Enlil (Frente Oriental) – Agosto 16, 2024
Mapa russo aproximado da situação em campo dia 13 de agosto; em amarelo território onde há forças ucranianas relativamente estáveis e a zona cinzenta que são as áreas de contato da expansão máxima ucraniana e sua contenção pela forças russas (Fonte: Dva Majors).
Há 10 dias a operação ucraniana no Oblast de Kursk tem chamado atenção no ocidente; e mais uma vez vemos a narrativa colegial de “analistas” de todo tipo apontam as “evidências” da incompetência, amadorismo, fraqueza dos russos e “tenacidade” dos ucranianos. Segundo a narrativa oficial ucraniana a ofensiva em Kursk, com pelo menos 6 mil homens e equipamentos de origem soviética/ucraniana (que ainda restam) e principalmente da OTAN (em torno de 3 Brigadas) iniciada em 6 de agosto, visa conquistar território e pontos estratégicos para barganhar em “negociações de paz” com os russos.
Em primeiro lugar não existem “negociações de paz” para os russos com um Estado que adotou prática sistemática de terrorismo e ataques contra civis dentro do território da Federação para a compensar o desastre nas frentes de combate. Aliás, sequer há governo legítimo em Kiev para tais negociações; em maio deste ano terminou o mandato legal de Volodymyr Zelensky.
Como outras vezes o avanço da atual “ofensiva ucraniana” foi rápido, agressivo e de fôlego curto; graças a uma vanguarda com uso intenso de Guerra Eletrônica em unidades móveis, UAVs FPV [1] e vários DRGs [2], houve uma progressão inicial considerável de forças blindadas a partir de uma área de linhas defensivas tênues, com cinturões florestais e pouco guarnecida da fronteira russa no Oblast de Kursk; após a surpresa inicial as limitações dessas forças, de sua logística, falta de reservas determinantes e de apoio aéreo delimitaram inexoravelmente a capacidade de ação ucraniana. Os russos racionalmente não retiraram forças de outras frentes em Karkhov e no Donbass (as mais próximas), nas quais estão em lento, seguro e progressivo avanço há meses, e enviaram forças adicionais, reservas, para conter e esmagar os ucranianos no Oblast de Kursk.
O cenário depois de pouco mais de uma semana de operação, tendo em vista a situação real das Forças Armadas Ucranianas, é evidente: os ucranianos são incapazes de penetrar com consistência em novas áreas e desenvolver novos eixos de progressão; a frente em Kursk é praticamente estável. As unidades ucranianas operam dentro dos limites máximos de uma “zona cinzenta” formada nos primeiros dias; foram contidas pelas forças russas e não conseguem avançar, apesar das tentativas ainda incessantes; ou seja, os ucranianos já não tem capacidade de ter iniciativa ofensiva efetiva.
Os russos atacaram centros de comando, pontos logísticos, de reservas e artilharia na retaguarda ucraniana no Oblast de Summy, já destruíram e/ou imobilizaram parte significativa dos carros de combate (valiosos e escassos), blindados e artilharia de longo alcance (como lançadores de MRLS [3] e TBMs [4] M142 HIMARS) utilizados na operação; vários veículos ucranianos foram capturados relativamente intactos, alguns modelos inéditos, como o APC [5] M1126 Stryker, que dificilmente seriam recuperados em tais condições das zonas cinzentas de outras frentes de combate no território da antiga Ucrânia. A maior parte dos blindados ucranianos na operação são veículos leves e sobre rodas (utilitários, MRAPs [6] e APCs); ou seja, ágeis, rápidos mas extremamente limitados para ataques contra posições bem defendidas, fortificadas e unidades blindadas pesadas; função de carros de combate e infantaria em IFVs [7]; os ucranianos avançaram com poucos carros de combate, T-64BV e T-80BV, para cumprir a tarefa de atacar seriamente, em profundidade, as defesas russas continuamente, inviabilizando a consolidação de posições em um avanço mais profundo.
Os ucranianos não tem reservas humanas e materiais para repor suas perdas, sustentar posições que tomaram temporariamente e manter iniciativa ofensiva efetiva; conquistar e ocupar território significa estabelecer permanentemente posições de observação e de tiro em pontos estratégicos, construir e mobiliar abrigos, construir trincheiras, áreas fortificadas, obstáculos de engenharia de combate, campos minados, ter uma linha logística com capacidade contínua de fornecimento de víveres, munições, insumos, hospitais de campanha, meios de evacuação de feridos, rotação de pessoal e controle de vias de acesso. Não há qualquer indício que os ucranianos estejam estabelecendo ou em condições de estabelecer esses elementos de ocupação permanente; pelo contrário, o deslocamento de forças blindadas, o transporte de suprimentos, armas, munição, equipamentos e infantaria adicionais pelas vias da incursão inicial ficam cada dia mais complicados e inviáveis com a ação da artilharia e da aviação de combate russa. De fato, o avanço ucraniano estagnou no quarto dia de “ofensiva” (10 de agosto). Como já observado, com os ataques russos na retaguarda ucraniana, mesmo que reforços possam ser enviados será uma fração do disponível em reserva originalmente; parte significativa já foi depreciada pela ação russa. De qualquer forma, se conseguirem enviar reforços, concentração ou colunas de material e tropas em vias altamente vigiadas por meios de reconhecimento é um prato cheio num cenário de alta intensidade infestado de UAVs e para a artilharia russa.
