Nos bastidores: como os Houthis do Iêmen buscam profundidade estratégica no Iraque

Tamer Badawi – 21 de junho de 2024

Longe de sua base nas terras altas do norte do Iêmen, o movimento Ansarullah – mais conhecido como Houthis – devagar e sempre, cultivou um papel na dinâmica política iraquiana. A presença do grupo no Iraque serve ao seu objetivo principal  de se entrelacar como um fio indispensável na rede do “Eixo da Resistência” apoiado por Teerã. O Ansarullah também desenvolveu capacidade no Irã, Líbano e Omã, em última análise, com o objetivo de cercar seu arqui-inimigo ao norte, ou seja, o Reino da Arábia Saudita.

Desde o início da campanha militar liderada pela Arábia Saudita contra o Ansarullah em 2015, Bagdá tem atuado amplamente em ambos os lados da complexa dinâmica diplomática do Iêmen. Enquanto o enviado iraquiano dos Houthis, Ahmad Al-Sharafi, interage principalmente com os serviços de segurança do Iraque, o embaixador iemenita Al-Khidr Ahmed Marmash, representando o governo internacionalmente reconhecido em Aden, se envolve com o Ministério das Relações Exteriores do Iraque.

No entanto, caso as tensões entre Riad e os Houthis aumentem, a presença Houthi pode se transformar em uma responsabilidade para Muhammad Shia’ Al-Sudani, particularmente à medida que o primeiro-ministro iraquiano pressiona para consolidar um papel de mediador na região. Sudani terá dificuldade em manter uma posição intermediária entre aplacar Teerã – que apoia tanto os Houthis quanto os grupos armados xiitas que ajudaram a colocá-lo no poder – enquanto cultiva laços diplomáticos e econômicos mais estreitos com Riad.

Os Houthis poderiam se tornar um empecilho para os esforços regionais do Iraque?

Falando à Amwaj.media sob condição de anonimato, uma fonte política iraquiana explicou que os Houthis começaram a desenvolver uma presença no país em 2011. Após a captura da capital e maior cidade do Iêmen, Sanaa, em 2014, pelo Ansarullah, o ministro das Relações Exteriores do Iraque na época – Ibrahim Al-Jaafari (2014-18) – abriu caminho para o reconhecimento efetivo do movimento iemenita por Bagdá. Isso serviu de dividendos para o establishment político iraquiano.

No final de 2021, o então primeiro-ministro iraquiano Mustafa Al-Kadhimi (2020-22) teria usado suas estreitas conexões com o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman (MbS) para ajudar na repatriação de Hassan Irloo, enviado do Irã ao Iêmen, através do Reino. Fontes informadas com conhecimento do assunto indicaram à Amwaj.media que os representantes do Ansarullah em Bagdá desempenharam um papel significativo nas negociações.

Com base nessas dinâmicas políticas, os Houthis têm, nos últimos anos, coordenado cada vez mais atividades com grupos armados apoiados por Teerã no Iraque. Notavelmente, em janeiro de 2022, o porta-voz do Kata’ib Hezbollah, Abu Ali Al-Askari, anunciou o lançamento de uma campanha de angariação de fundos para a causa Houthi. Outros grupos armados xiitas próximos do Iran, como o Harakat Hezbollah Al-Nujaba, Kata’ib Sayyid Al-Shuhada, Asa’ ib Ahl Al-Haq e a Organização Badr, manifestaram publicamente o seu apoio ao grupo armado iemenita.

Em meio à crescente colaboração, diz-se que o Ansarullah também utiliza cada vez mais organizações comunitárias para explicar seu distinto pensamento político e religioso zaydi a um público iraquiano mais amplo. Um exemplo disso é a organização “Mohammadiyun”, com sede em Basra, que espalha os ensinamentos religiosos e culturais houthis com a aparente coordenação do Kata’ib Hezbollah.

Em declarações à Amwaj.media, o administrador do canal Telegram do Ansarullah afirmou que o grupo iemenita também opera organizações culturais semelhantes nas cidades iraquianas de Najaf, Diyala, Kirkuk e está atualmente focado no desenvolvimento de uma presença na região do Curdistão – supostamente “dada a presença israelense lá”. Amwaj.media não pôde verificar de forma independente essas afirmações.

Fontes informadas próximas a grupos armados xiitas iraquianos expressaram dúvidas sobre a capacidade de Ansurallah de uma ampla presença no Curdistão iraquiano. Falando ao Amwaj.media, as fontes acusaram que as autoridades curdas certamente bloqueariam uma mudança concertada dos Houthis para a região. Além disso, é improvável que os grupos xiitas que facilitam a presença Houthi no Iraque concordem com um impulso tão ousado e controverso por parte dos seus hóspedes iemenitas.

A guerra cultural do Ansarullah

Os símbolos e a iconografia do Ansarullah também são uma característica cada vez mais proeminente dos protestos em todo o Iraque organizados por grupos armados apoiados por Teerã. O mais proeminente deste último é a máxima Houthi ‘Al-Sarkha’ [O Grito], que diz “Deus é Grande, Morte à América, Morte a Israel, Condenação aos Judeus, Vitória para o Islã”.

