Michael Hudson e Radhika Desai sobre o Imperialismo do Dólar

Postado por Yves Smith em 28 de fevereiro de 2023

Aqui é Yves. Eu tenho que confessar que esta afirmação no topo da entrevista fala sobre a desdolarização, quando se dedica quase inteiramente a contar a história de como o dólar alcançou seu status atual, descrevendo as vantagens para os EUA do sistema atual, mas ainda descrevendo o movimento concertado longe do dólar como apenas aspiracional.

Salientamos que foram necessárias duas Guerras Mundiais e a Grande Depressão para destronar a libra esterlina, e foi quando a Inglaterra deixou de ser potência econômica dominante (a França, por exemplo, foi maior). Mesmo com o compreensível ressentimento do abuso da América de sua posição privilegiada, como diz a piada, “o dólar ainda é a camisa mais limpa na roupa suja”. Em uma entrevista ontem, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, admitiu que “não teremos chance de ter sucesso” se a Rússia tentar destronar o dólar agora.

É verdade que um afastamento de longa data do dólar está em andamento à medida que a posição dos EUA na economia mundial encolhe. O dólar representou 70% das reservas cambiais do banco central em 2000. Agora caiu para 60% no final do segundo trimestre de 2022. Mas a porcentagem dos EUA no PIB mundial caiu ainda mais ao longo desse período, de 30% do PIB mundial para 24%.

Mesmo que os países estejam tentando se mover para um comércio mais bilateral e passar por cima do dólar para transações comerciais, muitos parceiros comerciais têm moedas que são muito fracas, voláteis ou ilíquidas em grandes transações para serem adequadas para reter como reservas cambiais. Por exemplo, os países do Sudeste Asiático pegam as moedas uns dos outros, mas seus bancos centrais se regulam em dólares a cada poucos meses.

Os EUA são reconhecidamente capazes de dar um tiro em seu próprio pé econômico, digamos, através da tentativa de um rápido acúmulo militar com a nossa indústria de defesa “boa apenas para saquear”, o que colocaria os EUA em um caminho de declínio ainda mais rápido do que está agora. (Profestas da desgraça também podem se preocupar com a caldeira do Yellowstone). Mas na ausência de uma rápida queda em nossa posição econômica, não há uma maneira óbvia de deslocar o dólar.

O renminbi [NT: nome oficial da moeda chinesa] não é um bom candidato por uma série de razões: a China usa controles de capital e não está disposta a executar déficits comerciais sustentados para obter moeda em circulação no exterior. Os mercados de capitais dos EUA ainda são comparativamente bem regulados e os tribunais dos EUA são vistos como bastante imparciais ao lidar com interesses monetários.

Como o irmão afetado Jacob Dreizin colocou:

Vários comentaristas escreveram…

…em vários momentos…

….que “se a China, Rússia, Índia, Brasil, etc. começarem a negociar em suas próprias moedas”…..

…então o dólar desce.

Risos…

Não importa tanto…

…o que você aceita pelo seu petróleo, carvão….

… combustível nuclear, armas, o que quer que seja.

Sim, é ótimo evitar que os principais setores econômicos sejam impactados….

…pelos EUA ou outras sanções.

Mas, estruturalmente, quase não afeta nada.

O que importa é ….

Em que moeda os bancos centrais e privados mantêm suas RESERVAS?

Para a Rússia pôr de lado um monte de yuan…

….(MUITO mais do que detêm hoje)…

…A China teria que emitir uma TONELADA de dívida…

…porque, no momento…

….. não há suficiente “qualidade” (emitida pelo estado central), dívida denominada em yuan….

…para ser retida, no mundo inteiro.

(Sim, se você ler Bloomberg etc., você vai ouvir sobre o horrível crescimento da dívida da China. É quase tudo dívida regional, porcaria de dívida.)

Bem, o estado central chinês só pode emitir essa dívida…

…..se ele vai gastar o déficit de produção.

Mas adivinha ….

O Estado central da China mal tem um déficit orçamentário.

(Ficou maior nos últimos dois anos, mas ainda é apenas uma fração risível do que os EUA administram.)

O que isso significa….

Existe apenas um volume NOMINAL de dívida estatal chinesa, disponível.

E menos ainda, disponível FORA da China.

Se a China TIVESSE um grande déficit orçamentário….

….(Eu não posso imaginar que precise, ou em que iria gastar, então isso é apenas hipotético)….

…isso seria EXTREMAMENTE inflacionário…

……como todo esse dinheiro extra gasto dentro da China….

….ficaria quase exclusivamente DENTRO do país…..

…..em vez de “vazar” em todo o mundo, assim como o dólar.

