Quantum Bird – 15 abril 2025
Colapso de sociedades sempre foi um tema quente e recorrente em diversas disciplinas de estudos humanos. As seguintes questões perturbam o sono dos estudiosos do tema:
1 – Como reconhecer um processo de colapso em curso?
2 – Quais são as causas do colapso?
3 – Como evitar o colapso?
São perguntas cabeludas. Embora exista literatura analítica abundante, com níveis variados de qualidade, ainda não temos uma formulação geral que permita uma compreensão unificada do fenômeno. Por outro lado, a análise arqueológica post-mortem de sociedades colapsadas tem quase sempre revelado que o colapso final é precedido por um período de agitação e desfuncionalidade social e administrativa, com elites dirigentes tomando decisões aparentemente ilógicas e absurdas que parecem intencionadas a acelerar o próprio colapso.
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Foi leitura do ensaio “A User’s Guide to Restructuring the Global Trading System” (Um guia do usuário para restruturar o sistema global de comércio), de Stephen Miran, que me fez refletir sobre a conjuntura de uma sociedade em colapso. Mais especificamente, sobre a perda da capacidade reflexiva e executiva das elites que gerem sociedades em colapso.
Em Física, causalidade é um conceito central. A causa antecede o efeito no tempo, e não existem prescrições ou receitas mágicas: um fenômeno é compreendido se suas causas e seus efeitos são conhecidos, e as relações entre eles são formalizáveis matemática e logicamente. Caso contrário, o fenômeno não é compreendido. Parece que não, em Economia, vale um paradigma diferente: o papel aceita tudo.
O ensaio de Stephen Miran, rápida e jocosamente apelidado de “Miragem de Miran”, é um exercício de 41 páginas de abuso de linguagem, da lógica e da causalidade. Parágrafos que contradizem teses levantadas em trechos anteriores, numerologia tosca e enviesada, e acima de tudo uma miopia profunda que ignora as questões centrais: Como poderiam os Estados Unidos forçar a apreciação das moedas estrangeiras contra o dólar e fazer usos de “instrumentos tarifários” se eles não têm mais indústria? Como reindustrializar os EUA se não existe demanda para produtos industrializados estadunidenses? O ensaio simplesmente ignora a realidade em 2025: capacidade industrial colossal da China e significativa de outros centros asiáticos, versus atividade industrial marginal, infraestrutura decadente e ausência crônica de mão de obra qualificada nos EUA — mais um caso de relativismo cognitivo em esteroides?
Ainda assim, esse é o “Guia” da “política econômica” do governo Trump.
Pessoalmente, acredito que se trate de mais uma evidência do déficit cognitivo que infesta as elites e lideranças políticas ocidentais – vide o suicídio econômico alemão. A existência de documentos como o ensaio de Miran – recitados diariamente por gente como Scott Bessent, secretário do tesouro dos EUA, e outras autoridades do primeiro escalão – demonstra que não existe nenhum plano em curso para gerir o declínio e a queda do império estadunidense, como advogam alguns analistas.
PS.: Ah… claro! Existem evidências mais diretas: um presidente com demência avançada, sucedido por um narcisista demagogo patológico e líder de culto de personalidade são sinais bem menos sutis de colapso.
Bravo!