Joaquim Alves, para o Saker Latinoamérica – 01 de Maio de 2022
Continuamos a acompanhar o desenrolar da crise política no Paquistão após a queda de Imran Khan do cargo de Primeiro Ministro por um movimento de lawfare. Desde então, o país se vê em meio a uma crescente polarização em torno do pedido para novas eleições, além das tensões decorrentes da entrada do novo governo de Shehbaz Sharif.
Os SITREPs estão olhando com destaque para as mobilizações populares decorrentes da mudança de governo e, a partir deste marco, traçando as conexões com a tensões políticas que estão crescendo no país. Segue algumas análises tópicas sobre o contexto geopolítico do Paquistão no decorrer da tentativa de estabilização por parte do novo corpo governamental que tomou o poder após a destituição de Khan.
Vamos destacar alguns eventos importantes relatados na mídia referentes à movimentação do novo governo paquistanês e do partido de Khan após o comício de Lahore.
22 de abril
O comício de Lahore confirmou o poder de mobilização popular por parte do PTI e a força de Imran Khan como oposição ao novo governo. Ainda que denúncias sobre a perda de sinal de TVs que estivessem divulgando a transmissão não impediram sua ampla divulgação e posteriores notas jornalísticas sobre o sucesso do evento. Um bom resumo ao leitor pode ser visto num vídeo curto de Richard Medhurst com as principais imagens do último comício.
O evento importante do dia está relacionado com a 38a reunião do Comitê de Segurança Nacional (National Security Committee – NSC) convocada pelo PM Sharif para debater, dentre outras coisas, a veracidade da existência da carta que evidenciaria a conspiração estrangeira na mudança de poder do Paquistão. Importa destacar que o ex-embaixador paquistanês em Washington, Asad Majeed Khan, também participou da reunião e, ao que tudo indica, informou na reunião sobre o conteúdo do telegrama diplomático.
https://twitter.com/asmashirazi/status/1517495605605457921/photo/1
O tema da carta foi retomado por integrantes do PTI nas redes sociais, mencionando que o telegrama não foi reportado a Imran Khan de forma oficial, nem ao Shah Mahmoor Qureshi, Ministro das Relações Exteriores do país enquanto o Khan estava no poder. O telegrama chegou as mãos de Khan de forma secreta por um ‘oficial patriota’ não identificado. Foi denunciado, também, que Imran Khan não deveria se pronunciar e permanecer em silêncio.
Houve uma recomendação de envio de uma diligência por parte de Asad Majeed enquanto embaixador para pedir explicações ao corpo diplomático norte americano. Esse pedido foi reiterado ao Ministério das Relações Exteriores na época por Shah Mehmood Quresh, o que não ocorreu devido ao fato que o Ministério das Relações Exteriores do Paquistão estava sob forte pressão na época.
Percebe-se que a contradição sobre a conspiração ainda não foi resolvida. Mas segue os relatos dos SITREPs elaborados anteriormente, expressando as declarações contraditórias das Forças Armadas Paquistanesas entre a reunião de março, na qual Khan ainda era primeiro ministro, e a última reunião coordenada por Shehbaz Sharif.
A tese defendida nos SITREPs segue a linha de houve um processo de lawfare no país. Contudo, há visões díspares informando que houve um processo de mudança de poder dentro das ‘quatro linhas’ e que Khan está ativando um movimento antiamericano irracional. Percebemos essas visões em exemplos de uma recente reportagem do Asia Times ou numa entrevista de Noam Chomsky mencionando que as denúncias de Khan são infundadas.
23 de abril
Imran Khan realizou uma conferência à imprensa em Islamabad, onde ele reforça a necessidade de eleições antecipadas. Além de ter falado publicamente para o governo o colocar dentro da lista de controle de saída (Exit Control List), pois ele não pretende sair do Paquistão.
Khan anuncia uma grande marcha rumo a Islamabad, cuja data ainda será definida, sendo pensada para a última semana de maio. Logo em seguida houve uma massiva divulgação da hashtag #MarchAgainstImportedGovt (Marcha Contra o Governo Importado em tradução livre).