(Porque, ao contrário dos EUA, a China é um exportador líquido maciço, não um importador líquido maciço, e também não hospeda dezenas de milhões de imigrantes/migrantes que enviam dinheiro “para casa”.)

E o QUE isso faria…

…..é aumentar a demanda por títulos do Tesouro dos EUA por instituições financeiras chinesas…..

…..e a demanda de conta em dólar por parte dos chineses ricos e sua prole…..

…..(tentando guardar algo fora do país)…..

…e, o que isso faria?

ISSO FORTALECERIA ENORMEMENTE A DEMANDA POR DÓLARES DENTRO DA CHINA E POR PARTE DOS CHINESES.

Portanto, a China não é candidata até que mude radicalmente suas políticas econômicas, tornando-se muito mais orientada para o consumo interno, em oposição à orientação para a exportação/investimento.

Que tal uma nova moeda comum?

Se você ler a seção sobre o bancor amarelo abaixo, verá que um sistema multipolar exige que os participantes renunciem à soberania nacional. É certo que eles já estão com o sistema do dólar, mas os participantes entendem como funciona e se acostumaram com seus custos.

Um ponto de venda de uma ordem multipolar é mais soberania nacional, mas qualquer novo sistema requer a rendição de autoridade a novos observadores de moeda. E os países maiores terão mais voz. Mas, mesmo assim, a China cederia autoridade e controle a uma autoridade multilateral onde não tivesse voto majoritário ou direitos de veto? Tenho as minhas dúvidas.

Por favor, não deixe que esta longa introdução o impeça de ler a história importante e detalhada de como o sistema do dólar se desenvolveu.

Publicado originalmente em Geopolitical Economy News Hour

RADHIKA DESAI: Olá a todos. Bem-vindos à quarta Hora da Economia Geopolítica, nosso show quinzenal sobre a economia política e geopolítica atual. Sou Radhika Desai.

MICHAEL HUDSON: E eu sou Michael Hudson.

RADHIKA DESAI: Hoje continuamos nossa discussão sobre a desdolarização. Como muitos de vocês sabem, estruturamos nossa discussão em torno de dez questões, e da última vez lidamos com as cinco primeiras.

O que é dinheiro? Qual é a relação entre dinheiro e dívida? O dinheiro é uma mercadoria? Qual é a teoria de como o dólar serve como moeda mundial?

E então, porque essa teoria depende muito do sistema de libras esterlinas, discutimos o sistema de libras esterlinas. O que é? O que era essa base real não ouro, mas realmente império etc.

E então decidimos que neste programa discutiremos as próximas cinco questões, que são: como o sistema de libras esterlinas terminou? O que realmente aconteceu entre as guerras mundiais? Assunto sobre o qual Michael escreveu uma quantidade enorme e ele sabe muito.

Em seguida, discutiremos o sistema do dólar entre 1945 e 1971, que é o ano em que o elo do ouro e do dólar foi quebrado. Como o sistema do dólar realmente funcionou nessa época? Porque sempre nos dizem que este foi o momento em que tudo estava bem e o sistema do dólar estava bem até 1971; mas a realidade é bem diferente.

E então nos dizem que depois que o elo do ouro e do dólar foi quebrado, isso não foi de um grande desastre. Pelo contrário, os Estados Unidos meio que enganaram o resto do mundo e conseguiram fazer com que o dólar funcionasse como divisa mundial sem o fardo de vinculá-lo ao ouro. É realmente isso que está rolando? O que realmente aconteceu?

E então finalmente chegamos à crise de hoje. Quais são as principais dimensões? Quais são as formas que a desdolarização assume?

Devo dizer que Michael e eu estávamos discutindo exatamente o quão longe vamos chegar, já que temos uma hora, e temos muito a discutir. É possível que passemos por tudo isso, mas é bem possível que cheguemos as perguntas três ou quatro e depois teremos de deixar o resto para o próximo programa.

Dito isto, deixe-me mergulhar diretamente na questão de como o sistema da libra esterlina terminou.

Como discutimos na última vez, o sistema de libras esterlinas foi naturalizado e retratado como se pudesse ter durado para sempre. Basicamente, fazer o mundo acreditar que é perfeitamente natural e aceitável que a moeda de um país sirva como dinheiro do mundo.

E, claro, seu funcionamento foi atribuído ao ouro. E vimos da última vez que não era assim. E é importante esclarecer isso, porque as pessoas ainda anseiam por um padrão-ouro e, na realidade, você tem que entender que, embora o ouro fosse a referência do valor da libra esterlina, não era o que fazia o sistema funcionar.

O que fez o sistema funcionar foram os excedentes, como mostrei no mapa que mostrei da última vez. Essencialmente, o fato de a Grã-Bretanha ter um grande império significava que os excedentes, como você vê no mapa, fluíam das colônias não assentadas da Grã-Bretanha — principalmente da Índia britânica, mas também de alguns outros países — como você vê nas setas azuis, tudo isso fluía para a Grã-Bretanha.

