Pepe Escobar – Amplamente compartilhado. Traduzido e publicado aqui com a permissão do autor – 21 de abril de 2025
Especial Xangai: como a China se une para responder às tarifas
Direto de Xangai: como a China se mobiliza, em todos os níveis, para enfrentar tarifas sem limite

XANGAI – Não poderia haver um lugar mais estratégico para passar esses últimos dias de tensão com o Frenesi Tarifário de Trump [TTT – o original em inglês “Tump Tarif Tizzy” é uma paródia ao que alguns chamam de Teoria Tarifária de Trump (Trump Tariff Theory) – nota do tradutor] do que Xangai – a capital comercial e cultural da China.
Do topo da torre Jin Mao, no distrito financeiro de Lujiazui, em Pudong, um companheiro art déco elegantemente discreto do arranha-céu do World Financial Center – o símbolo do poder econômico da China – é como se os raios de uma roda se irradiassem para o Bund [ zona costeira e um distrito histórico protegido no centro de Xangai – nota do tradutor] e além, acompanhando um impulso incessante para neutralizar a idiotice absurda do “Imperador das Tarifas”, incessantemente ridicularizado em inúmeras plataformas de mídia social chinesas.
Tive o privilégio de transitar do Bund Financial Center, que abriga, entre outros, a Fosun Foundation – uma obra-prima arquitetônica inspirada em bambu – para a China Academy, no imaculado campus da Universidade de Fudan, onde compartilhei um seminário com o famoso professor Zhang Weiwei e uma mesa redonda com os melhores alunos de doutorado de várias disciplinas. O professor Zhang Weiwei é o principal conceitualizador da China como um estado civilizatório.
O tema principal de nosso seminário foi a parceria estratégica Rússia-China, mas inevitavelmente o foco mudou para a lógica por trás do Imperador das Tarifas. As perguntas dos alunos foram as mais incisivas possíveis. Isso foi detalhado em uma entrevista aprofundada para a China Academy, apresentada por seu diretor, o formidável Pan Xiaoli.
Uma visita à sede do Guancha – o principal site independente de notícias/análises da China, cujos vários canais em várias plataformas diferentes atingem um número surpreendente de 200 milhões de pessoas – não poderia ter sido mais oportuna. Guo Jiezhen, pesquisador do China Institute, que participou de nossa mesa redonda na Universidade de Fudan, apresentou uma das análises mais astutas sobre o que ele descreve como a “técnica de ganhar dinheiro desvairada” de Trump.
Enquanto nos reuníamos com o novo editor-chefe do Guancha, He Shenquan, e discutíamos com a especialista em relações internacionais Kelly Liu e Yang Hanyi, oficial de comunicação do China Institute, assistimos juntos a um podcast excepcional com o coronel do PLA Wang Lihua, Gao Zhikai, vice-diretor do Center for China and Globalization (CCG), e o sempre essencial Li Bo, presidente do Shanghai Chunqiu Development Strategy Institute.
E foi aí que a lendária formulação de Mao Tsé-tung nos anos 60 sobre os EUA como um “tigre de papel” – citada em tudo, desde slogans da guerrilha latino-americana até filmes de Godard – ressurgiu com força total.
Wang Lihua retomou o que o Presidente Xi havia dito a Putin em sua reunião histórica no Kremlin, há dois anos: estamos no meio de mudanças nunca vistas em 100 anos.
Wang: “Essa mudança não pode ser feita de uma só vez, e a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos não será resolvida de uma vez por todas. Esse tipo de atrito e luta, nas palavras do Presidente Mao, é ‘criar problemas, fracassar, criar problemas novamente, fracassar novamente, até a destruição'”.
Wang concluiu com o que pode resumir o sentimento geral na China, identificado em todos os cantos de Xangai: “É difícil para os Estados Unidos se consertarem por dentro. Agora, os Estados Unidos precisam enfrentar a China e o mundo inteiro, e sua força obviamente não é suficiente, portanto, o fracasso é inevitável. Não temos medo de uma guerra prolongada, porque o tempo está do nosso lado.”
A China “não tem medo da guerra”, seja qual for sua manifestação, de híbrida a quente, é o sentimento consensual em Xangai, emprestado do conceito maoista de “frente unida”, e adotado por acadêmicos e líderes empresariais a residentes de “bairros modelo” da era maoista ainda impecavelmente preservados – e com um olhar para a inovação (exemplo: fileira após fileira de tomadas elétricas para alimentar a variedade de bicicletas elétricas estacionadas nos pátios internos).
O “tigre de papel” ataca
Foi imensamente esclarecedor participar de jantares de negócios com executivos e vendedores de várias províncias chinesas, desde a deslumbrante Pei Mansion, um dos mais belos edifícios do início do século XX em Xangai, onde o famoso arquiteto I.M. Pei morou por um ano, até o melhor restaurante de Xinjiang da cidade, o Ali Yang, no World Financial Center, com toda a experiência do cordeiro uigur.
Em todas as conversas e debates, uma constante: nenhuma ilusão sobre a estratégia de mudança de Trump 2.0 e como ela deve ser virada contra ele, no estilo Sun Tzu; como a China deve acumular um conjunto sólido de moedas de troca; e, acima de tudo, como, desde o início, essa sempre foi uma guerra de uma seção de elite das classes dominantes americanas contra a China. O resto do mundo é um espetáculo à parte.
Portanto, não é de se admirar que, em todos os jantares de negócios, após um banquete gastronômico incomparável, a conversa logo se voltava para o fato de que a estratégia da China não se resumirá ao controle imediato de danos; e que a China já está de olho em novos vínculos e nós para aprofundar sua competitividade global de longo prazo.
