Irina Slav – 24 de julho 2025
Eu não queria fazer isso. Mas não pude evitar.
Esta semana, o secretário-geral da ONU agraciou o mundo com um discurso sobre energia. O discurso acompanhou o lançamento de um relatório da ONU intitulado “Seizing the moment of opportunity: supercharging the new energy era of renewables, efficiency, and electrification” (Aproveitando a oportunidade do momento: impulsionando a nova era energética de energias renováveis, eficiência e eletrificação), porque a ONU nunca ouviu falar em brevidade e clareza.
O discurso tem exatamente 2.400 palavras e é, na verdade, um poema, tanto na forma quanto na substância. Ele não contém fatos, exceto a observação ocasional de que há pobreza no mundo e isso é uma coisa ruim. O que ele contém é uma lista da mistura agora habitual de mentiras, desinformação e mais mentiras. Mas expressas de forma poética.
Aqui está um fragmento:
As manchetes são dominadas por um mundo em apuros.
Por conflitos e caos climático.
Com o aumento do sofrimento humano.
Por crescentes divisões geopolíticas.
Mas em meio à turbulência, outra história está sendo escrita.
E suas implicações serão profundas.
Frases poderosas, embora eu ainda prefira T. S. Eliot.
A história mencionada acima é, obviamente, a história da energia eólica e da energia solar, que são, respectivamente, 53% e 41% mais baratas do que os hidrocarbonetos, segundo o Sr. Guterres. Não tenho ideia de qual foi a base para o cálculo do custo, e isso não importa. Os fatos, como bem sabemos, não importam quando se trata de energia eólica e solar.
Além disso, Guterres afirma que “as energias renováveis já quase se equiparam aos combustíveis fósseis na capacidade global de energia instalada”. No entanto, ele não apresenta a produção real, porque isso seria estranho.
Não, ele segue com acusações esfarrapadas.
O futuro da energia limpa não é mais uma promessa. É um fato.
Não há governo. Nenhum setor. Nenhum interesse especial pode impedi-lo.
É claro que o lobby dos combustíveis fósseis de algumas empresas de combustíveis fósseis tentará – e sabemos até onde eles irão.
Mas nunca estive tão confiante de que eles fracassarão, porque já passamos do ponto de não retorno.
Uma parte de mim quer saber até que ponto isso seria possível e o que dá ao secretário-geral da ONU o direito de lançar tais acusações sem nenhuma consequência. Se eu dissesse algo assim, alguém provavelmente me processaria por difamação. Mas Guterres está tão embriagado com o poder de dizer o que quiser, por mais idiota que seja, que não se importa. Acho que as grandes petrolíferas e os sauditas também não se importam com ele, ou teriam respondido com um ou outro comentário de palavras fortes.
De qualquer forma, ele passa a nos dizer que, segurem-se em seus assentos, a energia eólica e a solar prevalecerão porque fazem sentido do ponto de vista econômico.
Durante décadas, as emissões e o crescimento econômico aumentaram juntos.
Não é mais assim.
Em muitas economias avançadas, as emissões atingiram o pico, mas o crescimento continua.
Ah, sim, vamos falar sobre o crescimento de líderes em energia eólica e solar como o Reino Unido, a Alemanha, a Espanha e a zona do euro como um todo. O Reino Unido registrou uma impressionante taxa de crescimento do PIB de 0,7% para 2024. A economia da Alemanha de fato encolheu em 2024, em 0,2%, o que é um grande sucesso, pois poderia ter encolhido muito mais, obviamente. A Espanha contrariou a tendência, registrando um crescimento de 3,4% em 2024, “impulsionado pela força do setor externo, pelo turismo (que contribuiu com 0,7 p.p. para o crescimento) e pela retomada gradual do consumo privado”. Devem ser todos esses investimentos estrangeiros em mais energia solar. E a zona do euro? Uma taxa de crescimento impressionante de 0,9%.
Mas o que dizer da China, devidamente registrada como a líder mundial em energia eólica e solar? Bem, a China construiu um excesso de capacidade tão grande em todos os setores de transição que não pode contê-lo e vai afogar o mundo em painéis, turbinas e veículos elétricos baratos, enquanto muitos fabricantes murcham e morrem porque não há subsídios suficientes para todos. Sim, até mesmo na China, acredite ou não.
Continuando.
Até mesmo o Texas – o coração do setor americano de combustíveis fósseis – agora lidera os EUA em energias renováveis.
Por quê? Porque faz sentido do ponto de vista econômico.
E, no entanto, os combustíveis fósseis ainda desfrutam de uma vantagem de 9 para 1 em subsídios ao consumo em todo o mundo – uma clara distorção do mercado.