Os russos lutam em seu território assim como no Donbass e outros Oblasts da antiga Ucrânia e não será agora que adotarão a clássica tática criminosa dos EUA/OTAN de fazerem ataques aéreos indiscriminados que resultam em danos severos a infraestrutura e mortes de civis; seguirão sua tática de combate direcionado as forças inimigas. Após evacuarem com cuidado os civis das áreas de hostilidades a ações determinantes começaram; as forças ucranianas em campo estão dispersas, já não são unidades coesas com consciência situacional e objetivo tático claro pleno; não há uma linha de frente unificada e as reforços russos já estabilizaram a frente; as forças ucranianas operam em pequenos grupos móveis dispersos no território de avanço inicial e progressivamente estão sendo caçados e aniquilados; as unidade russas já estão na fase de limpeza em várias localidades; cercam pequenas unidades isoladas e as liquidam; lembrando que para os russos é oficialmente uma operação antiterrorista no Oblast de Kursk; logo, certas “sutilezas” são dispensadas.
Longe de não terem havido falhas, negligências de inteligência e segurança russas no Oblast de Kursk, que serão responsabilizadas, o que realmente interessa é o custo-benefício para os ucranianos dessa ação. Está cada vez mais evidente que foi mais uma ofensiva “midiática” para colocar de novo em evidência a “causa ucraniana” que já cansou o público médio ocidental e diversionária para desviar a atenção da situação real em outras frentes (que variam de adversas a catastróficas). O sistema de guerra psicológica ucraniano está a todo vapor na internet espalhando informações falsas de êxito, tanto para o público ocidental quanto numa tentativa amadora de semear pânico na população fronteiriça e desmoralizar o Exército Russo.
A tese que a operação também serviria para aliviar a pressão em outras frentes em que os ucranianos estão na defensiva também não é lógica militarmente; ou os ucranianos foram “ingênuos” o suficiente para acreditar que essas forças, que poderiam justamente reforçar frentes em situação crítica, atrairiam os russos que abandonariam sua progressão contínua ao longo do Donbass, por exemplo?
A Ucrânia é um buraco sem fundo que já consumiu centenas de bilhões de dólares desde fevereiro de 2022. A sobrevivência da gangue neonazista de Kiev e do fluxo colossal de corrupção entre Ocidente Coletivo-Ucrânia precisa de justificativas frequentes para não parar. É uma razão essencial dessa “ofensiva”. Lembrando que um esquema corrupto e muito lucrativo em moldes parecidos manteve EUA/OTAN no Afeganistão por 20 anos. A Guerra na Ucrânia está sendo muito lucrativa para ter um fim à vista.
Militarmente a invasão de Kursk é absoluta estupidez; as perdas materiais e humanas desse ataque não podem ser repostas a curto prazo, comprometem ainda mais outras frentes em que os ucranianos estão há meses na defensiva e perdendo terreno; algumas das unidades mais poderosas e bem equipadas das Forças Armadas Ucranianas estão sendo ceifadas nessa malfadada operação; além da grande perda de equipamentos piora o problema crítico de falta de pessoal; os ucranianos ainda racionais sabem muito bem que servir nas Forças Armadas é atestado de óbito ou invalidez garantido; há muito tempo o serviço de recrutamento ucraniano literalmente captura à força na rua, à luz do dia, cidadãos em idade militar (com requisitos cada vez mais rebaixados) para compor as cotas de mobilização que mantém o moedor de carne das posições estáticas ucranianas e as incursões suicidas contra as linhas defensivas russas; as perdas em Kursk também abrem um enorme flanco na defesa dos Oblasts de Summy e Kharkov; ao fim e ao cabo essa “ofensiva” só acelerará a derrocada ucraniana ao longo de outras frentes de combate. Kursk quiçá fique conhecida como uma das ações mais inúteis e insensatas dos ucranianos nessa guerra.
…
Enlil: Editor do canal público Frente Oriental no Telegram (https://t.me/frenteoriental), dedicado a História, Geopolítica e Defesa, com foco em China, Irã, Rússia e conflitos no Oriente Médio (sobretudo envolvendo as forças do “Eixo da Resistência” do Irã-Iraque-Síria-Líbano e Iêmen), na África e outras regiões da Ásia (sobretudo Central).
Notas:
– [1]. FPV: First Person View (Visão em Primeira Pessoa); UAV que transmite em tempo real o vídeo de sua câmera para um óculos/visor;
– UAV: Unmanned Aerial Vehicle (Veículo Aéreo Não Tripulado).
– Vide imagens de um UAV FPV e seu óculos/visor:
https://t.me/frenteoriental/5159
https://vk.com/wall-218316128_106
– [2]. DRG: Diversionary Reconnaissance Group (Grupo de Reconhecimento Diversionário). Destacamento de reconhecimento e sabotagem.
– [3]. MLRS: Multiple Launch Rocket System (Sistema de Foguete de Lançamento Múltiplo).
– [4]. TBM: Tactical Ballistic Missile (Míssil Balístico Tático); mísseis balísticos de curto alcance (inferior a 300km) para uso tático em campo de batalha.
– [5]. APC: Armoured Personnel Carrier (Blindado Transportador de Pessoal).
– [6]. MRAP: Mine-Resistant Ambush Protected (Resistente a Minas / Protegido Contra Emboscadas); veículo blindado utilitário projetado para resistir a minas terrestres e IED; há vários níveis de proteção.
– IED: Improvised Explosive Device (Dispositivo Explosivo Improvisado); os IEDs são geralmente utilizados em estradas (enterrados ou ocultos no terreno do entorno) e acionados por contato ou controle remoto.
– [7]. IFV: Infantry Fighting Vehicle (Veículo de Combate de Infantaria).
A Operação mais que Floppou.
Foi um voo de galinha essa Operação em Kursk.