A litania Houthi ocupou um lugar de destaque quando manifestantes associados às Unidades de Mobilização Popular (PMU) do Iraque invadiram a embaixada dos EUA em Bagdá em dezembro de 2019. Essas faixas também apareceram durante protestos antiamericanos em julho de 2023. Os slogans foram novamente revividos quando manifestantes ligados à PMU em outubro passado bloquearam caminhões de petróleo com destino à Jordânia na fronteira ocidental do Iraque.

Além disso, a retórica houthi tem sido ecoada por grupos associados à PMU nas províncias predominantemente xiitas do sul do Iraque, como Muthanna. A principal passagem de fronteira terrestre da província com a Arábia Saudita torna-a um local crítico de disputa entre grupos armados xiitas e recebeu recentemente uma atenção significativa nos meios de comunicação houthis. No entanto, falando com a Amwaj.media, uma fonte do Ansarullah negou que a província tenha alguma importância particular para o grupo e atribuiu o foco nas redes sociais a quadros locais excessivamente zelosos. 

Os formuladores de políticas houthis também procuraram cultivar laços com os chefes tribais do sul do Iraque. Em um esforço para aprofundar as relações e facilitar as atividades locais do Ansarullah, o enviado Houthi Sharafi se reuniu no ano passado com líderes tribais nas províncias de Al-Qadisiyyah, Dhi Qar, Karbala, Najaf e Wasit.

Conviver com a liderança tribal do Iraque pode servir como uma forma de a filial iraquiana do Ansarullah conquistar prestígio social e estabelecer margem de manobra política dentro do meio social mais amplo dos grupos armados xiitas iraquianos. Além disso, cultivar essas redes sociais nas províncias do sul poderia servir como uma fonte central de poder se os grupos apoiados pelo  Irã tentarem minar ainda mais a cooperação entre Bagdá e Riad.

Houthis lutam por “profundidade estratégica”

É importante ressaltar que a presença Houthi no Iraque também serve como um canal para os quadros do grupo acessarem os conselheiros militares de Teerã e permite a troca de conhecimento com grupos armados xiitas apoiados pelo Irã. Essa coordenação já está bem estabelecida. Dito isto, embora uma fonte próxima dos grupos de “resistência” iraquianos tenha dito à Amwaj.media que o Ansarullah tinha conselheiros militares integrados na PMU durante a guerra de 2014-17 contra o grupo Estado Islâmico (EI), a presença iemenita era apenas “simbólica”.

Além disso, no início da intervenção militar liderada pela Arábia Saudita no Iêmen em 2015, um comandante sênior da Organização Badr afirmou a prontidão do grupo iraquiano para enviar combatentes para ajudar a causa Houthi. Independentemente de esses movimentos serem seguidos, é importante para a liderança do Ansarullah que tais alegações – particularmente em relação a iniciativas perto da fronteira do Iraque com a Arábia Saudita -sinalizem a crescente influência geopolítica do movimento iemenita em Riad.

A guerra de Israel em Gaza catalisou ainda mais os laços entre os quadros Houthis e os grupos armados xiitas mais proeminentes do Iraque. Sinalizando sua crescente autonomia na estrutura política houthi, a filial iraquiana do Ansarullah assinou em maio uma declaração conjunta com o Kata’ib Hezbollah. A declaração afirmava que o secretário-geral do grupo iraquiano havia conversado diretamente com o líder houthi Abdul-Malik Al-Houthi. A conversa teria se centrado em “manter a prontidão e a coordenação entre os grupos do ‘Eixo da Resistência’”, particularmente aqueles baseados no Iraque e no Iêmen.

Posteriormente, em junho, uma entidade que se autodenomina “Resistência Islâmica no Iraque”- que acreditasse reunir vários grupos armados xiitas apoiados pelo Irã –anunciou que, ao lado do Ansarullah, realizou ataques conjuntos com drones nas cidades israelenses de Ashdod e Haifa. As trocas públicas anteriores de apoio entre os dois aliados poderiam ser vistas como um precursor direto do ataque reivindicado.

O suposto ataque conjunto a Israel também pode sinalizar mais coordenação horizontal dentro do “Eixo da Resistência”. Isso pode incluir grupos palestinos como o Hamas e a Jihad Islâmica. Sinais recentes mostraram que a guerra de Gaza pode estar terminando, mas o espectro de uma ofensiva israelense no sul do Líbano aumenta a probabilidade de que o envolvimento dos atores iraquianos no conflito na região do Levante se torne mais prolongado. No entanto, isso alimentará ainda mais a ira dos aliados dos EUA na região – sem deixar de mencionar a irritação dos agentes do poder em Bagdá.

Imagem: Abu Idris Al-Sharafi, enviado do Movimento Houthi ao Iraque, reúne-se com Qais Al-Khazali, líder de Asa’ib Ahl Al-Haq em Bagdá, Iraque, em 29 de janeiro de 2024. (Fonte: ansarallah_iraq/Telegram)


Fonte: https://amwaj.media/article/inside-story-how-yemen-s-houthis-dig-for-strategic-depth-in-iraq

Be First to Comment

Leave a Reply

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.