Ok. Vou deixar que os texanos digam ao resto de nós quanto sentido econômico fazem todas essas turbinas e painéis, mas a última linha é divertida. Em primeiro lugar, será que os hidrocarbonetos realmente desfrutam de uma vantagem de 9:1 nos subsídios ao consumo? Eu duvido muito disso. Sei com certeza que estou pagando os preços de mercado pela minha gasolina e também sei com certeza que o peso-pesado da energia de carvão regional acaba de relatar mais uma perda anual devido às licenças de carbono. Ah, e também as vendas de carros a gasolina e a diesel na Europa estão em declínio, enquanto vários EVs e EV-adjacentes estão em alta. Vantagem do subsídio ao consumidor, não é?
Então temos esta joia:
Vamos ser claros: a maior ameaça à segurança energética hoje está nos combustíveis fósseis.
Sim, deve ser por isso que praticamente todos os países com recursos abundantes de petróleo e gás são tão inseguros em termos de energia, ao contrário daqueles que dependem de importações, porque, por exemplo, eles estão tentando ativamente destruir seu próprio suprimento de petróleo e gás. Isso faz todo o sentido. Isso não quer dizer que todos os países com petróleo e gás sejam uma Noruega ou uma Rússia de segurança energética. Existem fatores como o caos político e a má administração e, de fato, as sanções dos EUA. Mas, como o próprio Guterres afirma, o local é sempre melhor do que o importado. Concordo com isso. Quero dizer, os EUA se tornaram bastante seguros em termos de energia desde a revolução do xisto. Avante.
Economias modernas e competitivas precisam de energia estável e acessível. As energias renováveis oferecem ambos.
Não há picos de preço para a luz solar.
Não há embargos à energia eólica.
A frase nº 1 é verdadeira. A frase nº 2 é BWAHAHAHA-escala de burrice. As frases nº 3 e nº 4 são poesias realmente medíocres com um momento bastante ruim, porque o governo do Reino Unido acabou de aumentar o preço máximo garantido que oferecerá aos desenvolvedores de energia eólica em seu próximo leilão anual. Pode não haver embargos à energia eólica, mas há “custos crescentes nos últimos anos devido a cadeias de suprimentos tensas e taxas de juros mais altas”. Estranho.
Seria difícil superar isso, mas, oh, Guterres pode e faz exatamente isso.
Não é possível construir uma usina de carvão no quintal de alguém.
Mas é possível levar painéis solares ao vilarejo mais remoto da Terra.
A energia solar e eólica pode ser implantada de forma mais rápida, barata e flexível do que os combustíveis fósseis jamais poderiam.
Sabe quando, às vezes, você se depara com uma declaração tão escandalosa e cinicamente enganosa que dá vontade de gritar? Não? Então, sou só eu. De qualquer forma, não vou desperdiçar o tempo de ninguém com a injustiça óbvia da comparação e vou apenas perguntar o seguinte: “E o que fazer com os painéis depois de entregá-los no vilarejo mais remoto do mundo? Ela está fora da rede elétrica? Você levou baterias com os painéis e o inversor, e todos os cabos, e que materiais foram usados para fazer tudo isso, seu pedaço adiposo de couro desgastado?”
Até 2040, a África poderá gerar 10 vezes mais eletricidade do que precisa, totalmente a partir de fontes renováveis.
Sim, assim como a Europa está gerando atualmente 10 vezes mais eletricidade do que precisa, inteiramente a partir de fontes renováveis, e é por isso que os operadores de fontes renováveis estão reclamando dos preços negativos da eletricidade, que estão lhes custando lucros. Não é de se estranhar.
E em lugares como o Paquistão, por exemplo, o poder das pessoas está alimentando um aumento da energia solar – os consumidores estão impulsionando o boom da energia limpa.
Certo. Sim. É claro. O Paquistão e seu boom de energia solar. O mesmo boom que levou ao aumento dos preços da eletricidade para todos que não têm painéis, porque as operadoras de rede estão lutando para manter a lucratividade. Dito isso, pelo menos os paquistaneses conseguiram evitar o perigo de sobrecarga da rede elétrica usando os painéis apenas para suas próprias necessidades, em vez de alimentar a rede com o excesso.
O resto do discurso é um monte de baboseiras insípidas de transição, para terminar com esta beleza:
Hoje eu convido todas as grandes empresas de tecnologia a alimentar todos os data centers com 100% de energia renovável até 2030.
E, juntamente com outros setores, elas devem usar água de forma sustentável nos sistemas de resfriamento.
O futuro está sendo construído na nuvem.
Ele deve ser alimentado pelo sol, pelo vento e pela promessa de um mundo melhor.
Parece certo. Vamos aproveitar a promessa de um mundo melhor para alimentar nossa civilização! Na nuvem.
Fonte: https://irinaslav.substack.com/p/no-rest-for-the-insipid
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