Paulino Cardoso e Mariana Schlickmann (*) – 11 de dezembro de 2023
Maria Páez Victor, socióloga venezuelana radicada no Canadá, afirma com razão que mais uma vez a mídia corporativa ocidental, provoca uma histeria no Mundo afirmando: “A Venezuela quer invadir a Guiana!” “.
Entretanto, tal postura esconde personagens bem conhecidos: a Exxon Mobil e o Governo dos EUA. Como diz a autora, depois de comprarem o governo da Guiana, estão implementando um plano mediático-militar para tentar tomar Essequibo – uma área rica em petróleo, que historicamente faz parte da Venezuela.
Como sabemos, Guiana, antiga colônia britânica até meados da década de 1960, afirma que este território lhe pertence e manifestou oficialmente a sua intenção de estabelecer ali “bases militares dos EUA”.
Entretanto, todos os mapas antigos da Venezuela, desde a época em que foi mapeada pela primeira vez sob o domínio espanhol, mostram a sua fronteira oriental como o Rio Essequibo. Do outro lado do rio havia um território posteriormente reivindicado pela Inglaterra e que se tornou a Guiana Inglesa.
Por meio de uma campanha deliberada de desinformação, envolvendo a cartografia de R. Schomburgk, já em 1835, o Império Britânico ocupou esta parte do território venezuelano, cedendo-o a Guina na época de sua independência. Uma área de 159.542 km², onde vivem cerca de 125 mil pessoas.
Estas disputas atravessaram o século XIX, até que que em 1899, um tribunal arbitral foi convocado em Paris, na qual estavam representados Estados Unidos, Inglaterra e um juíz indicado pelo Império Russo, sem contar com a presença da Venezuela. Tal e qual o Brasil que perdeu acesso a Bacia do Essequibo em 1904, a Venezuela perdeu a questão.
A controvérsia permaneceu até que ambos os países aceitaram o Acordo de Genebra de 1966. Nele, ambas as partes declararam nulas as ações do Tribunal de Paris de 1899, e que os países eram obrigados a negociar amigavelmente e de boa fé para resolver todas as questões relativas ao Essequibo. Esse acordo foi confirmado em 1980, intermediado pela ONU, com a nomeação de uma pessoa que conjuntamente ajudaria a implementar as negociações.
Tudo ia bem até que, desde 2008, quando da nacionalização da PDVZA, a empresa de petróleo venezuelana, por Hugo Chaves, a Exxon Mobil passou a pesquisar por petróleo na Guiana, inicialmente em parceria com a Shell.
Em 2015, a empresa anunciou a descoberta de petróleo em terra e no mar do território disputado. Este fato mudou totalmente a postura do Governo da Guiana, que encerrou todas as negociações amigáveis em curso entre a Venezuela. Detalhe, foi, igualmente, neste momento que a Exxon Mobil assumiu o governo do país caribenho. Confiram matéria da jornalista Amy Westervelt, do The Intercept, com o delicioso título “Como a Exxon capturou um país sem disparar um tiro”.
Segundo Maria Victor, o atual primeiro-ministro é acusado de receber 18 milhões de dólares em troca da sua recusa em continuar as negociações, quebrar o acordo de Genebra de 1966 e exigir de implementação da decisão do tribunal de Paris de 1899, por meio do Tribunal Internacional da Justiça, o tristemente famoso Tribunal de Haia. Esse mesmo que rapidamente expediu um mandado de prisão contra o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, mas fecha os olhos para o genocídio palestino em Gaza, promovido por Bibi Netanyahu e as Forças de Defesa de Israel.
Andrew Korybko, analista geopolítico estadunidense, sediado em Moscou, acrescenta ao debate uma abordagem interessante. Segundo ele, a Guiana quer desenvolver os seus enormes depósitos de petróleo offshore em águas disputadas, o que exige ter um parceiro confiável que possa defendê-los das reivindicações venezuelanas, enquanto a Venezuela teme que o parceiro estadunidense escolhido pela Guiana pretenda explorar este pretexto para desencadear contra si uma sequência de ameaças híbridas. Vale lembrar que desde 2015, o país caribenho tem desenvolvido exercícios militares conjuntos com as forças armadas dos Estados Unidos.
Para Korybko, o governo da Guiana parece, portanto, estar tentando um ato de equilíbrio através do qual subordina a segurança energética do país aos EUA, que têm os meios militares para defender estes depósitos de petróleo em águas disputadas, ao mesmo tempo que depende da China para investimentos econômicos na indústria de extração de petróleo.
