Brian Berletic – 20 de junho de 2023
À medida que as tensões EUA-China multiplicam-se e fica cada vez mais claro que os EUA são incapazes de competir frente a frente com a China em termos de desenvolvimento, comércio e investimento, sobretudo em regiões ao longo da periferia da China, os EUA têm recorrido cada vez mais a medidas assimétricas, incluindo coerção política, subversão e até violência.
A agressão militar e a subversão política dos EUA, particularmente no Sudeste Asiático, perduram por muitas décadas. Além da Guerra do Vietnã e dos conflitos relacionados que ocorreram no Laos, Camboja e até na Tailândia no século 20, mais recentemente os Estados Unidos apoiaram um bloco regional cada vez mais unificado de grupos de oposição, às vezes referido como “Aliança do Chá com Leite”.
A chamada aliança inclui grupos de oposição fortemente promovidos na mídia ocidental em Mianmar, Tailândia e Hong Kong – todos os três incorporaram violência mortal em escalas variadas para promover suas próprias ambições políticas e os objetivos da política externa dos EUA. Os EUA também tentaram criar grupos de oposição semelhantes em outras partes do Sudeste Asiático, embora com menos sucesso, recebendo pouca cobertura da mídia e, portanto, são mal compreendidos pelo público em geral se e quando sua violência chega às manchetes.
Dois exemplos recentes de terrorismo no Sudeste Asiático destacam a ameaça duradoura da violência apoiada pelos EUA na região.
Um ataque foi realizado pela oposição de Mianmar, um movimento fortemente promovido pelos governos ocidentais e pela mídia ocidental. O outro foi executado por extremistas de um grupo étnico menos conhecido no Vietnã. Ambos os ataques foram endossados, encobertos e até mesmo justificados pela mídia ocidental e, ao fazê-lo, encorajam a violência futura, ilustrando um compromisso contínuo de Washington de usar a violência e o terrorismo para promover seus objetivos de política externa na região contra a China.
O assassínio da Cantora “Freedom Fighters” de Mianmar que discordava
A BBC (proibida na Rússia), em um artigo de 08 de junho intitulado “Lily Naing Kyaw: Assassinato da cantora de Mianmar enerva celebridades pró-militares”, apenas no título, claramente não está condenando a violência. O próprio artigo tenta justificar as ações dos terroristas que mataram uma cantora, baleada na cabeça, simplesmente por se opor às opiniões políticas da oposição patrocinada pelos EUA e pela Grã-Bretanha.
Em nenhum lugar do artigo é usada a palavra terrorismo. Em vez disso, a maior parte do artigo da BBC gira em torno de tentativas de convencer os leitores de que a vítima merecia morrer por sua postura política “pró-militar”. O artigo também observa o efeito assustador que o terrorismo da oposição está tendo sobre a liberdade de expressão entre aqueles em Mianmar que apoiam o atual governo.
A BBC (está proibida na Rússia) começa, alegando:
A cantora de Mianmar, Lily Naing Kyaw, morreu em um hospital de Yangon uma semana depois de ser baleada na cabeça – supostamente por homens armados que se opunham aos militares que ela defendia.
Sua morte não só chocou os apoiadores militares, mas também as celebridades que trabalham com a mídia pró-militar.
A mulher de 58 anos era próxima dos principais líderes da junta que tomou o poder em 2021, mergulhando o país na guerra – ela também foi acusada de ser sua informante.
O artigo admite que os suspeitos de assassinato eram membros de um dos muitos grupos de “resistência armada” que lutam em nome do “Governo de Unidade Nacional” (NUG – National Unity Government – nota da tradutora), um governo no exílio apoiado pelos Estados Unidos que Washington quer devolver ao poder.
A BBC também observou como figuras da oposição se vangloriaram e comemoraram o assassinato de Lily Naing Kyaw no Facebook (está banido na Rússia), uma clara violação dos termos de serviço e restrições do Facebook ao ódio, abuso e à promoção da violência. Isso ilustra o jogo duplo que as plataformas de mídia social baseadas nos EUA continuam jogando, ignorando o abuso flagrante de suas plataformas quando os grupos estão ajudando a promover os objetivos da política externa dos EUA, contra a censura direcionada a qualquer um que desafie a interferência dos EUA em todo o mundo.
O fato de a oposição de Mianmar incluir militantes realizando terrorismo e vozes proeminentes liderando a oposição contradiz as afirmações da mídia ocidental de que eles estão lutando por valores ocidentais como liberdade, democracia e direitos humanos. Apesar do fato de que qualquer pessoa que torce pelo terrorismo é claramente incompatível com um movimento que, supostamente, luta pela liberdade, democracia e direitos humanos, a BBC (está proibida na Rússia) continuou ao longo do artigo a se referir à oposição de Mianmar como sendo “pró-democracia”.