24 de abril
Vice Presidente do PTI Shah Mahmood Qureshi visita a cidade de Multan para realizar comícios e conversar com a população.
https://twitter.com/PTIofficial/status/1518433912355274752
https://twitter.com/PTIHaripur1/status/1518296283697618944
Havia uma expectativa que Khan participasse do Programa Moats (Mother of All Talkshows), com o âncora George Galloway. A entrevista não ocorreu, com membros do PTI vindo a justificar posteriormente que não houve de fato um agendamento para realizar a entrevista com Imran Khan.
25 de abril
Khan envia uma mensagem exclusiva no dia de fundação do PTI.
Saiu uma nota na mídia paquistanesa destacando a fala de Sheik Raashi Ahmad, líder da Liga Muçulmana Awami, entidade com relações próximas ao PTI, mencionando que o Exército respeita a opinião pública e que o “país se livrará do ‘governo importado’ em breve”.
26 de abril
Houve um ataque suicida no Instituto Confúcio da Universidade de Carachi. O ataque ocorreu no período da tarde na porta do instituto, matando 3 professores chineses e ferindo outras duas pessoas.
https://twitter.com/Mbin121/status/1518926148633247744
O ataque foi reivindicado no mesmo dia pelo Exército de Libertação Balúchi (BLA). Este é um dos maiores grupos terroristas do país e tem por preferência alvos chineses. Este grupo vem realizando constantes ataques às instalações de infraestruturas ligadas ao Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC, sigla em inglês). No mesmo dia, o PM Shehbaz Sharif visitou a embaixada da China no país para prestar condolências, da mesma forma que Imran Khan soltou uma mensagem nas redes sociais condenando o ataque terrorista.
Khan fez uma conferência aos trabalhadores em Peshawar e depois realizou uma palestra para um Fórum de Advogados na mesma cidade.
https://twitter.com/SalmanSaeed1122/status/1518914667770482688
Ocorreram comícios em inúmeras cidades do país. Esses comícios menores são organizados pelos setores regionais do PTI. Vamos ver alguns exemplos abaixo.
Comício em Lahore em frente à Comissão Eleitoral de Punjab a favor de eleições antecipadas.
https://twitter.com/InsafPK/status/1518952319693598721
Comício em Islamabad.
https://twitter.com/PTIofficial/status/1518992925463662597
Comício em Carachi.
https://twitter.com/InsafPK/status/1518881986596814848
27 de abril
Khan realizou um discurso para os trabalhadores da Convenção do PTI em Lahore.
Mais um comício realizado em Islamabad.
https://twitter.com/InsafPK/status/1518952319693598721
28 de abril
Khan participa do Shab-e-Dua (noite de oração) para celebrar o processo de “real libertação do Paquistão” em Islamabad.
https://twitter.com/PTIofficial/status/1519753373079130112
https://twitter.com/siasatpk/status/1519752055174406145
A presença do Khan no Shab-e-Dua foi reproduzida em vários locais do país.
https://twitter.com/PTIofficial/status/1519748278040117248
https://twitter.com/AwaisYounasPTI/status/1519757657284005888
https://twitter.com/PTIKWLOfficial/status/1519752732529287168
Bilawal Bhutto Zardari foi apontado como Ministro de Assuntos Estrangeiros do Paquistão. Bhutto, pertencente à influente família do país, é presidente do Partido Popular do Paquistão (Pakistan Peoples Party – PPP), a entidade de oposição mais forte junto com o partido de Sharif (PML-N) para a deposição de Imran Khan.
Em paralelo, o PM Shehbaz Sharif organizou uma visita ao Reino da Arábia Saudita. Ao que tudo indica, a escolha do país para a primeira visita ao exterior não foi aleatória. A Arábia Saudita tem relações próximas com a família Sharif, já que foi exilada neste país quando o exílio decorrente do golpe que derrubou o então PM Nawaz Sharif (1997-1999). Apesar de não ter um roteiro estabelecido, provavelmente Sharif aproveitará a oportunidade para visitar outros países da região com vistas em fortalecer os laços políticos com o novo governo do Paquistão.
