O presidente argentino Javier Milei demite seu ministro das Relações Exteriores por ter votado contra o bloqueio de 62 anos dos EUA a Cuba

Nick Corbishley – 1º de novembro de 2024

Mais uma vez, a Assembleia Geral das Nações Unidas votou de forma esmagadora condenando o bloqueio econômico ilegal dos EUA contra Cuba, que já está em seu 62º ano. No total, 187 países votaram a favor da suspensão do bloqueio e apenas dois votaram contra: os EUA e Israel. O único país que se absteve foi a Moldávia, que tem um governo pró-ocidental e está tentando entrar para a UE.

Resto do mundo vs. EUA + Israel (+ Argentina, mais ou menos)

Este mapa, cortesia do Geopolitical and Economy Report de Ben Norton, oferece uma ilustração enfática de como os EUA estão isolados nessa questão. É, simplesmente, o resto do mundo, incluindo estados vassalos de longa data dos EUA, como a UE, o Reino Unido, o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e o Canadá, contra Washington e Tel Aviv:

Em uma discussão acalorada com Matt Miller, do Departamento de Estado, na coletiva de imprensa de ontem (veja abaixo), Matt Lee, da AP, perguntou: “Então, em que momento… vocês vão perceber que o mundo inteiro, exceto vocês e Israel, acha que o embargo é uma péssima ideia e deve ser interrompido” – ao que Miller respondeu: “Olha, acho que temos bem clara a opinião de outros países do mundo. E é uma opinião da qual discordamos… tomamos nossas próprias decisões políticas”.

Cuba tem apresentado a resolução não vinculante “Necessidade de pôr fim ao embargo econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba” todos os anos (até 2020) desde 1992, ano em que os EUA estenderam o bloqueio a terceiros países. A cada ano, a resolução é aprovada quase por unanimidade. No ano passado, assim como neste ano, os únicos dois países que votaram contra foram os EUA e Israel. A única diferença notável é que foi a Ucrânia, e não a Moldávia, que se absteve. Este ano, a Ucrânia nem sequer votou.

Uma das maiores surpresas da resolução não vinculante deste ano foi a inclusão da Argentina entre os 187 países que votaram a favor da suspensão do bloqueio. O presidente libertário da Argentina, Javier Milei, fez tudo o que pôde para alinhar a política externa de seu governo com os EUA e Israel, chegando ao ponto de solicitar a adesão à OTAN, oferecer o envio de equipamentos militares para a Ucrânia e transferir a embaixada da Argentina em Israel para Jerusalém. De fato, essa foi a primeira vez, desde sua chegada ao cargo, que a Argentina rompeu com esse alinhamento.

Inicialmente, alguns dos mais ferozes apoiadores de Milei na mídia, como o La Derecha Diario, argumentaram que, ao votar a favor do livre comércio e contra os bloqueios comerciais, Milei estava se mantendo fiel aos seus princípios libertários, o que não poderia estar mais longe da verdade. Há também o fato de que a Argentina sempre votou contra o bloqueio dos EUA a Cuba, mesmo durante o governo de Mauricio Macri, de modo que isso teria sido uma mera continuação de mais de três décadas de política bipartidária. Mas isso também não era verdade.

Horas depois, descobriu-se que a ministra das Relações Exteriores da Argentina, Diana Mondino, havia, intencionalmente ou não, votado de forma errada, e por isso foi demitida sem cerimônia. Como Ben Norton observa, “a votação foi 187 contra 2… Milei queria que fosse 186 contra 3” – tornando a Argentina tão isolada globalmente quanto os EUA e Israel. Até mesmo os governos de direita aos quais Milei gosta de se associar, como o da Hungria de Orban, o da Itália de Meloni, o do Equador de Noboa e o de El Salvador de Bukele, votaram a favor do levantamento do bloqueio.

Para justificar a demissão de Mondino, o gabinete do presidente Milei disse que a Argentina era “categoricamente contrária à ditadura cubana” – assim como era categoricamente contrária à ditadura “assassina” da China… até que o governo precisou desesperadamente do dinheiro chinês para manter a economia argentina semi-flutuante. Agora, de repente, a China comunista é, nas palavras do próprio Milei, “um parceiro comercial muito interessante”.

