Joaquim Alves para o Saker Latinoamérica – 15 de maio de 2022
Imagem de capa: Crianças hasteando a bandeira do Pakistan Theerek-e-Insaf no comício da cidade de Attock
“Este é o momento da verdadeira guerra de libertação! Isso não é política, isso é jihad!”
Imran Khan
As tensões políticas no Paquistão continuam numa crescente. Na semana que passou ocorreu uma intensificação dos comícios realizados sob a liderança de Imran Khan.
Como foi destacado no último Mini SITREP, o Pakinstan Theerek-e-Insaf (PTI) fez um cronograma de comícios com a intenção de preparar sua militância e apoiadores para a Grande Marcha de Islamabad, que será programa para o fim do mês de maio.
Seguiremos com o relato baseado em imagens e vídeos sobre os comícios realizados, com comentários finais sobre a conjuntura recente frente a questões geopolíticas mais salientes resultado da crescente polarização política decorrente da deposição de Imran Khan.
9 de maio
O PTI anunciou o lançamento de um aplicativo chamado PTI Raabta App. O aplicativo foi elaborado a pedido de Imran Khan e tem como objetivo primeiro atingir a juventude paquistanesa. De forma quase que instantânea, o aplicativo conseguiu a aceitação de milhões de usuários no Paquistão.
Há outros objetivos que merecem um breve destaque: ampliar a institucionalidade do partido junto a população, reduzir a distância entre lideranças e militância, promover eleições internas justas e criar um ambiente de meritocracia para combater políticas historicamente baseadas em laços de sangue e na herança dinástica.
Ao que tudo indica, o comício previsto para a cidade de Rawalpindi não ocorreu. Não foi possível obter maiores informações e explicações do porquê da não realização do mesmo.
10 de maio
Jalsa em Jhelun
Desde o início o comício estava cheio, mesmo antes da aparição das lideranças do PTI.
A seguir algumas imagens e vídeos do comício.
O comício estava lotado a ponto das pessoas que não conseguiram entrar no espaço do evento subiram no telhado das casas do em torno para acompanhá-lo.
Juventude em peso no comício de Jhelum
Imran Khan tirando fotos com os militares de Jhelum
11 de maio
O PTI entrevistou a Dra. Yasmin Rashid no Twitter Space. A Dra. Rashid era Ministra Provincial para Atenção Primária e Secundária de Saúde em Punjab durante o governo Khan. Ainda que atualmente esteja fora do governo, Rashid realiza uma intensa campanha de articulações e reuniões com diferentes lideranças do país em coro com as principais demandas do PTI relativas as eleições antecipadas.
Não encontramos qualquer registro relativo a palestra que seria realizada por Imran Khan numa Convenção de Advogados, tal qual estava anotado em um dos vários cronogramas obtidos ao longo das pesquisas para a elaboração dos SITREPs. Mas conseguimos obter um registro de convite por parte da Lahore Bar Association, uma associação de advogados paquistaneses, para falar no dia 18 de maio.
Imran Khan encontrou Sheik Rashid Ahmed, ex ministro do interior do país e fundador do Awami Muslim League (Liga Muçulmana Awami). Ahmed foi um dos primeiros políticos a realizar uma entrevista a favor de Imran Khan quando da sua deposição, mencionando que ele voltaria tão logo o processo eleitoral se realizasse.
Aqui temos um pré comício enorme como preparativo para a Jalsa de Attock
Neste vídeo, paquistaneses se juntando na frente do escritório da família Sharif em protesto na cidade de Londres.
12 de maio
Comício de Attock
No mesmo dia ocorreu uma reunião preparatória para a Jalsa de Multan, coordenadas pelo vice-presidente sênior PTI Punjab do Sul, Makhdoomzada Zain Hussain Qureshi e o secretário-geral do Punjab do Sul, senador Aun Abbas Bapi
13 de maio
Jalsa de Mardan
14 de maio
Houve uma tentativa por parte do governo em impedir a realização da Jalsa de Sialkot. A polícia paquistanesa chegou ao local do evento jogando bomba de gás lacrimogênio e tentando destruir as instalações. Algumas lideranças do PTI foram presas durante as tensões. Os militantes presentes não deixaram a desorganização ocorrer, realizando atos pacíficos de impedimento, como deitar ao chão próximos a tratores ou possíveis alvos de destruição.