Ademais, a Arábia Saudita possui cerca de dois milhões de paquistaneses como residentes. Provavelmente a visita ocorreu como uma forma de enviar uma mensagem ao próprio povo sobre as intenções positivas do novo governo. Mas também havia interesses concretos à mesa, como o petróleo, recurso do qual o Paquistão possui grandes necessidades.
https://twitter.com/siasatpk/status/1519766285952950278
Ocorreu um incidente com a delegação do governo Sharif no interior das instalações de Masjid-e-Nabvi (Mesquita do Sagrado Profeta) na cidade de Medina por cidadãos paquistaneses. Também foram relatados insultos e abusos aos populares que estavam nas instalações por cidadãos de origem paquistanesa. Houve forte repercussão na mídia regional, dado que tais ações dentro de um local sagrado é considerado um insulto ao Islã. Cinco cidadãos paquistaneses foram presos pela polícia saudita.
As implicações do incidente logo recaíram sobre Imran Khan. Saíram denúncias onde se afirmava que os membros do PTI foram os que provocaram o incidente, o que foi prontamente respondido pela liderança maior do partido, mencionando que tal movimento, além de ser um desrespeito ao local sagrado, ocorreu no mesmo momento da realização do Shab-e-Dua, na qual a organização do PTI estava envolvida.
29 de abril
Surgiu uma notícia mencionando a intenção de Khan em enviar uma carta para o Chefe da Justiça do Paquistão (CJP) Umar Ata Bandial e o Presidente Arif Alvi a respeito das investigações sobre as conspirações contra o governo paquistanês.
Nesse mesmo dia, Khan visita a embaixada da China em Islamabad para prestar condolências ao ataque terrorista ocorrido no Instituto Chinês da Universidade de Carachi reivindicado pelo BLA.
https://twitter.com/shen_shiwei/status/1520187225308221440
Khan fez um discurso na Convenção do PTI da cidade de Multan.
30 de abril
Imran Khan reforçou seu anúncio para realizar uma Grande Marcha para Islamabad programada para a última semana de maio.
Khan realizou um passeio não anunciado em meio ao povo em Carachi.
https://twitter.com/AsifChishti/status/1520324566752632832
https://twitter.com/annie_khalid/status/1520365572097249281
https://twitter.com/PTI_Scientist/status/1520345882146881536
https://twitter.com/PTIofficial/status/1520324153030684672
https://twitter.com/AbdulqadirARY/status/1520325875031547905
Alguns comentários finais
Percebemos que a tensão política no Paquistão está numa crescente. Não há indicações que a polarização no país irá decrescer. As mobilizações por parte do PTI continuam e se mostram cada vez mais capilarizadas nas diversas cidades do país. Não é somente os inúmeros eventos públicos que Imran Khan vem promovendo que devem ser colocados em tela, como também o importante trabalho de base em diversas localidades do país promovido pelos setoriais regionais do PTI.
Não somente as questões internas contam. O Paquistão está voltando a se envolver de forma crescente em tensões em suas fronteiras. Há crescentes relatos de atividades da Força Aérea paquistanesa na fronteira com o Afeganistão por causa da presença do Talibã paquistanês (Tehrik-i-Taliban Pakistan – TTP), grupo considerado terrorista pelo governo paquistanês. Também há denúncias do governo indiano sobre a escalada de tensões na região da Caxemira.
Porém, o novo governo está agindo com intenções de estabelecer e renovar relações diplomáticas com vistas a estabilizar o governo. Além do relato sobre a visita de Sharif na Arábia Saudita, também há tentativas de manter relações diplomáticas estáveis com parceiros mais recentes, a exemplo das evidências das relações diplomáticas com a Rússia expressadas após a entrada do PM Sharif e dos cumprimentos diplomáticos entre os dois países após à nomeação de Bhutto como Ministro das Relações Exteriores.
Sobre a expectativa de que ocorram de fato eleições antecipadas, deixamos a opinião Pepe Escobar em sua recente entrevista com o Richard Merdhust. Segundo o jornalista, é mais provável que as eleições só ocorram em meados do ano que vem, dado o controle tomado pela sua elite compradora e os reforços dos laços com o imperialismo anglo-ianque. Contudo, há uma chance relevante que Imran Khan volte ao poder nas próximas eleições, dado o caldeirão de insatisfação e de politização que a sua deposição gerou como efeito.
Por fim, pretendemos soltar o próximo SITREP na esteira da organização da Grande Marcha para Islamabad que está sendo organizada para o fim do mês de maio. Exceto o caso que um evento de maior envergadura ocorra no país nesse meio tempo.
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