Como observamos na época em que Milei disse isso, o fato de que até mesmo o governo anticomunista fanático da Argentina está agora buscando estreitar os laços econômicos com Pequim, à medida que os investimentos começam a secar, sem dúvida terá irritado muitas pessoas em Washington. O apoio de Mondino à resolução de Cuba na AGNU terá piorado ainda mais a situação. Para um país que supostamente é totalmente servil a Washington, a Argentina de Milei tem uma maneira engraçada de demonstrar isso.

Uma substituição adequada

Talvez para fazer as pazes, Milei nomeou o novo ministro das Relações Exteriores da Argentina, Gerardo Werthein, um membro da plutocracia argentina que até ontem era o embaixador da Argentina nos EUA.

Werthein é um importante empresário judeu que pertence a uma das famílias mais ricas da Argentina. A empresa familiar, Grupo Werthein, começou há quase 100 anos no setor de varejo com vendas de gado, frutas, sementes, agroquímicos e combustíveis. Desde então, diversificou-se para outros setores, como mídia, energia, imóveis, saúde e telecomunicações. O Grupo Werthein é hoje um dos maiores grupos de holding da América Latina, com filiais em toda a região, bem como no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Gerard Werthein deixou os negócios da família em 2019. Durante 12 anos (2009-2021), ele chefiou o Comitê Olímpico Argentino. Antes de ser nomeado embaixador nos EUA no final do ano passado, foi revelado que Werthein havia mudado sua residência fiscal para fora da Argentina durante a pandemia da COVID-19, uma situação que ele rapidamente corrigiu para se qualificar para o corpo diplomático da Argentina.

Werthein não apenas fez parte da comitiva que acompanhou o então presidente eleito Milei a Nova York e Washington em dezembro; ele supostamente pagou pelo jato fretado que levou todos eles até lá. Durante essa viagem, Werthein, que naquele momento não tinha nenhum cargo oficial no governo, estava presente durante o almoço de Milei com Bill Clinton e o representante de Joe Biden para a América Latina, Chris Dodd, bem como em uma reunião com Jake Sullivan e o assessor especial da Casa Branca para assuntos latino-americanos, Juan González.

Conforme relata o Página 12, Werthein também acompanhou Milei em sua visita ao cemitério Montefiore, onde prestaram homenagem ao túmulo de Menachem Mendel Schneerson, também conhecido como “o Lubavitcher Rebbe”, ex-líder do Chabad-Lubavitch, um ramo do judaísmo ortodoxo e uma das maiores dinastias hassídicas.

62 anos de “enfraquecimento da vida econômica de Cuba”

Em 1960, um memorando do governo dos EUA definiu o objetivo da política americana em relação a Cuba: “enfraquecer a vida econômica de Cuba. [negar dinheiro e suprimentos a Cuba, diminuir os salários monetários e reais, provocar fome, desespero e derrubada do governo”].

Funcionou como um pesadelo. De acordo com uma estimativa, o embargo gerou um prejuízo econômico de US$ 125 bilhões para a ilha. Ele afetou negativamente a aquisição de alimentos, medicamentos, combustível, geração de eletricidade, transporte e outros serviços básicos durante décadas. O embargo também deixou Cuba fora dos sistemas de comércio global por meio da influência e do controle de Washington sobre as redes bancárias e financeiras internacionais.

Como explica Ben Norton, não se trata apenas do fato de os EUA não poderem fazer comércio com Cuba, mas também do fato de os EUA terem excluído Cuba do sistema financeiro internacional dominado pelos EUA, desconectando os bancos cubanos da rede internacional de mensagens financeiras, impedindo que Cuba tenha acesso à moeda estrangeira necessária para pagar as importações de coisas como energia e alimentos, e os EUA também ameaçam com sanções secundárias contra governos estrangeiros e empresas estrangeiras que fazem negócios com Cuba.”

Em 2019, o bloqueio se intensificou ainda mais com a designação de Cuba por Trump como “patrocinador estatal do terrorismo” e a imposição de 243 novas sanções à ilha. Desde então, Cuba tem sofrido enormes problemas para manter sua infraestrutura precária, incluindo sua rede de energia. Até que ponto isso se deve ao bloqueio dos EUA ou às políticas fracassadas do próprio governo depende inteiramente de quem você pergunta. Até mesmo o FT admitiu recentemente que as sanções dos EUA “agravaram severamente os problemas crônicos de atraso de pagamento e as linhas de crédito secas de Havana”.

