Dmitry Orlov – 10 de maio 2022 – [Traduzido e publicado com a permissão do autor]
Apoie a escrita de Dmitry Orlov no: https://boosty.to/cluborlov
Um pouco incomum para mim, mas este post é um relatório real do terreno (acompanhado de alguns comentários). Ontem, 09 de maio de 2022, participei de uma marcha com um milhão de pessoas pela Avenida Nevsky em São Petersburgo: a marcha anual do Regimento Imortal. Um milhão de pessoas (provavelmente um pouco mais) marcharam sob retratos de seus parentes que lutaram na Grande Guerra Patriótica (também conhecida como Segunda Guerra Mundial). Marchamos sob um retrato dos avós de minha esposa, que serviram juntos no corpo de sinalização e se deram tão bem que minha sogra nasceu alguns meses antes da queda de Berlim. Eles viveram vidas longas e felizes; mas muitos outros participantes marcharam sob retratos de pais, avós e bisavós, cujas vidas foram cortadas. Alguns morreram em batalha; muitos outros morreram de maus-tratos às mãos dos nazistas. Foi uma tragédia de proporções imensas e quase nenhuma família em Leningrado/São Petersburgo permaneceu intocada por ela, mas a imensidão da tragédia é igualada pela imensidão da vitória, e o poder bruto de um “Hurra!” varrendo vários quilômetros da avenida Nevsky, de seis pistas, cercada parede a parede, foi tremendo.
Nessa guerra, a Rússia derrotou a Alemanha nazista e (como é frequentemente esquecido) também a Romênia, a Finlândia, a Itália, a Hungria, a Eslováquia, a Croácia e a Áustria, que enviaram suas tropas para território russo, assim como numerosos mercenários e voluntários da Holanda, Dinamarca, Noruega, Suécia, França e Espanha, e, naturalmente, da Grã-Bretanha e dos EUA, que financiaram os nazistas alemães e lhes forneceram tecnologias-chave e combustível. Assim, a vitória russa não foi sequer especificamente contra a Alemanha, mas contra o Ocidente combinado. O custo na vida humana foi absolutamente espantoso — uma tragédia humana além da compreensão — mas a maioria dos russos lhe dirão que valeu inteiramente a pena. Além disso, muitos russos dirão que repetirão a lição, se necessário.
Felizmente, como acontece com frequência na História, a tragédia está se repetindo como uma farsa. No lugar de Hitler, temos o alemão Bundeskanzler Liverwurst que fez nome na Rússia: ele pensou em voz alta ao referir-se a dezenas de milhares de vítimas civis acumuladas durante oito anos de bombardeios ucranianos em Donetsk e Lugansk como “algo como genocídio… é realmente ridículo”. O ridículo não pára por aí: há a apropriadamente nomeada “menina ginecologista” Ursula von der Lyin’ encarregada de mentir para toda a União Europeia, e as várias ministras estrangeiras e de defesa que gostam de ir de carona nos tanques da OTAN (uma humilhação ritualista para qualquer político, mas estas são estúpidas demais para perceber isso).
E depois, há o resto da OTAN, que parece impressionante apenas no papel e continua enviando todo tipo de lixo militar inútil, ou obsoleto, para a Ucrânia, onde é roubado no caminho ou explodido remotamente pelos russos. O pouco que chega à frente acaba sendo abandonado aos montes pelos ucranianos em retirada que são, neste momento, na sua maioria recrutas crus que odeiam seus comandantes com paixão e estão muitas vezes ansiosos para se render – porque, veja, a Ucrânia nazista está ficando sem nazistas! Os nazistas fazem parte de um culto à morte neopagão, estão usando drogas especiais de campo de batalha que os americanos têm fornecido, e assim tendem a lutar até à morte, mas seus números estão sendo bem reduzidos pela artilharia russa. Os russos estão tratando toda a “Missão Especial de Desmilitarização e Desnazificação da Ucrânia” (SMODDU) como um exercício de treinamento de fogo vivo e estão atualmente ocupados com a rotação de suas tropas.
A ideia parece ser a de rotacionar todo o exército profissional russo através da missão ucraniana (há uma proibição permanente de usar reservistas ou recrutas). Indo estritamente pelos números até agora, isto levará mais quatro meses. Até lá, a Ucrânia não terá mais um exército (a desmilitarização será concluída) enquanto a desnazificação é mais um negócio de porta em porta e não envolverá muito uso de poder de fogo. Embora algumas pessoas sonhem com o envolvimento direto da OTAN em uma luta contra a Rússia, e os poloneses em particular estejam se agitando positivamente para aderir à luta — estando sempre tão ansiosos para fazer a coisa mais absolutamente errada e autodestrutiva — eu não vejo outra divisão da Polônia (o método tradicional de acalmar seus espíritos nacionalistas inquietos) como bastante improvável. Parece muito mais provável que, como um efeito colateral do SMODDU, das sanções anti-russas e do subsequente colapso econômico, a OTAN será abandonada à beira da estrada como um Humvee ucraniano bombardeado, e nesse momento será seguro declarar a repetição da farsa da Segunda Guerra Mundial como completa e o Culto da Vitória Russa pronto para continuar por mais 70 anos, completo com novos heróis, obeliscos, chamas eternas e marchas do Regimento Imortal.