Esses fluxos foram baseados na Grã-Bretanha essencialmente cobrando essas colônias pelo privilégio de serem governadas pela Grã-Bretanha, [e] a Grã-Bretanha se apropriando do ouro e do valor cambial dos enormes serviços de exportação que essas colônias prestavam ao resto do mundo e assim por diante.

Assim, esses excedentes estavam centrados na Grã-Bretanha e depois foram reciclados nas famosas exportações de capital que essencialmente financiaram a industrialização da Europa neste momento, da América do Norte, da África Austral e também, é claro, dos Antípodas da Austrália e da Nova Zelândia.

Então, essencialmente, é aqui que a distinção entre as colônias de colonos e não colonos se torna muito importante.

Também apontamos que, embora a Grã-Bretanha estivesse no topo do maior império que o mundo já conheceu, o xis da questão era que este também era um período durante o qual outros países estavam emergindo para desafiar o poder da Grã-Bretanha.

A Alemanha vinculou sua moeda ao ouro, não para se subordinar a algum tipo de padrão-ouro, mas sim para tornar sua própria moeda atraente para o resto do mundo, a fim de aumentar o mercado de bens alemães e aumentar, em geral, o poder da Alemanha sobre grandes partes do mundo.

Os Estados Unidos também esperaram até 1913, mas finalmente conseguiram criar o sistema do Federal Reserve, e essa foi outra maneira de essencialmente afirmar suas próprias prioridades e assim por diante.

Então, neste contexto, como Marcello De Cecco, cujo famoso livro Dinheiro e Império realmente vale a pena ler, apontou que é muito importante para nós não tomar o que ele chamou de interpretação ricardiana do sistema de libras esterlinas, mas tomar um listiano.

Ele está se referindo, é claro, a David Ricardo (1772 – 1823), o famoso economista político do século XIX que era um grande partidário do livre comércio e da ideia de que a economia mundial era simplesmente um todo homogêneo unido por mercados e assim por diante.

E De Cecco está se referindo a Friedrich List (1789 – 1846) que, do contrário — e Michael e eu concordaríamos muito mais com List — retrata a ordem mundial como uma ordem mundial composta de economias nacionais.

E essas economias nacionais estavam frequentemente em competição, luta e conflito umas com as outras. E neste contexto, a industrialização de outras grandes potências para desafiar o domínio industrial da Grã-Bretanha estava fadada a desestabilizar o sistema da libra esterlina e de fato o fez.

E, claro, também se baseava no fato de que as classes industriais da Grã-Bretanha e as classes capitalistas industriais aceitariam um regime que era realmente bastante prejudicial a esse interesse. E houve muita perturbação nessa frente também, onde eles estavam basicamente questionando as prioridades da cidade de Londres e o funcionamento do sistema de ouro esterlino.

E, finalmente, baseou-se na aquiescência da classe trabalhadora: a ideia de que a Grã-Bretanha poderia periodicamente infligir à sua própria economia recessões severas, a fim de manter o valor da libra esterlina e recessões severas significava, é claro, desemprego pesado e as pessoas da classe trabalhadora estavam ficando cada vez mais organizadas e se opondo [às políticas].

Assim, por todas essas razões, o sistema da libra esterlina estava realmente enfraquecendo no período [até 1914 e a] da eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Deve-se acrescentar aqui que, embora isso realmente tenha começado somente após a Primeira Guerra Mundial, houve também o início da inquietação nacionalista nas colônias que também ameaçaria tirar a base do sistema de libras esterlinas.

Então, tudo isso estava acontecendo e depois da Primeira Guerra Mundial, é claro, o Império Britânico foi drasticamente enfraquecido e um retorno estável ao padrão-ouro por parte da libra esterlina simplesmente não era possível.

Então, esta é a história de como o sistema de libras esterlinas terminou, e depois que o sistema de libras esterlinas terminou, e durante e depois da Primeira Guerra Mundial, houve uma série de maus comportamentos realmente importantes por parte dos Estados Unidos, em particular em relação à Grã-Bretanha, sobre a qual Michael agora falará, porque realmente nossa segunda pergunta é exatamente o que aconteceu entre as guerras mundiais. E Michael, por favor, sinta-se a vontade para acrescentar qualquer outra coisa sobre o fim do sistema de libras esterlinas que queira.

MICHAEL HUDSON: Bem, a maior parte da nossa discussão daqui em diante será sobre finanças intergovernamentais e o que a Primeira Guerra Mundial fez foi, pela primeira vez, mudar todas as regras de como aliados e outros países resolveram todos os equilíbrios e a ajuda mútua que se acumulou durante a guerra.

