Pepe Escobar – 22 de novembro de 2024
A reunião de cúpula do G20 no Rio de Janeiro, no início desta semana, ofereceu o espetáculo bastante intrigante de um mundo profundamente dividido, geopolítica e geoeconomicamente, tentando mostrar uma cara de “férias ao sol”.
Houve muita besteira para entreter o público atento. O presidente da França, Emmanuel Macron, cercado por uma equipe de segurança robusta, passeando na praia de Copacabana perto da meia-noite; a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, descalça na areia, atordoada pelas ondas; o hóspede da Casa Branca, o presidente dos EUA, Joe Biden – com seu prazo de validade vencido em menos de dois meses – perdendo a foto da família do G20 porque estava conversando com uma palmeira.
Logo antes da cúpula, Biden posou em um palco na floresta tropical, com dois teleprompters gigantes, comprometendo-se a salvar a Amazônia, enquanto seus manipuladores em Washington deixavam vazar a “autorização” para a Ucrânia atacar alvos dentro da Federação Russa com ATACMS; um preâmbulo qualificado para uma possível Terceira Guerra Mundial.
Com o Rio de Janeiro proporcionando um cenário deslumbrante, pelo menos os ânimos no renovado Museu de Arte Moderna, o local do G20 com o Pão de Açúcar ao fundo, estavam fadados a se acalmar. Isso permitiu até mesmo um aperto de mão curto e tenso entre o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, um verdadeiro líder do Sul Global, e o presidente da Argentina, Javier Milei, um trunfo dos EUA que odeia Lula.
China rouba a cena
O chefe de estado populista brasileiro, cujo capital político transcende todas as barreiras, foi, é claro, um mestre de cerimônias impecável, mas a verdadeira estrela do show foi o presidente chinês Xi Jinping – recém-saído de seu triunfo anterior, quando foi, para todos os efeitos práticos, coroado rei do Peru durante a cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) em Lima – com a inauguração do porto de Chancay, no valor de US$ 1,3 bilhão, o novo nó sul-americano da Rota da Seda Marítima do Pacífico.
Como a China tem tudo a ver com corredores de conectividade global, Chancay-Shanghai se tornou um novo lema instantâneo que soa em todo o Sul Global.
A função primordial de Pequim como motor e propulsor de cooperação na Ásia-Pacífico também se aplica à maioria dos membros do G20. A China é o maior parceiro comercial das 13 economias da APEC e é responsável por 64,2% do crescimento econômico da Ásia-Pacífico.
Esse papel principal se estende aos colegas da China do BRICS no G20, bem como às novas nações parceiras do BRICS, como a Indonésia e a Turquia. Compare isso com o contingente do G7/OTAN do G20, começando pelos Estados Unidos, cujas principais ofertas globais vão desde guerras eternas e revoluções coloridas até o uso de notícias e cultura, guerras comerciais, um tsunami de sanções e confisco/roubo de bens.
Portanto, como era de se esperar, havia uma séria tensão subjacente permeando o G20, especialmente quando se tratava do confronto entre o G7 e a parceria estratégica Rússia-China. O presidente russo, Vladimir Putin, nem se deu ao trabalho de comparecer, enviando seu supercompetente ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov.
Quanto a Pequim, após sete anos de guerra comercial e tecnológica combinada por Trump e Biden, a economia chinesa continua a crescer 5,2% ao ano. As exportações agora representam apenas 16% do PIB da China, portanto, a potência econômica é muito menos vulnerável às maquinações do comércio exterior. E a participação dos EUA nesses 16% é agora de apenas 15%, ou seja, o comércio com os EUA representa apenas 2,4% do PIB chinês.
Mesmo sob o que pode ser descrito como as sanções tecnológicas totais do OTAN, as empresas chinesas de tecnologia estão crescendo a uma velocidade vertiginosa. Como resultado, todas as empresas ocidentais de tecnologia estão em sérios problemas: encolhimento maciço, redução de fábricas e fechamentos.
Enquanto isso, o superávit comercial da China com o resto do mundo aumentou para um recorde de um trilhão de dólares americanos. Isso é o que os economistas ocidentais, horrorizados, qualificam como a China em uma “rota de colisão” com algumas das maiores economias do mundo (em declínio).
Esforços para “ucranizar” a agenda do G20
Os brasileiros tiveram que se esquivar de algumas balas de precisão para obter algum sucesso nessa cúpula do G20. A Think-Tanklandia dos EUA, na véspera da cúpula, fez uma campanha de propaganda total, acusando as nações do BRICS de não fazerem nada além de se posicionar e reclamar. O G20, ao contrário, com “todos os principais credores na mesa”, pode ser capaz de corrigir “queixas financeiras” e déficits de desenvolvimento.
