O plano secreto americano para Fazer a Rússia Grande Novamente

Dmitry Orlov — 24 de maio de 2022 — [Traduzido e publicado com a permissão do autor]

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Geralmente é uma boa ideia evitar atribuir intenção nefasta às ações explicáveis por mera estupidez. Mas este é um caso em que a mera estupidez não pode explicar a longa e constante sucessão de erros de política externa ao longo de três décadas, todos eles especificamente destinados a fortalecer a Rússia. Não é possível argumentar que um excesso de arrogância, ignorância, ganância e oportunismo político e um déficit de analistas de política externa competentes possam produzir tal resultado, pois isso seria essencialmente o mesmo que argumentar que alguns macacos armados com furadeiras, moinhos e tornos podem produzir um relógio suíço.

Aparentemente, o plano era enfraquecer e destruir a Rússia; mas então, após o colapso soviético, a Rússia estava enfraquecendo e se destruindo muito bem sozinha, sem necessidade de intervenção. Além disso, todo esforço dos EUA para enfraquecer e destruir a Rússia a tornou mais forte; se existisse mesmo um mecanismo de feedback mais rudimentar, uma discrepância tão grande entre os objetivos da política e os resultados da política teria sido detectada e ajustes teriam sido feitos. Superficialmente, isso pode ser explicado pela natureza da democracia simulada da América, onde cada governo pode culpar seus fracassos por erros cometidos pelo governo anterior, mas o Deep State permanece no poder o tempo todo e seria simplesmente forçado a admitir para si mesmo que há um problema com o plano de enfraquecer e destruir a Rússia após alguns ciclos desse fiasco que se desenrola.

Mas isso é pura teoria da conspiração e não devemos querer chegar perto disso. Basta dizer que, no momento, não há explicação adequada para o que aconteceu. Após o colapso soviético, muito pouco era necessário para acelerar o colapso da própria Rússia. Mas nenhum desses passos foi dado, e os que foram (com o objetivo ostensivo de enfraquecer e destruir a Rússia) fizeram exatamente o oposto. Por quê? Abaixo estão listadas 10 das iniciativas mais bem-sucedidas do que parece ser uma campanha MRGA [Make Russia Great Again, ou Tornar a Rússia Grande Novamente — nota do tradutor] do Deep State dos EUA. Se você tiver uma explicação alternativa, eu gostaria de ouvi-la.

1. Se a Rússia fosse imediatamente aceita na Organização Mundial do Comércio (a qual desejava aderir), ela teria sido inundada com importações baratas, destruindo toda a indústria e agricultura russas. A Rússia simplesmente venderia petróleo, gás, madeira, diamantes e outros recursos e compraria o que fosse necessário. Em vez disso, os EUA e outros membros da OMC passaram 18 anos negociando a entrada da Rússia na organização. Quando aderiu, em 2006, restava muito pouco tempo antes do colapso financeiro de 2008, após o qual a OMC não era um fator muito importante.

2. Se a Rússia recebesse imediatamente a isenção de visto para viajar para o Ocidente (como ela queria), a maioria dos russos em idade ativa teria prontamente se espalhado para fora da Rússia, deixando para trás uma população de órfãos e idosos, como aconteceu com a Ucrânia contemporânea. Depois de perder grande parte de sua população produtiva, a Rússia não representaria nenhum tipo de ameaça econômica ou militar. Em vez disso, a Rússia nunca recebeu viagens sem visto e, em vez disso, enfrentou restrições que só aumentaram com o tempo. A essa altura, a maioria dos russos internalizou a ideia de que simplesmente não são desejados no Ocidente e que deveriam buscar sua fortuna em casa.

3. Após o colapso soviético, a própria Rússia desmoronou em um mosaico solto de centros regionais. Muitos deles (Tataristão, Bascortostão, República dos Urais, Chechênia) tinham noções de secessão. Deixada intocada, a Rússia teria se tornado uma confederação frouxa, sem capacidade de formular uma política externa conjunta. Em vez disso, recursos e mercenários foram injetados na Chechênia, transformando-a em uma ameaça existencial à autoridade de Moscou e forçando-a a se tornar militarmente assertiva. O fato de voluntários chechenos estarem agora lutando do lado russo na Ucrânia ressalta o fracasso da política americana para a Chechênia.