Depois das guerras anteriores, como as Guerras Napoleônicas, era normal que os aliados dissessem: “Bem, tudo bem, vamos perdoar as dívidas, estamos todos lutando a mesma luta, vamos começar de novo”.

Mesmo se você é inimigo — na Guerra Franco-Prussiana, por exemplo, a França devia à Alemanha algumas reparações, mas a França simplesmente foi aos bancos privados, emprestou o dinheiro e pagou à Alemanha.

Assim, todas as conexões entre os sistemas monetários mundiais eram basicamente finanças do setor privado.

Tudo isso mudou quando os Estados Unidos disseram: “Bem, durante a guerra, é claro que não vamos cobrar pelos tanques e toda a ajuda que lhe demos durante a guerra, mas não entramos na guerra quando vocês britânicos entraram e os franceses entraram, então vocês ainda terão que nos pagar todas as dívidas de quando éramos um país neutro, antes de entrarmos na guerra”. Essas dívidas eram enormes e os Aliados não sabiam o que fazer. Eles não queriam ser indelicados com os Estados Unidos, então disseram: “Tudo bem, vamos fazer com que a Alemanha, a perdedora, pague reparações. Isso nos permitirá pagar-lhe as dívidas entre aliados.”

Então, os Aliados, com o acordo americano, disseram que a Alemanha tem que pagar o dinheiro que cobramos pelas dívidas que eles não esperavam ter que pagar após a Primeira Guerra Mundial.

Bem, o resultado foi bem rapidamente uma crise.

A Alemanha foi despojada de suas regiões siderúrgicas, foi despojada de seus ativos, ficou quase incapaz de pagar, mas sobrecarregada com enormes reparações que não poderia pagar, e o resultado foi um colapso.

A Alemanha tentou pagar simplesmente jogando marcos — sua moeda, o marco alemão — no mercado de câmbio, e a taxa de câmbio cairia.

Quando uma taxa de câmbio cai — assim como aconteceu no Terceiro Mundo e após a Segunda Guerra Mundial — o preço das importações sobe. Se o preço de tudo o que a Alemanha precisava — petróleo, aço, maquinaria — era todo denominado em dólares, o preço das importações subia e, como resultado, o Reichsbank alemão tinha que criar mais dinheiro para financiar as transações de pessoas e empresas a preços mais altos.

Agora, isso é exatamente o oposto do que dizem os teóricos monetários de hoje.

Os teóricos monetários de hoje dizem: “Bem, os governos têm um déficit, e isso coloca dinheiro na economia, e isso causa um déficit comercial, e isso leva a empréstimos estrangeiros”.

Bem o contrário. A Alemanha só criou dinheiro em casa porque sua moeda internacional estava caindo. Assim, imediatamente, [e] para o equilíbrio da década de 1920 — depois de 1921 houve um enorme debate sobre: a Alemanha deveria ter que pagar reparações, e os Aliados deveriam ter que pagar dívidas internacionais.

Agora, esse argumento é muito importante porque os argumentos apresentados na década de 1920 eram os mesmos argumentos que o FMI apresentaria após a Segunda Guerra Mundial. E a falência da Europa na década de 1920 foi um ensaio geral de como o FMI faliu os países do Terceiro Mundo e os países do Sul Global.

Havia duas faces desse argumento, como eu discuti em meu livro Comércio, Desenvolvimento e Dívida Externa, [no qual] eu falo sobre esses argumentos.

Por um lado, você tinha as pessoas que não só odiavam a Alemanha, mas, ainda mais do que eles odiavam a Alemanha, eles odiavam o trabalho. Bertil Ohlin, nos Estados Unidos, e Jacques Rueff, na França, disseram que qualquer país poderia pagar qualquer quantia de dívida externa simplesmente taxando o país internamente e baixando o preço do trabalho — baixando os salários. Você poderia espremer o suficiente se apenas espremesse o trabalhador suficientemente, e isso de alguma forma criaria — o que você tirou da economia doméstica em marcos poderia ser pago diretamente aos Aliados.

Bem, Keynes e, na economia americana, Harold Moulton disseram: “Isso é um absurdo. Resolver o problema orçamental — aumentando o excedente orçamental — não ajuda o problema das transferências. A Alemanha foi capaz de tributar seu trabalho e sua indústria em marcos, mas como pagou em dólares? Não pode tributá-los em dólares porque a Alemanha usou o sistema de marcos. A questão é: como a Alemanha pode traduzir esse excedente econômico, que ela espreme através do trabalho e da indústria, para pagar países estrangeiros?”

Bem, esse é exatamente o mesmo problema que ocorreu na Argentina e em outros países após a Segunda Guerra Mundial.

