Nota do Saker Latinoamérica: Quantum Bird aqui. A disposição da elite europeia de omitir, passar pano, quando não, justificar diretamente, o papel de Israel é surpreendente. Ainda assim, o artigo é valido por permitir contemplar um lampejo — tênue — de realismo dentro de alguns círculos diplomáticos europeus. O quanto este posicionamento ressoa no resto do continente? Seja como for, tenho umas novidades para o Sr Mora:
Irã acaba de aprovar uma lei terminando a colaboração com a IAEA:
A lei que põe fim a toda a cooperação entre o Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) foi aprovada pelo Parlamento e pelo Conselho dos Guardiães e foi oficialmente enviada ao presidente para assinatura. Fonte: https://t.me/Middle_East_Spectator/21145
A inteligência Iraniana flagrou a IAEA, e mais especificamente Rafael Grossi, coordenando as atividades de inspeção e compartilhando informações sobre as instalações Iranaians com Israel e outras agencias de inteligencia ocidentais. Todos atores envolvidos nos ataques ao Irã:
A primeira parte dos documentos israelenses apreendidos pelo Irã foi publicada pela Fars News, revelando uma extensa comunicação entre Rafael Grossi, atual diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e indivíduos israelenses. Fonte: https://t.me/Middle_East_Spectator/19338
Ou seja, agora já era…
Para entender a magnitude da mudança, é necessário relembrar a essência do JCPOA. Desde seu início, em 2005, a negociação nuclear baseou-se em um quid pro quo muito simples de formular: o Irã concordaria em limitar seu programa nuclear, sujeitando-o a um rigoroso regime de verificação internacional; em troca, a comunidade internacional suspenderia as sanções econômicas, inicialmente impostas pelo Conselho de Segurança da ONU.
Esse equilíbrio, finalmente consagrado em 2015 com o JCPOA, funcionou. Ele permitiria ao Irã um programa nuclear que só poderia ter uso civil conforme as especificações técnicas do acordo e sujeitaria esse programa ao monitoramento constante da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Em troca, o Irã poderia se reintegrar ao comércio internacional e ter acesso a financiamento.
“Embora não tenha abandonado o Tratado de Não-Proliferação, a vontade política de Teerã de aceitar inspeções em suas instalações nucleares evaporou-se”.
Obviamente, essa negociação tem como ponto de partida um conhecimento preciso das capacidades nucleares do Irã, a chamada linha de base do programa nuclear, estabelecida pela AIEA. Em outras palavras, saber exatamente o que o Irã tinha, o que estava fazendo e onde estava fazendo. Somente com esse conhecimento as negociações poderiam ser conduzidas realistamente. E essa era a base para medir qualquer progresso, desvio ou não conformidade. O bombardeio dos EUA destruiu essa possibilidade. Embora não tenha abandonado o Tratado de Não Proliferação, a vontade política de Teerã de aceitar inspeções em suas instalações nucleares, ou no que restou delas, evaporou. O que conhecemos como diplomacia nuclear com o Irã, repetidamente invocada por esse segundo governo Trump até quase o dia do bombardeio, pereceu simplesmente porque a base sobre a qual ela foi fundada desapareceu.
Então, do que estão falando aqueles que ainda pedem que o Irã “volte à mesa de negociações”?
Todos nós que estivemos envolvidos nas negociações nucleares com o Irã estamos cientes de uma realidade. Poderiam ser estabelecidos limites quantitativos: quantas centrífugas, quanto urânio enriquecido, até que porcentagem poderia ser enriquecido, retrocedendo no que o Irã havia feito nos últimos anos. Mas o que eles não podiam retroceder era o conhecimento adquirido pelos cientistas e engenheiros nucleares iranianos (frequentemente alvo de assassinatos israelenses). Essa verdade foi mais dolorosa para aqueles de nós que negociaram de 2021 a 2022 (e novamente em 2024 com o novo governo iraniano) do que para aqueles que o fizeram entre 2013 e 2015. E muito mais do que para aqueles que começaram a negociar em 2005.
Os engenheiros iranianos dominam todo o ciclo do combustível nuclear. Eles também desenvolveram mísseis e veículos de entrega com tecnologia própria. Essas são duas das três condições necessárias para um país desenvolver uma arma nuclear. A terceira, chamada de armamento — a capacidade de miniaturizar e anexar um dispositivo explosivo a uma ogiva militar operacional — não foi desenvolvida segundo os serviços de inteligência dos EUA (Trump não precisa mentir como Bush Jr.). Mas, obviamente, não se trata de uma barreira técnica intransponível. É uma questão de tempo e vontade política.
É nesse ponto que o ataque de 21 de junho pode ter sido decisivo. Nunca os EUA haviam atacado diretamente o solo iraniano. Esse ataque sem precedentes mostrou, pela segunda vez, ao regime islâmico que a diplomacia nuclear é reversível, frágil e vulnerável a mudanças de governo em Washington. Não haverá uma terceira vez.
Voltando à pergunta anterior, do que alguns — França, Alemanha, Reino Unido e outros — estão falando quando apelam para a necessidade de “voltar à mesa de negociações”? Eles não estão se referindo ao que está enterrado e morto em Fordó ou Natanz, mas ao que está enterrado e vivo nas cabeças dos engenheiros iranianos. O acordo agora seria um compromisso do Irã de não desenvolver um plano nuclear, mesmo para fins civis, em troca da suspensão das sanções econômicas. É realista esperar que o Irã ofereça esse compromisso e que os EUA o recompensem com a suspensão das sanções? Washington sempre teve enormes problemas para conseguir o alívio das sanções no Senado em troca de ações objetivas, como o desmantelamento de centrífugas ou o envio de urânio enriquecido para fora do Irã. Não parece razoável pensar que as sanções serão suspensas em troca de um compromisso, um pedaço de papel no qual a República Islâmica afirmará que “não fará mais nada”, uma mera declaração de intenção acompanhada, talvez, de algumas medidas simbólicas de transparência.
Se do lado dos EUA esse possível acordo não tem sentido, do lado iraniano ele soa como uma piada macabra (exceto taticamente para impedir os ataques israelenses). Um compromisso de não desenvolver atividades nucleares é inconcebível quando quase todos os países do Golfo estão fazendo isso. E estão fazendo isso sob o peso de bombas. Não, a diplomacia nuclear está morta.
Se o Irã decidir agora dar o terceiro passo, a militarização de suas capacidades nucleares, se decidir agora avançar em direção à bomba, ele o fará devido a uma lógica estratégica óbvia: ninguém bombardeia a capital de um país com armas nucleares. O dia 21 de junho de 2025 pode entrar para a história não como o dia em que o programa nuclear do Irã foi encerrado, mas como o dia em que um Irã com armas nucleares foi irreversivelmente forjado.
* Enrique Mora é um diplomata espanhol sênior. Anteriormente, atuou como chefe de gabinete do Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança Comum, Josep Borrell, e como secretário-geral adjunto do Serviço Europeu de Ação Externa (EEAS). Mora esteve profundamente envolvido nas negociações nucleares com o Irã de 2021 até o início de 2025.
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