e ajude a garantir o domínio tecnológico americano em relação à China. […] Eles podem fazer isso concordando com a política industrial dos EUA e circunscrevendo suas relações econômicas com a China de acordo com os conceitos americanos de tecnologias estratégicas”.
A Europa, em suma, tornou-se um vassalo – um vassalo voluntário e submisso. Quando a UE seguiu os EUA e adotou sanções contra a Rússia, os líderes da UE previram o rápido colapso financeiro da Rússia. Eles estavam errados. Quando a UE negou abnegadamente a compra de energia russa, eles calcularam que a Rússia não poderia administrar economicamente – sem o mercado da UE – e iria capitular rapidamente. Eles estavam errados. Quando a OTAN liderou a guerra contra a Rússia (através da Ucrânia), a UE esperava uma rápida derrota das forças russas e do Donbass. Eles estavam errados. Quando Prigozhin lançou sua ‘insurreição’, os líderes da UE esperavam ansiosamente por uma guerra civil imediata. Eles estavam errados novamente.
Agora a UE se encontra presa a sanções eternas contra a Rússia (com a China a seguir); um subsídio permanente para ‘Kiev’; um ciclo eterno de militarismo da OTAN; e uma economia deslizando para a desindustrialização, altos custos de energia e encolhimento relativo. A UE não alcançou o seu antigo estatuto de “jogador global”. Em todas as medidas, a Europa tem uma economia diminuída e uma agência diminuída em todo o mundo.
Quando os líderes da UE lançarão alguma responsabilidade por suas decisões erradas? Quando eles responderão à pergunta de Carlson: por que exatamente é um interesse europeu estar em guerra com a Rússia?
Por que era do interesse europeu condicionar qualquer resolução do conflito com a Rússia à vitória completa da Ucrânia? Essa decisão foi bem pensada?
Nos últimos trinta anos, os neoconservadores dominaram a política externa dos Estados Unidos: The Guardian, como exemplo, observou que, como subsidiária da Axel Springer, que tem laços de longa data com a camarilha neoconservadora, espera-se que cada funcionário do Politico seja “pró-EUA, pró-NATO, pró-Israel, pró-austeridade, pró-capital, anti-Rússia, anti-China”. A Springer disse que não exigiria que os funcionários do Politico assinassem documentos em apoio a uma aliança transatlântica, embora essa política seja aplicada no jornal alemão Bild, outra subsidiária da Springer.
A Europa não é a ‘América’. A tendência neocon representa apenas uma faceta para os EUA que, no entanto, capturou e manteve o topo do comando da formulação de políticas dos EUA por décadas. Ele falhou em tudo o que tentou e tornou-se cada vez mais distante (mesmo) dos interesses mais básicos da maioria dos americanos. No entanto, a liderança da UE tornou a Europa subserviente a essa corrente em particular – abraçando-a e seu autoritarismo inerente com entusiasmo.
Este “destino” uniforme beneficiou os cidadãos da Europa? Não tem beneficiado. Seus resultados não se mostraram imprevisíveis e diferentes do inicialmente desejado ou esperado? Lembre-se: ‘O destino pode ser injusto’!
Fonte: https://strategic-culture.org/news/2023/07/03/prigozhin-and-the-diminishment-of-europe
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