Keynes apontou, dizendo: “Bem, o país terá que exportar, mas isso significa que a única maneira pela qual a Alemanha pode pagar é fazendo com que outros países comprem suas exportações. Mas assim que o marco alemão começou a cair, enquanto tentava pagar sua dívida externa — e a dívida externa é o principal fator que empurrou para baixo as taxas de câmbio do Terceiro Mundo nos anos 1960, 70 e 80 — e isso aconteceu, os Estados Unidos imediatamente aumentaram suas tarifas e aprovaram uma lei em 1921 contra países que vendem e depreciaram moedas.

Então, os Estados Unidos disseram: “Bem, a Alemanha tem que pagar aos Aliados [para que os Aliados possam] nos pagar, mas não vamos comprar exportações alemãs para fornecer os dólares. Nós não vamos dar ao resto do mundo dólares de jeito nenhum. Terá que nos pagar em dólares sem qualquer forma de ganhá-los.”

Bem, obviamente isso não funcionaria. A questão é: o que aconteceu?

Na prática, os Estados Unidos disseram: “Bem, vamos resolver isso à moda antiga, fazendo com que o equilíbrio do setor privado seja importante, fazendo com que as taxas de juros do Federal Reserve sejam mais baixas” na década de 1920 – assim como a flexibilização quantitativa de hoje — e as taxas de juros mais baixas tornariam lucrativo para os investidores americanos comprar os títulos dos municípios alemães e comprar empresas alemãs.

Assim, os investidores americanos comprariam títulos municipais alemães e emprestariam a empresas alemãs — ou comprariam empresas alemãs — a Alemanha pegaria esses dólares e pagaria aos Aliados, os Aliados pagariam aos Estados Unidos, e haveria um fluxo circular, e tudo se equilibraria.

Enquanto isso, a Inglaterra ainda tinha problemas para pagar os Estados Unidos, e o Banco da Inglaterra veio para os Estados Unidos e disse: “Você tem que manter suas taxas de juros realmente baixas para que as pessoas emprestem para a Inglaterra também, porque precisamos conseguir dinheiro para não ficarmos amarrados”.

Assim, os Estados Unidos — o Federal Reserve — inundaram a economia com dinheiro. Muito desse dinheiro foi usado para o boom do mercado de ações. E o boom do mercado de ações finalmente entrou em colapso em 1929 porque tudo foi financiado a crédito.

As pessoas estavam usando esse crédito para comprar ações em margem. E assim como nas bolhas financeiras subsequentes, elas são criadas tomando dinheiro emprestado para comprar ações em margem, e todas elas são basicamente bolhas financiadas por dívida, e foi isso que aconteceu.

Finalmente houve um colapso em 1929. Os países entraram em depressão, 1929, 1930. Finalmente, em 1931, os governos se reuniram e declararam uma moratória sobre a dívida externa, sobre a dívida interaliada, sobre as reparações alemãs. Eles declararam uma moratória.

Os Estados Unidos disseram: “Bem, não vamos pedir dinheiro agora, mas podemos pedir dinheiro europeu mais tarde. Se a Europa algum dia ficar próspera, vamos pedir o dinheiro, e ainda vamos fazê-la pagar. Mas, por enquanto, entendemos que forçamos vocês a entrar em depressão.”

Roosevelt chegou ao cargo e imediatamente desvalorizou o dólar e bloqueou as vendas de ouro e disse: “Bem, não vamos mais ser amarrados pelo ouro. Vamos basicamente nacionalizar o estoque de ouro.”

Keynes escreveu, na Inglaterra: “Roosevelt está magnificamente certo. É claro que você não quer que o ouro limite o que qualquer país faz.”

A América e o resto do mundo estão livres. Eles ainda não se recuperaram da depressão até a Segunda Guerra Mundial. E a Segunda Guerra Mundial, é claro, mudou as coisas. E acho que Radhika tem algumas coisas a dizer sobre isso.

RADHIKA DESAI: Sim, obrigado Michael, isso é realmente excelente. Enquanto você falava, lembrei-me de algumas coisas que senti que deveria realmente acrescentar ao que você estava dizendo.

Então, primeiro de tudo, eu só queria dizer que, em seu Super Imperialismo, você faz um ponto realmente importante que vale a pena citar, então é isso que eu vou fazer.

O que Michael estava discutindo, sobre a recusa dos EUA em concordar essencialmente que a ajuda que havia dado aos Aliados durante a Primeira Guerra Mundial deveria ser tratada apenas como uma concessão e os EUA não deveriam exigir reembolsos.

A maneira pela qual isso desencadeou o carrossel financeiro dos britânicos exigindo reparações da Alemanha e, em seguida, de todo o suprimento dos EUA — então, essencialmente, o que isso gerou, é que a Alemanha teve de pagar reparações à Grã-Bretanha, Grã-Bretanha e França tiveram de pagar pagamentos da dívida aos Estados Unidos.