A administração do Distrito de Sialkot impediu de última hora a realização da jalsa no local programado, alegando que era propriedade privada e que o encontro deveria ser organizado em outro local.
https://arynews.tv/imran-khans-sialkot-jalsa-pti-denied-permission-by-district-administration/
Esse imbróglio causou uma fortíssima reação popular, que foi amplamente aproveitada pelo PTI para reforçar o chamado da população ao comício nas redes sociais. O resultado foram um conjunto de comícios espontâneos surgindo em locais não programados, como Lahore e Carachi, além de uma ampla divulgação da expressão #SialkotFightsBack nas redes sociais.
Abaixo algumas seleções de imagens e vídeos das jalsas do dia.
Sialkot.
Lahore
Carachi
Islamabad
Comentários finais
Há alguns pontos de conjuntura a serem ressaltados. Em primeiro lugar, o crescente apoio internacional por parte dos paquistaneses residentes fora do país.
Montagem de imagens com paquistaneses em vários locais do planeta em apoio as reivindicações do PTI
Esse não é um fenômeno de menor importância, pois tem causado reações do governo de Shehbaz Sharif na tentativa de impedir que os paquistaneses residentes fora do país mantenham o direito ao voto.
Junta-se ao fato da recente visita de Shehbaz Sharif ao seu irmão, Nawaz Sharif, que é a real cabeça por trás da Liga Muçulmana do Paquistão (PML-N). A conversa girou em torno, dentre outros temas, sobre os problemas políticos do país, especialmente em as eleições e do aumento do preço dos combustíveis.
A situação de Shehbaz Sharif é delicada, no plano interno o governo sofre com as mobilizações levadas a cabo por Imran Khan, pela explosão da inflação, os recentes apagões de energia, desvalorização da moeda e crescente escassez de combustível.
No plano internacional a situação também não está boa. Ainda que sua visita aos Reinos do Oriente Médio possa ter surtido algum efeito positivo, as tensões do Paquistão com a Índia aumentaram por causa de trocas de acusações de ambos países em relação a repressão de minorias. O mesmo ocorre com a intensificação das escaramuças na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão.
Por sua vez, é importante ressaltar que Nawaz Sharif reside no Reino Unido desde 2019 por alegados motivos de tratamento médico. Ele foi condenado em dois casos de corrupção e com uma sentença de prisão de dez anos. Desde a época do tratamento não retornou mais ao Paquistão.
Outro ponto importante está relacionado com os conflitos territoriais entre Paquistão e Índia. Shah Mahmood Quresh, vice presidente do PTI, fez uma denúncia que o atual governo estaria reabrindo o comércio com a Índia, colocando a região da Caxemira como ativo de negociação.
Segundo Quresh, o comércio não poderia ser reativado sem a Índia reverter a decisão de revogação do status especial da Caxemira Indiana, feita em 2019 após o ataque terrorista de Pulwama, onde um homem-bomba matou 40 integrantes das Forças Policiais da Reserva Central da Índia (Central Reserve Police Force – CRPF).
A questão da Caxemira está além dos objetivos deste SITREP dada sua enorme complexidade. Porém, há um vídeo que explica de forma sintética a situação recente de tensão da qual o membro do PTI estava se referindo. https://www.youtube.com/watch?v=vH23EObjVD8
Outra assunto saliente é o caráter da violência que vem se expressando no país. Houve uma explosão no distrito de Saddar, cidade de Carachi. Uma pessoa morreu e outras 13 ficaram feridas. Até o momento não há reivindicação da explosão por parte de grupos separatistas. É o segundo evento do tipo que registramos em nossos SITREPs em menos um mês. Segundo jornais da região, há uma aumento de ataques de homem-bomba no país.
E no plano das disputas internas reforçadas pela fragilidade institucional na qual o país se encontra pode encurralar o governo para tomar medidas mais repressivas. Além da já mencionada tentativa de sabotagem do comício de Sialkot, há crescentes relatos de repressão por parte das forças policias. Num vídeo mais recente mostra que a polícia na casa de lideranças do PTI para prendê-los aparentemente sem justificativas.
Como se as coisas já não estivessem com a tensão a ponto de explodir, Imran Khan reforçou em seu último comício o tema das conspirações em torno do seu assassinato, mencionando que elaborou um vídeo descrevendo todo o processo de conspiração que levou a retirada do poder, incluindo todos os nomes dos envolvidos. Falou que o vídeo será amplamente divulgado caso algo ocorra com ele.
