Pepe Escobar – 13 de agosto de 2022
É tentador visualizar o esmagador desastre coletivo do Ocidente como um foguete [acelerando para baixo], indo mais rápido que uma queda livre, mergulhando no turbilhão do vazio negro do colapso sociopolítico completo.
É tentador visualizar o esmagador desastre coletivo do Ocidente como um foguete[acelerando para baixo], mais rápido que uma queda livre, mergulhando no turbilhão do vazio negro do colapso sociopolítico completo.
O Fim da (Sua) História acaba sendo um processo histórico acelerado com ramificações impressionantes: muito mais profundas do que meras “elites” autoproclamadas – por meio de seus meninos/meninas mensageiros – ditando uma Distopia arquitetada pela austeridade e pela financeirização: o que eles escolheram marcar como Great Reset e, em seguida, salvo falha importante, The Great Narrative.
A financeirização de tudo significa a mercantilização total da própria Vida. Em seu último livro, No-Cosas: Quiebras del Mundo de Hoy (em espanhol, ainda sem tradução para o inglês), o principal filósofo alemão contemporâneo (Byung-Chul Han, que por acaso é coreano), analisa como o Capitalismo de Informação, diferentemente do capitalismo industrial, converte também o imaterial em mercadoria:
“A própria vida adquire a forma de mercadoria (…) desaparece a diferença entre cultura e comércio. Instituições culturais são apresentadas como marcas lucrativas.”
A consequência mais tóxica é que
“a total comercialização e mercantilização da cultura teve o efeito de destruir a comunidade (…) Comunidade como mercadoria é o fim da comunidade”.
A política externa da China sob Xi Jinping propõe a ideia de uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade , essencialmente um projeto geopolítico e geoeconômico. No entanto, a China ainda não acumulou soft power suficiente para traduzir isso culturalmente e seduzir vastas áreas do mundo a aderir: isso diz respeito especialmente ao Ocidente, para o qual a cultura a história e as filosofias chinesas são virtualmente incompreensíveis.
Na Ásia Interior, onde estou agora, um passado glorioso revivido pode oferecer outros exemplos de “comunidade compartilhada”. Um exemplo brilhante é a necrópole Shaki Zinda em Samarcanda.
Afrasiab – o antigo assentamento, pré-Samarcanda – havia sido destruído pelas hordas de Genghis Khan em 1221. O único edifício preservado foi o principal santuário da cidade: Shaki Zinda.
Muito mais tarde, em meados do século XV, o astro astrônomo Ulugh Beg, ele próprio neto do turco-mongol “Conquistador do Mundo” Timur, desencadeou nada menos que um Renascimento Cultural: convocou arquitetos e artesãos de todos os cantos do império Timúrida e do mundo islâmico para trabalhar no que se tornou um laboratório artístico criativo de fato.
A Avenida dos 44 Túmulos em Shaki Zinda representa os mestres de diferentes escolas criando harmoniosamente uma síntese única de estilos na arquitetura islâmica.
A decoração mais notável em Shaki Zinda são as estalactites, penduradas em cachos nas partes superiores dos nichos dos portais. Um viajante do início do século XVIII os descreveu como “estalactites magníficas, penduradas como estrelas acima do mausoléu, deixam claro a eternidade do céu e nossa fragilidade”. As estalactites no século XV eram chamadas de “muqarnas”: que significa, figurativamente, “céu estrelado”.
O Céu de Abrigo (Comunidade)
O complexo Shaki Zinda está agora no centro de um esforço voluntário do governo do Uzbequistão para restaurar Samarcanda à sua antiga glória. A peça central, os conceitos trans-históricos de “harmonia” e “comunidade” – e isso vai muito além do Islã.
Como um nítido contraste, o inestimável Alastair Crooke ilustrou a morte do eurocentrismo aludindo a Lewis Carroll e Yeats: somente através do espelho podemos ver os contornos completos do espetáculo espalhafatoso de auto-obsessão narcísica e autojustificações oferecido pelo “o pior”, ainda tão “cheio de intensidade apaixonada”, como retratado por Yeats.