E os Estados Unidos, tendo tornado quase impossível para a Alemanha ganhar muito com as exportações, forçaram essencialmente o setor privado a emprestar aos municípios alemães. Então houve esse carrossel financeiro que eventualmente entrou em colapso, como Michael diz, com a Crise de 1929.

Mas no início disso, Michael diz em Super Imperialismo, que seria errado dizer que os Estados Unidos provocaram a Segunda Guerra Mundial.

É verdade, no entanto, que nenhum ato, por qualquer nação, contribuiu mais para a gênese da Segunda Guerra Mundial do que o peso intolerável e insuportável que os Estados Unidos deliberadamente impuseram aos seus aliados da Primeira Guerra Mundial e, através deles, à Alemanha.

Então, eu acho que este é um ponto realmente valioso e importante e também se conectará com os outros pontos que estaremos fazendo sobre como essencialmente os Estados Unidos, ao longo do último século e meio, ou certamente ao longo do século passado, dominaram a técnica de lucrar com guerras que muitas vezes — que pode instigar ou encorajar, a milhares de quilômetros de distância. E eu acho que isso tem sido muito importante.

E também, Michael, você disse que os Estados Unidos estavam mantendo as taxas baixas para essencialmente forçar o setor privado a financiar — para essencialmente emprestar dinheiro à Alemanha. Mas também foi o caso que os EUA neste momento, embora realmente quisessem fazer do dólar a moeda mundial, porque a libra esterlina não era mais capaz de sê-lo, descobriram que não poderiam fazê-lo tão facilmente.

E por um tempo, estava apoiando algum tipo de “condomínio dólar- libra-esterlina”, por assim dizer, um sistema conjunto dólar-libra-esterlina. E no interesse de perseguir isso, os EUA também estavam mantendo as taxas de juros baixas durante o início e meados da década de 1920, a fim de essencialmente encorajar a Grã-Bretanha a voltar ao ouro após o intervalo após a Primeira Guerra Mundial.

E, finalmente, um ponto realmente importante que é crucial, em parte porque há tantas pessoas que pensam que de alguma forma um padrão-ouro resolveria tudo. É importante lembrar que um padrão-ouro tem sido tipicamente bastante deflacionário, porque essencialmente, como dissemos no início, o capitalismo e o dinheiro têm um tipo estranho de relacionamento, porque o capital só pode ser acumulado em dinheiro.

Portanto, os capitalistas querem que o dinheiro retenha seu valor. Assim, o que os capitalistas precisam do dinheiro para manter seu valor é restringir sua oferta, porque essa é a única maneira de os estados capitalistas saberem como fazer dinheiro reter seu valor.

Mas, ao mesmo tempo, para que o dinheiro facilite a expansão do capitalismo, a fim de facilitar uma acumulação cada vez maior, você precisa de dinheiro para estar em boa oferta, então uma ordem monetária deflacionária é uma coisa ruim.

Então, os capitalistas essencialmente querem ter seu bolo e comê-lo também, e eles não podem ter os dois ao mesmo tempo, então eles estão sempre nesse problema.

O ouro tem sido tipicamente deflacionário porque é uma maneira artificial de restringir a oferta de dinheiro para que o dinheiro retenha seu valor, porque não tem nenhuma maneira racional de decidir sobre prioridades de investimento e assim por diante, então só pode fazê-lo dessa maneira.

Agora, sim, eu tenho algumas outras coisas a dizer, que são relevantes para esta segunda questão, que é, o que aconteceu no período entre guerras.

A última coisa, além do que Michael está dizendo — a última coisa que aconteceu é a proposta de Bretton Woods de Keynes. Ou seja, Keynes, a fim de —

no período entre guerras, houve uma grande depressão, o comércio internacional e os sistemas de pagamento entraram em colapso, havia muita incerteza, as moedas eram muito voláteis umas contra as outras. E isso não estava facilitando a recuperação.

Então houve uma grande conferência, como ficou claro que os Aliados iriam ganhar a guerra, especialmente depois de 1943 e Stalingrado, ficou claro que a guerra seria vencida pelos Aliados, era apenas uma questão de tempo.

Então, o planejamento pós-guerra, o planejamento para o período pós-guerra começou a sério. Uma grande parte desse planejamento ocorreu no resort de New Hampshire chamado Bretton Woods. E disso vieram os sistemas de governança econômica internacional pós-Segunda Guerra Mundial, que incluem as Nações Unidas, inclui o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional.

E, dado que o esforço para tentar criar uma Organização Internacional do Comércio falhou, eles tiveram que aceitar um acordo provisório que era os Acordos Gerais sobre Tarifas e Comércio que depois de 1995 se tornaram a Organização Mundial do Comércio.