Na última terça feira, o Presidente Arif Alvi pediu por escrito ao Chefe de Justiça do Paquistão (CJP) novas investigações em relação a alegada conspiração por parte te Imran Khan em relação à sua deposição. A questão importante que a reportagem da Ary News obtém é que o político reforça vários dos pontos denunciados por Khan a serem investigados
https://arynews.tv/president-arif-alvi-regime-change-conspiracy-pakistan/
Aqui temos disponível a carta do presidente Alvi com o pedido para a realização de novas investigações sobre o caso.
Por último, pincelaremos brevemente um tema que tem sido recorrente nas discussões sobre as motivações da deposição de Imran Khan. A hipótese que segue é a do crescente incômodo das frações das elites paquistanesa numa posição de menor dependência com países imperialistas e o deslocamento do peso das relações expressadas pelos recentes acordos com China, Rússia e Irã, bem como sua posição neutra em relação a ação militar especial que a Rússia está realizando na Ucrânia.
Na última terça feira, o atual Ministro de Energia, Khurram Dastgir Khan, mencionou que seria uma falácia as alegações de Imran Khan que havia um processo de negociação em torno do comércio de energia com a Rússia. Contudo, há uma confirmação deste processo a partir de documentos disponibilizados nas redes sociais e observando a interação de outros analistas que dão atenção ao tema.
Por exemplo, Andrew Korybko confirma uma conversa a nível diplomático sobre os acordos comerciais de Gás Natural Liquefeito entre Paquistão e a Rússia.
Esse anúncio havia sido feito em 7 de abril na página do Ministério de Relações Exteriores da Rússia dois dias antes da deposição de Khan, como podemos conferir abaixo.
A publicação completa da declaração pode ser lida no link abaixo.
https://www.mid.ru/en/foreign_policy/news/1419105/
Também temos a liberação de um documento de 30 de março de 2022 assinado por Muhammad Hammad Azhar, então Ministro da Energia do Paquistão no governo Khan, enviada ao Nikolai Shulginov, Ministro de Energia da Federação Russa. Logo, há a confirmação do andamento dos acordos entre Rússia e Paquistão, bem como das negociações levadas a cabo pelo governo Khan na época.
Com as peças de conjuntura que estamos juntando ao longo dos relatos nos SITREPs, acaba sendo difícil não pender para os argumentos de Khan nessa ferrenha disputa política que estamos acompanhando no Paquistão. O país é um importante nó entre a Ásia e a África, em especial pensando nos interesses de conexão da China e da Rússia no continente africano.
Para além dos já comentados Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC) e dos acordos para comercialização de combustível por parte da Rússia, ainda poderíamos mencionar brevemente o projeto do gasoduto Irã-Paquistão-Índia, o projeto de um Gasoduto Norte-Sul ligado com a Rússia (Pakistan Stream Gas Pipeline – PSGP/PakSteam), o projeto do Gasoduto Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-índia (TAPI) e o projeto de interconexão ferroviária Paquistão-Afeganistão-Uzbequistão (PAFAKUZ), este último com a mediação dos… Estados Unidos. Esse ponto tensiona os argumentos aonde o Imran Khan seria um antiamericano. Parece mais próximo da realidade a perspectiva de um estadista que estava promovendo relações calcadas na multipolaridade.
A guisa de conclusão, percebemos que apesar desse conjunto de projetos com grande potencial de desenvolvimento, o embate entre as forças que querem manter o Paquistão como palco de tensões regionais e numa situação de desestabilização interna com o exacerbação dos conflitos étnicos.
Ademais, os interesses em torno de manter o país como um cassino financeiro para a sua elite compradora ligada ao imperialismo é um dos principais obstáculos para que o país se torne realmente um ator independente na geopolítica global segundo os interesses gerais da população. Não podemos desconsiderar, também, os interesses históricos de atores regionais como a Índia em sua intenção de manter o Paquistão em situação de fragilidade.
Nos próximos SITREPs seguiremos a acompanhar o desenvolver das mobilizações populares que estão acontecendo no Paquistão sob a liderança de Imran Khan.
Terminamos divulgando um momento de uma família que caminharam oito dias entre Mardan e Islamabad para encontrar Imran Khan.
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