Fabiano Mielniczuk – 7 de maio de 2024
Durante a Cúpula da África do Sul, realizada em 2023, os países do BRICS concordaram em convidar a Argentina, o Egito, a Etiópia, o Irã, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos para se tornarem novos membros em 2024. Embora tenha sido bem recebido pelas chancelarias dos países membros como uma demonstração do fortalecimento do grupo, quando visto sob a perspectiva brasileira, os resultados não foram nada satisfatórios. Dependendo do grau de severidade da crítica, a expansão pode até ser vista como uma derrota. Nesse sentido, o país precisa reavaliar sua estratégia em relação ao BRICS em geral, e ao processo de expansão em particular, para continuar a ser um ator relevante no mundo multipolar.
Em 2010, o Brasil apoiou a entrada da África do Sul no BRICS, mas os analistas tendem a considerar essa decisão como motivada por interesses de política interna; uma tentativa do presidente Lula da Silva de obter favores do Movimento Negro Brasileiro. Além disso, ao nível internacional, a inclusão da África do Sul poderia facilitar a diplomacia do Brasil devido à curiosa situação em que um grupo informal começou a funcionar dentro de outro, o IBAS, formado alguns anos antes por Índia, Brasil e África do Sul. Desde então, o Brasil tem sido cauteloso com relação à expansão do BRICS. O país teme que a diluição de poder entre os novos membros possa afetar negativamente sua influência no processo de transformação da estrutura de governança internacional.
A cautela salutar do início deu lugar a uma cautela de outro tipo a partir de 2022. Parece que a posição cautelosa em relação à expansão decorre da falta de clareza do Brasil em relação aos possíveis benefícios que o BRICS pode oferecer. As ações russas na Ucrânia e as crescentes tensões entre a China e os EUA trouxeram desconforto ao Brasil. Nesse contexto, a diplomacia brasileira interpretou as ações tomadas pela presidência chinesa do BRICS em 2022 como voltadas para o fortalecimento do pilar de cooperação política e de segurança em detrimento dos demais. Na mesma linha, a expansão acelerada do grupo patrocinada por Pequim foi interpretada como uma decisão para atender às necessidades dos interesses de segurança da China e da Rússia. Essa postura do Itamaraty parece não estar alinhada com a diplomacia presidencial de Lula, que se ofereceu como mediador no conflito entre a Rússia e o Ocidente e apoiou explicitamente a inclusão de novos membros no BRICS. Esse desalinhamento entre o Itamaraty e a Presidência tem prejudicado a capacidade do Brasil de avaliar a importância do BRICS e resultou em algumas inconsistências, que são destacadas a seguir.
Em primeiro lugar, vale a pena observar que o antigo apoio do Brasil ao formato informal e flexível do grupo foi descartado com a insistência do Brasil no estabelecimento de critérios explícitos para a adesão de novos membros. No que poderia ser visto como uma vitória brasileira, esses critérios foram definidos nos “Princípios Orientadores, Padrões, Critérios e Procedimentos” para a expansão, adotados na África do Sul. Entretanto, os “Princípios Orientadores” não contemplaram a proposta brasileira. O Brasil apoiou três critérios para a entrada de novos membros: o compromisso dos novos membros com a agenda de reformas do BRICS, a participação no G20 e a participação no NDB. Uma análise do documento indica claramente que apenas a primeira proposta foi contemplada, ainda que de forma bastante genérica. Não há referências ao G20 e ao NDB no documento. A diplomacia brasileira argumentaria que, apesar de não ter sido incorporada aos “Princípios Orientadores”, a proposta brasileira foi aceita, pelo menos parcialmente, na prática: dos seis novos membros convidados, dois pertenciam ao G20 (Argentina e Arábia Saudita) e dois ao NDB (Emirados Árabes Unidos e Egito). No entanto, considerando a recusa da Argentina em participar do BRICS e a entrada do Irã e da Etiópia, que não pertencem a nenhuma dessas organizações, essa avaliação positiva é atenuada. A insuficiência desse resultado, na perspectiva do Brasil, fica ainda mais clara quando se considera que a definição dos critérios formais de ingresso não impôs nenhum limite ao número de futuros membros, como o Brasil desejava.
A derrota do Brasil no processo de ampliação não é surpreendente e reflete um certo descompromisso do Brasil com os BRICS. De fato, a mudança drástica nos rumos da política mundial a partir de 2022 alimentou uma postura já conhecida na diplomacia brasileira, que tem sido abertamente reproduzida por diplomatas que ocupam posições-chave no processo de negociação do BRICS. Segundo eles, o IBAS atenderia melhor aos interesses do Brasil, pois é uma coalizão em que não haveria “questões tabu” como democracia, direitos humanos ou gênero. Não passa despercebido o fato de que essa ideia desconsidera a maneira como a Índia redefiniu sua identidade contemporânea. O impacto negativo dessa leitura sobre o BRICS expandido também não é ignorado, pois a incorporação de países árabes muçulmanos ao BRICS exige que os atuais membros tenham uma visão mais sensível e generosa das diferenças intrabloco. Nesse contexto, o discurso pró-IBAS parece mais uma rota de fuga do BRICS do que uma aposta no próprio IBAS.