Então, para entender — é muito importante do nosso ponto de vista entender as propostas que Keynes fez em Bretton Woods

Então você vê aqui neste diagrama, basicamente Keynes chegou a Bretton Woods como o chefe da delegação britânica. A Grã-Bretanha experimentou entre as duas guerras o que só pode ser descrito como o declínio mais acentuado no poder e no status que um país já conheceu.

Porque em 1914, a Grã-Bretanha estava no topo do maior império que o mundo já conheceu, e o maior credor do mundo. E no decorrer dos trinta e tantos anos seguintes, a Grã-Bretanha declinou dessas posições. Sua indústria era cada vez menos competitiva, seu domínio financeiro sobre o mundo e o domínio monetário sobre o mundo haviam diminuído. Suas colônias estavam ficando inquietas e a descolonização era iminente.

Então Keynes chegou a Bretton Woods com um conjunto de propostas que tornariam possível para um país muito enfraquecido, como a Grã-Bretanha, ainda tentar seguir políticas que fossem benéficas para o povo britânico e a economia britânica.

Ele estava muito ciente, e ele sabia, a propósito, melhor do que praticamente qualquer um como o sistema ouro-libra funcionou, porque seu primeiro livro Indian Currency and Finance tinha sido sobre nada além disso.

Então, ele sabia que o tempo em que esses arranjos poderiam ter funcionado já tinha passado, e novos arranjos eram necessários. Ele estava muito ciente, também, que não só a Grã-Bretanha não era mais o chefe do sistema mundial, mas que agora havia uma maior dispersão do poder produtivo e do poder financeiro em todo o mundo.

Então ele veio a Bretton Woods com um conjunto original de propostas, e eu sublinhei “original” porque ao longo de muitas negociações eles tendiam a ser reduzidos, e muitas pessoas pensam que o sistema pós-guerra que obtivemos no final foi resultado das propostas de Keynes, mas na verdade foi o resultado da eventual derrota de Keynes.

Mas a razão pela qual é muito importante entender o que ele propôs é que nos dá a estrutura de pensamento que nos permite ver o que há de errado com o sistema do pós-guerra.

Então, basicamente, ele propôs que deveria haver uma nova moeda criada multilateralmente. Ele disse que, por falta de um nome melhor, vou chamá-la de “bancor” — e é isso que você vê na parte inferior da tela com o pontinho verde.

E o valor do bancor, disse Keynes, dependeria do de trinta commodities — trinta das commodities primárias mais negociadas.

Lembre-se da última vez que discutimos que as commodities primárias são criticamente importantes porque as commodities primárias entram na produção de todo o resto. Então, seja óleo, ou minério de ferro, ou cobre, ou o que você tem, trigo, etc., essas mercadorias primárias entram na produção de todo o resto. Toda economia precisa deles e, portanto, os preços deles são extremamente importantes para qualquer economia.

Assim, [bancor] não se basearia no ouro — o ouro era uma das trinta mercadorias — mas nessas trinta mercadorias primárias.

Bancor seria emitido por uma organização que recebeu o ??? chamado de União Internacional de Compensação (ICU). E bancor não seria usado como moeda nacional. Você e eu não usaríamos isso para comprar uma refeição no restaurante ou uma barra de chocolate. Apenas os bancos centrais poderiam usá-la para resolver desequilíbrios.

Então, digamos que entre dois países, se um país exportou US$ 50 em mercadorias para outro país, e esse país exportou US$ 70 em mercadorias para o primeiro país, então o desequilíbrio não é de US$ 50 + US$ 70 (US$ 130), o desequilíbrio é de apenas US$ 20 (US$ 70 – US$ 50).

Esses eram os desequilíbrios que bancor seria usado para resolver.

E a outra coisa importante sobre bancor é que os países poderiam comprar bancor, mas eles não poderiam vender bancor. Então, eles precisariam comprar bancor para liquidar seus desequilíbrios, mas uma vez tendo feito isso, eles não poderiam vendê-lo, então isso significava que — a ideia era que os países deveriam ser desencorajados a acumular muito bancor, e a maneira como eles poderiam usá-lo para comprar outras coisas, e acertar suas contas uns com os outros, seus desequilíbrios entre si, mas eles não poderiam usá-lo para, digamos, fazer um investimento em um país estrangeiro ou o que quer que você tenha. Então eles podiam comprar bancor, mas não podiam vender bancor [de volta para a ICU].

Tudo isso — havia um par de outras coisas que são importantes nisso.

Número um, esse sistema só funcionaria em um sistema de controles de capital.