A pandemia também atingiu Cuba de forma particularmente grave. Embora seja difícil obter estatísticas oficiais do país, o Banco Mundial estima que o PIB tenha caído mais de 10% em 2020 e tenha se recuperado lentamente desde então, sem atingir os níveis pré-covid. A pandemia dizimou a renda do país proveniente do turismo, enquanto uma redução acentuada nas remessas de petróleo da Venezuela, em parte devido às sanções impostas pelos EUA aos dois países, e da Rússia exacerbou a crise energética de Cuba. O país também está sofrendo com uma inflação descontrolada.

Uma coisa é certa: manter o bloqueio em um momento em que Cuba está sofrendo uma crise econômica incapacitante, o recente impacto do furacão Oscar e os apagões de energia que duram dias não contribuem para melhorar a imagem dos EUA no cenário global. As sanções contínuas só vão imiserar ainda mais o povo cubano, ao mesmo tempo em que causam pouca ou nenhuma dor à classe política do país. Em seu discurso na AGNU, Bruno Rodriguez Parrilla, Ministro das Relações Exteriores de Cuba, explicou como, entre 18 e 23 de outubro, as famílias cubanas ficaram sem eletricidade, exceto talvez por algumas horas.

“Muitas famílias cubanas não tinham água encanada; os hospitais funcionavam em condições de emergência, as escolas e universidades suspenderam suas aulas; [e] as empresas interromperam suas atividades.”

BRICS, Rússia, China e México

Mas Cuba não está sozinha. Na semana passada, o país estava entre as 13 nações convidadas a participar do BRICS como países parceiros. Embora não garanta a adesão plena, o status de parceria oferece um caminho em potencial para a adesão plena. Em junho, a Rússia se comprometeu a ajudar Cuba a restaurar seu sistema de energia. De acordo com o Ministério de Energia da Rússia, representantes dos dois países “discutiram as perspectivas de cooperação” no complexo de combustível e energia da maior das Antilhas, bem como a cooperação na construção de instalações de energia.

O comércio russo com Cuba aumentou nos últimos anos, ajudado pelas sanções impostas pelos EUA a ambos os países e pela guerra na Ucrânia. As flotilhas navais russas atracaram em Havana duas vezes até agora neste ano como uma demonstração de força militar. No entanto, as entregas de petróleo russo, assim como as entregas de petróleo venezuelano, foram em grande parte interrompidas.

A China também afirmou que continuará a apoiar o povo cubano na luta contra a interferência estrangeira e o bloqueio. Dito isso, o comércio entre os dois países caiu nos últimos anos, mesmo com o aumento do comércio entre a China e a América Latina. Como observa o FT, “Cuba hoje nem sequer figura entre os principais aliados da China na América Latina. Pequim tem o que chama de ‘parcerias estratégicas abrangentes’ com Argentina, Brasil, Chile, Equador, México, Peru e Venezuela, todos grandes exportadores de commodities, mas não com Cuba”.

Um país que está aumentando significativamente seu apoio a Cuba é o México, que vem fortalecendo gradualmente seus laços com Havana desde que Andrés Manuel López Obrador se tornou presidente em 2018. Seu governo assinou vários acordos com o governo de Havana para receber centenas de médicos da nação caribenha. Ontem (31 de outubro), a sucessora de López Obrador como chefe de Estado, Claudia Sheinbaum, confirmou que seu governo também apoiará Cuba por razões humanitárias:

“Mesmo que haja críticas, seremos solidários.”

A empresa estatal de petróleo do México, Petroleos de México (também conhecida como Pemex), já despachou 400.000 barris de petróleo e gasolina e diesel acabados para a nação insular em apenas alguns dias. Questionado sobre a remessa, Sheinbaum disse que “o México produz de 1,6 a 1,8 milhão de barris por dia (…), portanto, 400.000 barris não representam sequer um dia de produção”.

O México, assim como a Rússia e a Venezuela antes dele, está se tornando a tábua de salvação energética de Cuba. Porém, enquanto a Rússia e a Venezuela, assim como a própria Cuba, são fortemente sancionadas por Washington e dependem de esquemas para contornar as sanções, o México é atualmente o maior parceiro comercial dos EUA. Ainda não se sabe como Washington responderá ao crescente apoio do México a Cuba. Conforme relatamos nos últimos meses, as relações entre os dois vizinhos norte-americanos já estão tensas devido à incessante intromissão dos EUA nos assuntos do México.


Fonte: https://www.nakedcapitalism.com/2024/11/javier-milei-fires-foreign-minister-for-opposing-us-66-year-embargo-of-cuban-economy.html

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