4. Se, após o colapso soviético, a OTAN simplesmente reconhecesse que a ameaça que pretendia combater já não existia e se dissolvia ou simplesmente se tornava quiescente, a Rússia nunca teria considerado necessário se rearmar. De fato, a Rússia estava alegremente cortando seus navios e mísseis para sucata. Em vez disso, a OTAN achou por bem bombardear a Iugoslávia (por uma razão humanitária inventada) e depois expandir implacavelmente para o leste. Essas ações comunicaram mais adequadamente a mensagem de que não era a URSS e o comunismo que o Ocidente se opunha, mas a própria Rússia. E enquanto, na época da década de 1990, não muitos russos estavam ansiosos para lutar e morrer pela maior glória do comunismo, erguer-se em defesa da pátria é uma história totalmente diferente.

5. Se os países próximos da Rússia fossem simplesmente deixados em paz, a Rússia nunca teria considerado se aventurar fora de seu território já vasto e subpovoado. Mas então veio uma provocação: agindo com a sanção dos EUA, as forças georgianas atacaram as forças de paz russas na Ossétia do Sul durante as Olimpíadas de Pequim de 2008, forçando a Rússia a reagir. O fato de a Rússia poder desmilitarizar a Geórgia em apenas alguns dias foi um grande impulso de confiança e ensinou que a OTAN e as forças treinadas pela OTAN são suaves e moles e não são um grande problema. O território russo se expandiu para incluir a Ossétia do Sul, com a Abkhazia como um bônus adicional, abrindo caminho para uma maior expansão territorial (Crimeia, Donbass, Kherson… Nikolaev, Odessa…).

6. Se os EUA deixassem em paz a Síria, uma aliada próxima da Rússia por quase um século, a Rússia não teria se expandido para a região do Mediterrâneo. Ocorre que o governo sírio convidou a Rússia para ajudá-lo a virar a maré em sua guerra contra o ISIS apoiado pelos EUA e a Rússia destruiu o ISIS com a ajuda de um contingente bastante pequeno de forças aéreas e espaciais em apenas uma base aérea. A ação na Síria mostrou modernos sistemas de armas russos e levou a um atraso de 20 anos em pedidos de armas de todo o mundo. Além disso, os aliados da Rússia em todo o mundo sabem que se os EUA/OTAN, ou seus mercenários, lhes derem algum problema, tudo o que precisam fazer é assobiar e Moscou entrará correndo com suas bombas de precisão e empilhará os cadáveres ordenadamente.

7. Após o putsch de Kiev em 2014 e a re-adesão da Crimeia, as sanções dos EUA/Ocidente foram imensamente úteis para ajudar a dar início a um programa em grande escala de substituição de importações, rejuvenescendo tanto a indústria quanto a agricultura russas. A Rússia é agora amplamente autossuficiente em alimentos e um grande exportador de alimentos. Sua posição como o principal celeiro do mundo será melhorada ainda mais com a adição de regiões de “terra negra” do leste e do sul da Ucrânia, de terras excepcionalmente férteis. As sanções foram acompanhadas por ataques especulativos ao rublo, que reduziram seu valor de 30 para o dólar para 60 (onde está hoje), tornando os produtos russos muito mais competitivos internacionalmente e estimulando o comércio exterior.

8. As infinitas ameaças vazias para impedir a Rússia de usar o sistema de mensagens interbancárias SWIFT levaram a Rússia a criar seu próprio sistema de pagamento, que agora está integrado ao da China. O confisco do fundo soberano russo de US$ 300 bilhões depositados em bancos ocidentais, juntamente com o congelamento dos fundos dos oligarcas russos, ensinou os russos a não confiar nos bancos ocidentais e a evitar manter seu dinheiro no exterior. Todas essas ações hostis no espaço financeiro abriram o caminho para uma resposta bastante comedida que instantaneamente tornou o rublo a moeda mais valiosa e estável do planeta, deixando o dólar e o euro vulneráveis ​​à hiperinflação.

9. A guerra de oito anos travada pelo exército ucraniano, com apoio inquestionável dos EUA/OTAN, contra a população civil russa no Donbass, produziu um entendimento muito específico em toda a população russa: que o Ocidente quer exterminá-la. [Ênfase adicionada pelo tradutor] Quando os ucranianos declararam que queriam construir bombas nucleares, e quando se descobriu que os laboratórios de armas biológicas do Pentágono na Ucrânia estavam trabalhando na criação de patógenos visando especificamente os russos, e quando, finalmente, ficou claro que não eram apenas os ucranianos, mas toda a OTAN estava por trás disso, que os ucranianos-mais-OTAN estavam prontos para lançar um ataque total, a Rússia se antecipou lançando sua própria Operação Especial. Por mais cínico que isso possa parecer, os oito anos anteriores de bombardeios de prédios cheios de idosos, mulheres e crianças, exibido ao vivo no noticiário noturno da Rússia, mas firmemente ignorado no Ocidente, foi fundamental para produzir índices de aprovação para a Operação Especial que atingiu 76%, com índices semelhantes para Putin, seu governo e até muitos dos governos regionais. Agora que, apesar dos carregamentos de armas ocidentais, os militares ucranianos estão sendo reduzidos a uma taxa que terminará em cerca de 20 dias (o calculado “Dia Z”), a Rússia está prestes a emergir como um vencedor absoluto na Terceira Guerra Mundial, que, assim como a Guerra Fria, que havia perdido, mal foi combatida. Isso restaurará a mística militar da Rússia de ser perpetuamente vitoriosa.