Fica claro, então, que termos como “pró-democracia” são usados pela mídia ocidental simplesmente para promover representantes de governos ocidentais na região, mesmo quando suas ações são claramente antidemocráticas e até terroristas.
Separatistas apoiados pelos EUA matam civis porque se sentem “oprimidos, enganados”
A plataforma de mídia financiada pelo governo dos EUA, Radio Free Asia (RFA – é reconhecida pela mídia como um agente estrangeiro na Rússia), em um artigo de 11 de junho intitulado “Grupo armado ataca delegacias de polícia vietnamitas, 39 pessoas presas”, acrescenta rapidamente abaixo da manchete a ressalva: “as razões por trás do ataque no Planalto Central não são claras, mas as pessoas na região se sentiram oprimidas, enganadas”.
Mais uma vez, a mídia estatal ocidental tenta justificar o que de outra forma é simplesmente terrorismo. Assim como no artigo da mídia estatal britânica acima mencionado, a RFA (reconhecida pela mídia como um agente estrangeiro na Rússia) não menciona a palavra “terrorismo” nenhuma vez em todo o artigo. Em vez disso, tenta construir um caso para justificar a violência perpetrada pela minoria étnica Montagnard.
RFA (reconhecida pela mídia como um agente estrangeiro na Rússia) apenas discute brevemente os antecedentes do grupo étnico Montagnard, afirmando:
Durante a Guerra do Vietnã, os Montagnards lutaram ao lado das Forças Especiais do Exército dos EUA no Planalto Central.
Centenas cruzaram a fronteira para o Camboja nas últimas décadas, citando a opressão do governo vietnamita, a perseguição religiosa da minoria cristã e a expropriação de suas terras. Muitos foram forçados a voltar para casa, acabando com suas esperanças de reassentamento e uma vida melhor.
Nenhuma menção é feita ao separatismo entre o grupo étnico Montagnard, e certamente nenhuma menção é feita a décadas de apoio do governo dos EUA na busca de objetivos separatistas.
Em um artigo sobre os mesmos ataques terroristas, a RFA mencionaria, de fato, as ambições separatistas dos montanheses, admitindo:
Algumas tribos da área, coletivamente conhecidas como Montagnards, ficaram do lado do sul apoiado pelos Estados Unidos durante as décadas de guerra do Vietnã. Alguns pedem mais autonomia, enquanto outros no exterior defendem a independência da região.
Como os EUA fizeram em outras partes do mundo, inclusive na própria China em relação aos movimentos separatistas armados em Xinjiang e no Tibete, os montanheses foram e ainda são apoiados pelo governo dos EUA especificamente para minar a paz, a estabilidade e a integridade territorial de Vietnã.
Os EUA buscam não apenas remover o atual governo do Vietnã do poder, mas também remover e substituir todo o seu sistema de governança.
Em uma audiência da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos em 2000 sobre “Relações comerciais EUA-Vietnã”, quando perguntado “como os EUA podem influenciar de maneira mais eficaz o ritmo e a direção das reformas econômicas e políticas no Vietnã?”, a representante dos EUA, Dana Rohrabacher, respondeu:
O objetivo número um não deveria ser ajudá-los [no Vietnã] a crescer economicamente. Porque Ronald Reagan falava sobre a União Soviética, toda semana ele dizia, o que fizemos para minar a economia da União Soviética, que eventualmente levou à liberdade na Rússia.
Em vez disso, o que devemos fazer é o que Reagan fez, apoiar as pessoas no Vietnã e naquela região que buscam a democracia e apoiar as comunicações com o próprio povo vietnamita que defende uma sociedade democrática mais livre e aberta. Temos muitos caminhos abertos para isso. Devemos de obter grandes esforços por meio de nosso Fundo Nacional para a Democracia (está proibido na Rússia) e reforçando a Rádio Ásia Livre (é reconhecida pela mídia como um agente estrangeiro na Rússia), e assim por diante. Essa é a maneira de conseguir um Vietnã melhor, mais pacífico e mais livre.
Tanto nas perguntas quanto nas respostas, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos estava discutindo claramente a interferência política no Vietnã em violação à Carta da ONU, sua proibição contra interferência estrangeira e sua proteção à independência política.
O plano era apoiar abertamente grupos de oposição diretamente por meio do National Endowment for Democracy (NED é proibido na Rússia) no Vietnã e promover grupos de oposição vietnamitas por meio de organizações de mídia do governo dos EUA como a RFA (reconhecida pela mídia como um agente estrangeiro na Rússia) para desestabilizar e pressionar o governo vietnamita, ao mesmo tempo em que impede o desenvolvimento econômico do Vietnã, na esperança de aumentar as fileiras desses movimentos de oposição patrocinados pelos EUA.