Os brasileiros foram espertos o suficiente para entender que um bloco endividado da OTAN, com uma liderança política menor do que zero, não faria nada no âmbito da estrutura do G20 para reparar “queixas financeiras”, sem mencionar a contribuição para “emancipar” as nações do Sul Global.
A única coisa que interessaria às elites financeiras do Hegemon em uma reunião do G20 seria “aprofundar as parcerias”, um eufemismo para mais cooptação e vassalagem, de olho em 2026, quando os EUA sediarão o G20.
A China, assim como o Brasil, tinha outras ideias. Entra a campanha de combate à fome e à pobreza, lançada oficialmente no Rio. O Global Times enfatizou novamente como a China “tirou todos os 800 milhões de pessoas da pobreza e alcançou as metas de redução da pobreza da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável antes do previsto”.
Em seu discurso no G20, Xi conclamou todos os membros a “começar de novo a partir do Rio”, praticando a “globalização inclusiva” e o “verdadeiro multilateralismo”. O Otan, como todo grão de areia do deserto do Sahel sabe, simplesmente abomina o multilateralismo.
O tema oficial do Rio G20 foi “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”. As classes dominantes do Hegemon, independentemente de quem esteja sentado na Casa Branca, não estão interessadas em um “mundo justo”, apenas em manter o privilégio unilateral. Quanto ao “planeta sustentável”, é um código para o que a Gangue de Davos quer: a imbricação tóxica de interesses da ONU, do Fórum Econômico Mundial (WEF) e da OTAN.
O G7/OTAN tentou, de fato, por todos os meios, sequestrar a agenda do G20 do Rio, conforme confirmado por fontes diplomáticas. No entanto, os brasileiros se mantiveram firmes na defesa da multipolaridade liderada pelo Sul Global, negociando uma agenda de compromisso que, para todos os fins práticos, evitou se aprofundar nas últimas guerras eternas do Hegemon, Ucrânia e Gaza.
Com a OTAN como um todo apoiando de fato o genocídio de Gaza, a Declaração Final de 85 pontos do G20 poderia, na melhor das hipóteses, oferecer algumas generalidades consensuais, pelo menos pedindo um cessar-fogo em Gaza – que foi prontamente vetado pelos EUA no Conselho de Segurança da ONU imediatamente após a conclusão da cúpula do G20.
Lavrov, em sua coletiva de imprensa do G20, ofereceu algumas informações adicionais. Ele disse que, embora o Ocidente tenha “tentado ‘ucranizar’ a agenda do G20, outros membros insistiram que outros conflitos fossem incluídos na declaração final… Esses países concordaram relutantemente em discutir os pontos da declaração final do G20 sobre o Oriente Médio [Ásia Ocidental]”.
Indonésia, Índia, Brasil, África do Sul
A marca pessoal de Lula no G20 representou um movimento do Sul Global: estabelecer uma aliança contra a fome, a pobreza e a desigualdade social e, ao mesmo tempo, impor impostos adicionais aos super-ricos. O diabo estará nos detalhes, mesmo que mais de 80 nações já tenham se inscrito, além da UE e da União Africana (UA), juntamente com várias instituições financeiras e uma série de ONGs.
A aliança deve, em princípio, beneficiar 500 milhões de pessoas até 2030, incluindo a expansão de refeições escolares de qualidade para mais de 150 milhões de crianças. Ainda não se sabe, por exemplo, como a UA fará isso acontecer na prática.
No final, até certo ponto auspicioso, o Rio G20 funcionou como uma espécie de complemento à cúpula do BRICS em Kazan, tentando pavimentar o caminho para um mundo multinodal inclusivo emoldurado pela justiça social.
Lula enfatizou significativamente a principal conexão que liga os últimos G20s: o Sul Global – que vai desde a Indonésia, Índia e agora o Brasil até a África do Sul, que sediará o G20 no próximo ano, trazendo “perspectivas que interessam à grande maioria da população mundial”. A propósito, isso inclui três BRICS e um parceiro do BRICS.
Em um nível pessoal, foi uma experiência e tanto observar o G20 recém-saído de uma série de diálogos ricos na própria África do Sul, centrados na construção da unidade africana em um mundo multipolar.
O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa reiterou isso quando disse no Rio que essa passagem de bastão do Brasil é a “expressão concreta dos laços históricos, econômicos, sociais e culturais que unem a América Latina e a África”. E unem, esperamos, toda a Maioria Global.
Fonte: https://thecradle.co/articles/g20-knocks-out-g7-agendas
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