10. Finalmente, a Rússia deve ser grata pelos fundos generosos fornecidos ao longo dos anos pelos EUA e pelo Ocidente coletivo em apoio à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa na Rússia, o que significa propaganda pró-Ocidente. Primeiro, ajudou a liberar o espaço midiático da Rússia, a tal ponto que agora a Rússia está muito mais aberta à liberdade de autoexpressão do que qualquer um dos países europeus ou os EUA, com apenas um traço de censura corporativa ou cultura de cancelamento, que estão fora de controle no Oeste. Em segundo lugar, o ataque de propaganda ocidental foi tão grosseiro e arrogantemente estúpido que os russos, após processá-lo por alguns anos, agora riem abertamente da narrativa pró-ocidental, e as agências de pesquisa de opinião relatam o apoio russo às políticas pró-ocidentais apenas em quantidades vestigiais. O processo foi ajudado pelo puro ridículo de vários desenvolvimentos no Ocidente: cultura de cancelamento, MeToo, LGBT, operações de mudança de sexo infantil, promoção da pedofilia e todo o resto, o que produziu uma onda de repulsa. Essa reversão de 180º, das opiniões esmagadoramente pró-ocidentais do início dos anos 1990 à situação atual, é a coroação de toda a campanha de três décadas do Deep State para Tornar a Rússia Grande Novamente (MRGA).

Não desejo argumentar que a existência de MRGA no Deep State dos EUA seja comprovadamente verdadeira. Mas exorto você a seguir o famoso ditado de Arthur Conan Doyle de que “Uma vez que você elimina o impossível, o que resta, não importa o quão improvável, deve ser a verdade” e me deixe saber o que você acha.


Fonte: https://boosty.to/cluborlov/posts/51dbc820-6a1f-448f-a3d2-d01613219c76?share=post_link

7 Comments

  1. Mecatoi said:

    Excelente. Estou lendo todos os artigos do Orlov.

    22 November, 2023
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  2. Just looking said:

    A explicação está em tropa de elite 2: “O sistema não tem um planejamento central nem diretoria, parceiro. O sistema é um mecanismo impessoal, uma articulação de interesses escrotos.” É cada um tentando tirar o seu e eles só se comunicam quando sentem a necessidade existencial de fazê-lo

    29 May, 2022
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    • Quantum Bird said:

      Tropa de Elite ‘e um filme bem superficial, na verdade pouco se pode aproveitar dele. Uma série de validações de stigmas e estereotipos bem radicados na sociedade brasileira.

      31 May, 2022
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  3. Sensacional essa matéria, esclarece todos os acontecimentos na Ucrânia e Rússia, sem atacar ou reclamar!

    25 May, 2022
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  4. Quantum Bird said:

    Só pode ser um plano mesmo.. 🙂

    25 May, 2022
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  5. Fisher Tiger said:

    O nível de sarcasmo do Orlov é sempre muito bom! Muito interessante saber que no fim das contas a política de substituição de importações começou em 2014. Há muitos blogs russos dando atenção a esse tema e colocando exemplos, mas eu pensei que a iniciativa havia começado com a operação militar na Ucrânia, mas estava enganado.
    Esses blogs mostram vários casos fantásticos de produção de manufaturas, as novas áreas desenvolvidas, dificuldades impostas pelas sanções e alternativas encontradas.. é muito interessante, pois a Rússia acaba sendo um caso para dar mais atenção. Ainda mais que a América Latina quiser sair da sua situação de colônia. E essa maior vizualização recente do reformismo radical do Glazyev também contribuiu para a volta de alguma atenção a questão ao tema da substituição de importações.
    Ah sim, outra coisa que fica clara explorando esse mundo digital dos russos é o completo nojo que eles estão tomando dos países imperialistas. É tão bom ver que há pensamentos semelhantes entre povos tão distintos (rsrs).

    25 May, 2022
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  6. Paulo said:

    Sensacional! 😀

    25 May, 2022
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