Existem, é claro, outros cenários possíveis, mas todos eles são simplesmente piores – para todos. Um elemento essencial do Culto da Vitória Russa é que a Rússia vença. O papel das forças armadas russas, tanto pela intenção como pelo projeto, é puramente defensivo; a Rússia nunca ataca, mas sempre destrói os atacantes. Esta é uma questão doutrinária e não está aberta a discussão. As únicas pequenas modificações a esta doutrina são:
— Primeiro, que a Rússia não vai esperar para ser atacada uma vez que fique claro que um ataque é inevitável (como foi o caso com a Ucrânia), ele será evitado.
— Segundo, que a luta não acontecerá em solo russo, mas será levada ao atacante e, em particular, a resposta será dirigida não apenas à força atacante, mas àqueles que a ordenaram atacar, seja em Bruxelas, em Washington, ou em qualquer outro lugar.
— Em terceiro lugar, o papel da defesa se expandiu de defender apenas o território russo para defender os civis russos em qualquer lugar do mundo em que eles vivam (como na antiga Ucrânia Oriental e Meridional).
— E, finalmente, se uma vitória russa for impossível, também não será possível para ninguém porque todos eles estarão mortos. “Iremos todos para o céu como mártires, e eles morrerão como cães porque não terão a chance de se arrepender”, disse Putin. “De que nos serviria a Terra se não houver a Rússia nela?” é outra citação memorável sua. Pentagônacos variados e Hausfrauen ministerial da UE tenham cuidado: estas não são piadas. [Ênfase adicionada pelo tradutor.]
O Culto da Vitória Russa é um culto estatal, generosamente apoiado pelo governo russo. Seus santuários e templos — as estátuas, os obeliscos, as chamas eternas — são omnipresentes: quase todas as cidades e vilas de qualquer tamanho têm pelo menos uma. É uma espécie de adoração dos antepassados completa com música e ritual. Não é religioso, mas tem um elemento místico: diz-se que as almas dos heróis caídos se transformam em garças brancas — aves migratórias majestosas e muito amadas que circulam entre a Eurásia e a África, construindo ninhos por toda a Rússia durante os meses de verão. O Regimento Imortal é uma de suas expressões que surgiu espontaneamente há relativamente pouco tempo e se espalhou pelo mundo. Embora o culto seja essencialmente secular, seus templos e santuários são tratados como sagrados e sua destruição, como tem sido feito na Ucrânia, na Polônia, na República Tcheca e em outros lugares, são considerados atos de profanação que devem ser vingados. Essa vingança com certeza será servida ao estilo russo-extra-frio. Os profanadores sofrerão com o frio e a fome e os russos, do outro lado da fronteira, quentes e bem alimentados, encolherão os ombros e sorrirão enigmaticamente e não levantarão um dedo para ajudar. A falta de temperamento e a paciência são traços particulares da Rússia. Durante a marcha do Regimento Imortal, ontem, alguma mulher gritou “Glória à Ucrânia”, de lado. (Este é um slogan nacionalista, junto com “Ucrânia über alles“– ou “ponad usé“). Ela foi cumprimentada com alguns gritos estrondosos – “Cale-se, tola!” – e a multidão seguiu.
Além dos retratos dos mortos, a multidão exibia certos símbolos específicos – muito específicos. A maioria das pessoas usava fitas listradas pretas e laranjas de São Jorge em suas lapelas. Havia muitas bandeiras russas e muitas bandeiras da vitória – réplicas da bandeira do regimento que foi colocada no topo do Reichstag na queda de Berlim. Havia ainda algumas bandeiras soviéticas, mas sua presença era notável. Finalmente, havia apenas um punhado de bandeiras religiosas, especificamente o Mandylion de Cristo. E, é claro, as garças brancas, cujos recortes foram pendurados como decorações do outro lado do rio Fontanka.
Há uma canção que acompanha esta imagem, interpretada pela inimitável Zoe, que é, tanto na vida quanto na arte, uma goofball. Seu comportamento, incaracteristicamente sério nesta ocasião, reflete a seriedade mortífera do assunto.
https://www.youtube.com/watch?v=MY3Saf232N0
Fonte: https://boosty.to/cluborlov/posts/5a96d67a-5568-4e6b-8c55-4715c5a87e3c?share=post_link
Be First to Comment