E, no entanto, ao contrário de Yeats, os melhores agora não “faltam de toda convicção”. Eles podem ser poucos, ostracizados pela cultura do cancelamento, mas eles veêm a “fera bruta, sua hora finalmente chegou, curvando-se para…” Bruxelas (não Jerusalém) “para nascer”.
Esse bando não eleito de mediocridades insuportáveis – de von der Leyden e Borrell àquele pedaço de madeira norueguês, Stoltenberg – podem sonhar que vivem na era pré-1914, quando a Europa estava no centro político. No entanto, agora não apenas “o centro não se sustenta” (Yeats), mas a Europa infestada de eurocratas foi definitivamente engolida pelo turbilhão, um remanso político irrelevante flertando seriamente com a reversão ao seu status no século XII.
Os aspectos físicos da Queda – austeridade, inflação, sem chuveiros quentes, congelando até a morte para apoiar os neonazistas em Kiev – foram precedidos, e nenhuma imagem cristianizada precisa ser aplicada, pelos chamas de enxofre de uma Queda Espiritual. Os mestres transatlânticos desses papagaios que se apresentam como “elites” nunca tiveram uma ideia para vender ao Sul Global centrada na harmonia e muito menos na “comunidade”.
O que eles vendem, através de sua Narrativa Única, na verdade, sua versão de “We Are the World”, são variações de “você não terá nada e será feliz”. Pior: você terá que pagar por isso – caro. E você não tem o direito de sonhar com qualquer transcendência – independentemente de ser um seguidor de Rumi, do Tao, do xamanismo ou do Profeta Muhammad.
A tropa de choque mais visível desse neoniilismo ocidental reducionista – obscurecida pela névoa da “igualdade”, “direitos humanos” e “democracia” – são os bandidos sendo rapidamente desnazificados na Ucrânia, ostentando suas tatuagens e pentagramas.
O alvorecer de um novo Iluminismo
O Show de Autojustificação Coletiva do Oeste encenado para obliterar seu suicídio ritualizado não oferece nenhum indício de transcendência do sacrifício implícito em um seppuku cerimonial. Tudo o que fazem é chafurdar na recusa inflexível de admitir que podem estar seriamente enganados.
Como alguém ousaria ridicularizar o conjunto de “valores” derivados do Iluminismo? Se você não se prostrar diante deste reluzente altar cultural, você é apenas um bárbaro preparado para ser caluniado, punido, cancelado, perseguido, sancionado e – aparecem os HIMARS – bombardeado.
Ainda não temos um Tintoretto pós-Tik Tok para retratar o Ocidente coletivo se espojando em câmaras do inferno – pop – de Dante. O que temos, e devemos suportar, dia após dia, é a batalha cinética entre sua “Grande Narrativa”, ou narrativas, e a pura e simples realidade. Sua obsessão com a necessidade da realidade virtual sempre “ganhar” é patológica: afinal, a única atividade em que se destacam é fabricar realidade falsa. Uma pena que Baudrillard e Umberto Eco não estejam mais entre nós para desmascarar suas travessuras de mau gosto.
Isso faz alguma diferença para vastas áreas da Eurásia? Claro que não. Basta acompanhar a vertiginosa sucessão de reuniões bilaterais, acordos e interação progressiva do BRI, SCO, EAEU, BRICS+ e outras organizações multilaterais para ter um vislumbre de como o novo sistema-mundo está sendo configurado.
Em Samarcanda, cercada por exemplos fascinantes de arte timúrida, juntamente com um boom de desenvolvimento que traz à mente o milagre do leste asiático do início dos anos 1990, é fácil ver como o núcleo da Heartland [o centro da terra, seu coração – nota do tradutor] está de volta com uma vingança – e está destinada a despachar o Oeste afligido pela pleonéxia ao pântano da Irrelevância.
Deixo-vos com um pôr do sol psicodélico de frente para o Reguistão, no fio da navalha de um novo tipo de Iluminismo que está levando a Heartland a uma versão baseada na realidade de Shangri-La, privilegiando a harmonia, a tolerância e, acima de tudo, o senso de comunidade.
Fontes:
https://www.strategic-culture.org/news/2022/08/13/the-second-coming-of-the-heartland/
https://thesaker.is/the-second-coming-of-the-heartland/
Be First to Comment