Outra inconsistência que prejudica a participação do país no formato BRICS-Plus diz respeito à nomeação de figuras-chave no ecossistema BRICS. Após a presidência do liberal pró-ocidental Marcos Troyjo no NBD (nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro), o presidente Lula da Silva nomeou a ex-presidente Dilma Rousseff para o cargo em 2023. Vista como a reabilitação política da ex-presidente do Brasil após seu impeachment em 2016, sua nomeação foi considerada apropriada pelos outros membros do BRICS devido ao papel de Dilma no lançamento do NDB na Cúpula de Fortaleza, em 2014.
Essa interpretação negligencia o fato de que foi durante o primeiro mandato de Dilma Roussef (2010-2014) que o Brasil se distanciou de aliados como a China e a Rússia em uma tentativa de reequilibrar as relações dentro do BRICS por meio do relançamento de parcerias com os EUA e a Europa. Essa estratégia de reequilíbrio foi defendida pelo chanceler Antonio Patriota (2011-13), que foi demitido de seu cargo após um fiasco diplomático na Bolívia – um diplomata brasileiro na Embaixada em La Paz fugiu de carro para o Brasil sem a autorização do governo com um senador boliviano acusado de corrupção pelo governo Morales, que havia recebido asilo na Embaixada, mas não tinha garantia de salvo-conduto para deixar a Embaixada. Esse episódio prejudicou a autoridade de Dilma Roussef e criou uma crise com a Bolívia. A responsabilidade foi totalmente assumida pelo diplomata envolvido e, anos depois, ele recebeu uma penalidade administrativa por sua participação na fuga. No ano passado, Roussef não ficou particularmente feliz ao encontrá-lo na Cúpula dos BRICS na África do Sul, onde ele era o Sherpa brasileiro para os BRICS e, aparentemente, exigiu que o Presidente Lula da Silva demitisse o diplomata.
Essas inconsistências sugerem que o Brasil, apesar da competência de sua diplomacia, está confuso em sua relação com o BRICS. O fato de o governo Biden ter contribuído decisivamente para a manutenção de Lula da Silva no poder após a tentativa fracassada de golpe atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro também deve ser considerado. Lula da Silva quer o fortalecimento dos BRICS, mas está em dívida com os EUA e alguns países europeus por garantirem sua permanência no cargo e não pretende colocar em risco as relações com eles – não pelo menos até que a justiça conclua o julgamento do ex-presidente. Enquanto isso, a opção pela desvinculação do BRICS vem ganhando adeptos entre os diplomatas brasileiros e está sendo ativamente promovida por setores da sociedade civil organizada brasileira, especialmente aquelas ONGs e think tanks que recebem apoio financeiro de instituições europeias e americanas. O engajamento desses setores nos eventos do G20 durante a Presidência do Brasil em 2024 e a falta de interesse no processo do BRICS durante a Presidência da Rússia no BRICS no mesmo ano é outro sinal de alerta.
Nesse cenário complicado, a melhor estratégia é apelar para o envolvimento direto de Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e atual assessor-chefe para Assuntos Internacionais do Presidente Lula da Silva. Como um dos pais do BRICS, Amorim tem a confiança dos outros parceiros e a autoridade moral para realinhar os principais atores brasileiros, tanto do governo quanto da sociedade civil, em direção ao BRICS. Além disso, o BRICS-Plus, com o dobro do tamanho, exigirá uma estratégia organizacional diferente do Brasil, que tem enorme dificuldade em acompanhar a carga de trabalho envolvida em todas as dimensões do BRICS. Pode-se pensar na criação de uma Força-Tarefa do BRICS que poderia muito bem ser chefiada por Amorim e agregar um grupo quantitativamente significativo de diplomatas sob sua liderança. No curto prazo, essa parece ser a única maneira de colocar o Brasil de volta nos trilhos no processo do BRICS.
Fonte: https://valdaiclub.com/a/highlights/at-the-crossroads-brazil-in-the-face-of-brics/
Este é o tipo de artigo que dá vergonha alheia de ler. Pessoal nem se deu o respeito de justificar ou pedir desculpas pelo achincalhe feito pela Argentina. E ainda quer colocar agenda woke como condicionante de entrada no arranjo. É muito vergonhoso. O mundo inteiro está vendo o /MODERAÇÃO SAKER LATINOAMÉRICA / que o Brasil se tornou.
Gato escaldado, tem medo até de água fria. Lula tenta se equilibrar entre o império decadente, porém, ainda hegemônico. E o raiar de um mundo multipolar. Aguardemos pois.