É uma questão em aberto se Trump 2.0 e sua equipe de sinofóbicos conseguirão impedir o surgimento de uma aliança estratégica da Maioria Global contra o Império do Caos.
Em Xangai, e em toda a China, a submissão simplesmente não é uma opção. Em termos culturais, Trump conseguiu antagonizar 1,4 bilhão de chineses, simultaneamente, ao tratar o estado civilizatório sem respeito. A única coisa que mais irrita os chineses são os maus-tratos (veja, por exemplo, o “século da humilhação”).
Uma guerra comercial total? Desacoplamento profundo? Vamos lá.
O Imperador das Tarifas atingiu especialmente as cadeias de suprimentos do Sudeste Asiático – Vietnã, Camboja, Laos e Mianmar. Para todos os 10 países da ASEAN, seu principal parceiro comercial é a China. O IED chinês é muito importante no Camboja e na conturbada Mianmar pós-terremoto. Não há dúvida de que a ASEAN terá que agir de maneira “estrategicamente multilateral”.
A oportuna turnê do presidente Xi pelo Vietnã, Camboja e Malásia já está definindo o tom – corroborado pelo ministro das Relações Exteriores, Wang Yi: “O Sudeste Asiático chegou a um consenso: ficaremos unidos e diremos não a essas ações retrógradas e regressivas”.
O Trump Tariff Tizzy (TTT) é uma guerra contra o BRICS e a ASEAN – e a crescente presença da ASEAN no BRICS, como membros plenos (Indonésia) e parceiros (Malásia, Tailândia, Vietnã). Os principais intelectuais chineses têm plena consciência disso. Trump, por sua vez, considerando seu histórico, nem sequer sabe o que o BRICS e a ASEAN realmente significam.
Nas reuniões preparatórias dos sherpas do BRICS antes da cúpula no início de julho no Rio, já há um movimento sério para neutralizar o “protecionismo sem precedentes” da guerra comercial de Trump, conforme formulado pelo Ministério da Agricultura do Brasil. Trump já emitiu uma ameaça de marca registrada: uma tarifa de 150% sobre os membros do BRICS. A China, principal membro do BRICS, não está intimidada.
Ocupado construindo um consenso global contra o bullying
Enquanto isso, em Pequim, paralelamente a todo o frenesi intelectual em Xangai, Jensen Huang, CEO da Nvidia, vestindo um terno de negócios (ele prefere jaquetas de couro) em sinal de respeito e falando em inglês (apesar de ter nascido em Taiwan), teve uma reunião muito importante com Ren Hongbin, presidente do Conselho Chinês para a Promoção do Comércio Internacional (CCPIT).
Portanto, aqui temos o CEO multibilionário de um gigante americano de chips dizendo ao governo chinês, pessoalmente, que sua empresa continua totalmente comprometida com o mercado chinês, apesar das rígidas restrições à exportação de chips de IA impostas por Trump 2.0.
Um novo livro, The Thinking Machine: Jensen Huang, Nvidia, and the World’s Most Coveted Microchip, é uma leitura essencial para entender como Huang pensa. Ele é um imigrante asiático que veio da pobreza; personifica o sonho americano da velha guarda; não aceita bobagens de ninguém; e é hipercompetitivo. Huang tem plena consciência de que a Nvidia simplesmente não pode perder o mercado chinês; além disso, ele sabe que, antes de 2030, os engenheiros chineses lançarão sua própria GPU e poderão colocar a Nvidia fora do mercado.
De volta a Xangai, voando do Aeroporto de Pudong, foi fácil ver por que o tráfego de passageiros aéreos da China atingiu um recorde no primeiro trimestre de 2025, mesmo em um clima de “crise” e concorrência acirrada, incluindo o trem de alta velocidade. Acrescente a isso o tsunami humano que toma conta da Nanjing Road em uma sexta-feira à noite; isso exige fileiras e mais fileiras de policiais militares para disciplinar o fluxo humano em ambos os lados do shopping a ceu aberto.
Crise do consumidor? Que crise? Paralelamente, do outro lado do Pacífico, o Taobao agora é o número 2 – e continua crescendo – na loja de aplicativos da Apple nos EUA; todos estão ansiosos não apenas pelos vídeos virais do TikTok, mas também para fazer compras ilimitadas de produtos acessíveis fabricados na China.
No campo militar, a China acaba de criar uma bomba de hidrogênio não nuclear. Sem urânio, sem plutônio. Apenas uma solução inigualável de composto químico/engenharia. Impérios em declínio que travam guerras por procuração são tão do século passado. A nova bomba chinesa pesa apenas 2 kg; dura quinze vezes mais do que o TNT; e sua bola de fogo ultrapassa 1.000 graus Celsius.
A principal lição desses últimos dias de glória em Xangai pode ser o fato de que a China agora está firme e estrategicamente concentrada em todo o planeta para ocupar o lugar de destaque moral.
O Frenesi Tarifário de Trump (TTT) pode não melhorar o déficit comercial americano; o que está claro é que ele já implodiu a confiabilidade americana.
Além disso, a prioridade absoluta da China vai muito além do comércio global: todos que conhecem o pensamento de Xi Jinping sabem que se trata de alcançar a “modernização nacional”, a unificação e a criação, com parceiros em todos os continentes, de uma “comunidade de futuro compartilhado”.
Portanto, em termos geopolíticos e geoeconômicos, esse é o mapa do caminho a seguir: Xangai está mostrando que a China está apreciando seu novo papel como um farol de resistência, empenhada em desafiar o bullying, ocupada em construir um consenso de Maioria Global. É tudo uma questão de paciência estratégica – que um Império caótico fora de controle simplesmente não tem.
Fonte:https://telegra.ph/The-Shanghai-spirit-China-will-take-no-bullying-04-21-4
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