Durante a mesma audiência, os representantes de Montagnard, incluindo o diretor assistente da “Organização Montagnard de Direitos Humanos” (MHRO – Montagnard Human Rights Organization – nota da tradutora), com sede nos Estados Unidos e financiada pelo governo, dariam testemunho.
O diretor assistente da MHRO concluiria seus comentários, alegando:
O governo dos Estados Unidos é a única esperança de tirar nosso povo Montagnard do Vietnã e ajudar nosso povo Montagnard que permanece no Planalto Central a ter o direito de viver e ter a oportunidade de desenvolver suas vidas.
No entanto, por “direitos de viver e ter a oportunidade de desenvolver suas vidas”, a MHRO quer dizer separatismo.
O site oficial da MHRO hoje inclui uma seção intitulada “Realizações”, preenchida com uma longa lista de colaborações inteiramente com o governo dos Estados Unidos. Em uma subseção intitulada “Evento”, a organização afirma:
Uma pequena reunião de grupo com participantes Montagnard selecionados e a equipe da Organização Montagnard de Direitos Humanos, United Montagnard Overseas (UMO), e um palestrante convidado compartilharão informações, buscarão suas ideias e incentivarão a discussão sobre os tópicos de Autodeterminação, Autogovernança e Modelos Montagnard de Autonomia em todo o mundo. A MHRO compartilhará informações sobre sua pesquisa e o desenvolvimento do documento legal, “The Montagnard Framework for Freedom” e seus esforços com o National Endowment for Democracy (proibido na Rússia) e o US Institute of Peace.
Essencialmente, a MHRO fazia parte de um evento de brainstorming sobre o separatismo Montagnard, cujos resultados seriam prontamente relatados ao NED do governo dos EUA (está proibido na Rússia) com o propósito óbvio de criar e financiar os programas necessários para prosseguir com o separatismo.
Com esse contexto adicional de separatismo patrocinado pelos EUA entre a minoria étnica Montagnard ao longo de décadas, olhar para o artigo da RFA sobre os recentes ataques extremistas Montagnard matando policiais, administradores e civis transeuntes constitui claramente o apoio da mídia, juntamente com o apoio financeiro e político que Washington está provendo, já viabilizando separatistas violentos no Vietnã.
A violência dos EUA visa coletivamente o Sudeste Asiático – o Sudeste Asiático deve agir coletivamente
O fato de a RFA, financiada pelo governo dos EUA, e a BBC, financiada pelo Estado do Reino Unido, estarem usando a mesma abordagem para descrever o terrorismo em Mianmar e no Vietnã ilustra como esse esforço é deliberado e coordenado na mídia ocidental e visa não um único país, mas toda a região do Sudeste Asiático.
Considerando a ameaça regional que a sedição, o separatismo, a violência e até o terrorismo patrocinados pelos EUA e a Europa representam para o Sudeste Asiático, não seria razoável para o Sudeste Asiático considerar soluções para toda a região.
A Organização de Cooperação de Xangai (SCO), conforme relatado pelo South China Morning Post, começou a falar sobre uma resposta coletiva às “revoluções coloridas” organizadas pelo Ocidente. O presidente chinês, Xi Jinping, “exortou os países a impedir que forças estrangeiras instigassem revoluções coloridas”.
O Sudeste Asiático já está organizado na Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN –Association of Southeast Asian Nations – nota da tradutora), cujos princípios fundamentais incluem a não-interferência. Esses princípios podem ser aumentados por medidas regionais para expor e combater a interferência estrangeira, tanto na forma de interromper o fluxo de dinheiro estrangeiro que flui para grupos de oposição que realizam essa interferência quanto na garantia do espaço de informação da ASEAN, que ainda é amplamente dominado por plataformas de mídia social e uma extensa rede de organizações de mídia no sudeste da Ásia, financiadas e trabalhando para interesses ocidentais.
Em última análise, esses dois ataques terroristas recentes, encobertos e justificados pela mídia estatal dos EUA e do Reino Unido, são apenas uma pequena amostra de uma grande e crescente onda de violência política decorrente da interferência ocidental na região.
À medida que a China continua a crescer e traz consigo o resto da Ásia, incluindo o Sudeste Asiático, e os EUA continuam a desaparecer como uma potência unipolar global, Washington recorrerá cada vez mais à violência para tentar primeiro conseguir uma mudança de regime na região e, falhando nisso, perturbar e desestabilizar a região para inibir tanto sua ascensão quanto a ascensão da China com ela. Só o tempo dirá se as nações do Sudeste Asiático podem ou não trabalhar coletivamente para combater essa violência que visa atingir coletivamente o Sudeste Asiático.
Brian Berletic é um pesquisador e escritor geopolítico baseado em Bangkok.
Fonte: https://journal-neo.org/2023/06/20/why-the-west-is-whitewashing-terrorism-in-vietnam-and-mianmar
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