Por outro lado, para a Venezuela, a disposição pró-EUA da Guiana acarreta riscos para a segurança nacional, uma vez que os investimentos petrolíferos offshore da Exxon em águas disputadas poderiam servir de pretexto para convidar uma presença militar americana permanente que levaria a uma multiplicidade de ameaças de desestabilização através de táticas de guerra híbrida no futuro.
Caracas foi assim colocada num dilema em que poderia deixar este processo aparentemente inevitável desenrolar-se sem impedimentos ou tentar frustrá-lo preventivamente (ou pelo menos aumentar os custos para a Exxon e/ou para os EUA). É este contexto que torna compreensível a convocação do referendo do último final de semana.
Para o autor, os decisores políticos venezuelanos calcularam que os EUA têm atualmente uma maior necessidade das exportações de petróleo do seu país antes das eleições do próximo ano. Principalmente e à medida que circulam suspeitas sobre as intenções estratégicas lideradas conjuntamente pela Rússia e a Arábia Saudita na OPEP+. Vejam a desenvoltura de Vladimir Putin em sua visita de Estado aos Emirados Árabes Unidos e Arabia Saudita nestes dias. De fato, o Imperialismo Ocidental não poderá esperar pelas exportações de petróleo da Guiana daqui a alguns anos.
Logo, vai se tornando evidente, após a derrota vergonhosa no Afeganistão, a insustentável crise da dívida, a abertura do Conflito na Palestina, que já dura dois meses e sem solução em um futuro próximo, além da derrota na guerra por procuração na Ucrânia contra a Federação Russa, que os EUA nunca estiveram tão fracos. E identificaram “a melhor oportunidade de sempre para que pressionassem as suas reivindicações sobre Essequibo.”
Assim, afirma Korybko, só depois de os EUA terem aliviado as sanções e as suas limitações militares terem sido expostas é que os decisores políticos perceberam que tinham a oportunidade única de finalmente resolver o dilema de segurança sobre Essequibo.
Por fim, para Korybko, ao contrário de muitos analistas do Brasil, os cálculos dos decisores políticos venezuelanos foram racionais e o seu país tem o direito de impedir preventivamente ameaças iminentes do tipo que estavam convencidos que iriam inevitavelmente surgir, mas ignoraram o contexto eleitoral dos EUA e a sua sensibilidade em relação às percepções globais de fraqueza.
Biden enfrentará um duro desafio por parte dos Republicanos no próximo ano. Republicanos que se apresentam como mais sérios em relação à segurança nacional do que os Democratas. Assim, Biden não poderá dar-se ao luxo de parecer fraco em casa, e não fazer nada contra a Venezuela.
Da mesma forma, a percepção global da fraqueza dos EUA causada pelo fracasso da sua guerra por procuração contra a Rússia através da Ucrânia exerce pressão sobre esse país para evitar uma replicação desse desastre geopolítico no seu próprio hemisfério.
Estes fatores adicionais aumentam os custos de qualquer potencial intervenção militar venezuelana em Essequibo, embora também deva ser dito que a Venezuela pode esperar que ela também possa aumentar os custos de qualquer potencial intervenção dos EUA ou pelo menos das operações da Exxon, congelando assim o conflito na sua fase mais tensa até agora.
Essequibo não é uma loucura de Maduro, mas um puro cálculo geopolítico que desmonta a unidade da oposição de direita entorno de Maria Corina Machado para as próximas eleições presidenciais na Venezuela, como abre uma nova frente de questionamento do colonialismo ocidental, confrontado na Europa, África, Ásia Ocidental e agora na América Latina.
Não por acaso, o presidente Nicolás Maduro viajou esta semana para Moscou para encontrar-se Putin. Segundo o mandatário sul-americano, uma conversa necessária para aprofundar parcerias estratégicas e multilaterais.
(*) Editores do Mundo Multipolar
Referências
Brasil De Fato. Essequibo: Venezuela quer criar estado em território em disputa com a Guiana e explorar recursos naturais. https://www.brasildefato.com.br/2023/12/06/essequibo-venezuela-quer-criar-estado-em-territorio-em-disputa-com-a-guiana-e-explorar-recursos-naturais
Intercept. Como a Exxon Mobil conquistou a Guiana sem dar um tiro. https://theintercept.com/2023/06/18/guyana-exxon-mobil-oil-drilling/
Korybko, Andrew. A disputa entre a Venezuela e a Guiana é um clássico dilema de segurança? https://korybko.substack.com/p/the-venezuelan-guyanese-dispute-is
Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2018-12/maduro-viaja-para-russia-para-ter-uma-necessaria-reuniao-com-putin
Fonte: https://www.resistencia.cc/para-entender-a-tensao-entre-venezuela-e-guiana-por-essequibo/
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