A ideia era que você não pudesse gerenciar sua economia, por exemplo, para o pleno emprego, para altos níveis de atividade, a menos que você fosse capaz de controlar a entrada e saída de fundos.

E isto é muito importante, porque, como sabem, em tempos mais recentes, particularmente após os anos 1980 e 1990, quando tantos países levantaram os controles de capitais, pediram-nos para nos habituarmos à ideia de que não ter controles de capitais, ter fluxos de capitais livres, é totalmente natural e desejável. Mas não é esse o caso.

Somos informados de que, por exemplo, existe uma chamada “santa trindade”. Ou seja, você pode ter uma moeda estável, uma política monetária independente e fluxos de capital livres.

[Mas realmente], você não pode ter todas as três coisas ao mesmo tempo. Você tem de escolher uma.

A maioria das pessoas diz que você tem que, essencialmente, escolher um ou outro, mas manter os fluxos de capital livre abertos.

Na realidade, essa é a coisa que pode funcionar mais facilmente, porque todos os países precisam de uma moeda estável e uma política externa independente. Portanto, é muito importante saber que os controles de capital são de importância crítica.

E também, os países suspendem os controles de capital — não porque seja benéfico para você ou para mim e para as pessoas comuns. Eles cessam os controles de capital para que as pessoas ricas possam facilmente levar dinheiro para dentro e para fora das economias. E é para que eles possam levar completamente o seu dinheiro para onde quiserem; eles podem escapar dos impostos; eles podem procurar oportunidades mais lucrativas. Mas isso não nos ajuda.

E o elemento final que Keynes propôs em seu sistema de Bretton Woods, foi o ajuste do credor.

Ou seja, se você tiver um desequilíbrio comercial, eles não persistirão. Isso é diferente do sistema que temos hoje, quando alguns países têm superavits comerciais persistentes e outros países têm déficits comerciais persistentes e, da mesma forma, também alguns países estão persistentemente exportando capital, outros países estão persistentemente importando capital, levando à acumulação de grandes desequilíbrios.

Além disso, todos estes tipos de saldos seriam resolvidos não apenas impondo ajustamentos à parte mais fraca, aos países com déficit comercial e aos países com déficit de capital — ou seja, fazendo-os apertar o cinto e tornando-os mais exportadores. Também seria imposta à parte mais forte, fazendo com que os países exportassem menos e importassem mais no caso de desequilíbrios comerciais.

O ajuste do credor também foi extremamente importante. Ou seja, se você está exportando demais, bens ou capital, você terá de reduzir seu excedente de exportação, seja importando mais, ou exportando menos, faça sua escolha.

Isso foi considerado por Keynes como importante, e ele realmente fez disso parte da estrutura do sistema, essencialmente apontando que, uma vez que você não pudesse vender bancor, e só pudesse acumular bancor, qual era o ponto de acumular algo que você só poderia usar para resolver desequilíbrios?

Então isso era o principal.

E em segundo lugar, você não poderia acumular bancor além de um certo ponto. Se o fizesse, então seria essencialmente desviado para financiar o desenvolvimento em várias partes do mundo que precisassem dele.

Então essa foi a estrutura do sistema que Keynes trouxe para Bretton Woods. E foi rejeitado, essencialmente, pelos Estados Unidos, que não aceitariam que qualquer outra moeda multilateral pudesse ser o dinheiro do mundo porque queria que o dólar fosse o dinheiro do mundo.

Eu falei muito, então eu deveria dar a Michael uma chance de entrar e adicionar qualquer coisa que ele quiser sobre este assunto.

MICHAEL HUDSON: Bem, o que eu quero acrescentar é a razão pela qual Keynes fez essas propostas. O que ele estava tentando evitar?

Bem, ele estava tentando evitar o fato de que a Inglaterra estava quebrada. Para entender isso, você tem de entender como a estratégia dos Estados Unidos, ao longo da Segunda Guerra Mundial, era olhar para a Inglaterra como seu principal rival potencial no pós-guerra.

Em 1942, quando os Aliados conquistaram sua primeira grande vitória, em El Alamein, Churchill fez seu famoso discurso, dizendo: “Este não é o começo do fim, mas o fim do começo”. Isso não é o fim. Não é nem o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo”.

Mas o que é esse “começo”? O início foi realmente moldado em Lend-Lease. Quando a América se juntou à guerra, teve uma discussão: “Como vamos abastecer os Aliados com armamentos? Não podemos ter dívidas como antes. Vamos ter de negociar alguns meios de pagamento. A Inglaterra não pode pagar agora, mas o que pode pagar é desistir de seu império. Pode acabar com a Área da Libra. Ela pode concordar em se tornar um satélite dos Estados Unidos e, essencialmente, forçar-se a uma depressão e falência após a Segunda Guerra Mundial como o preço de lhe darmos apoio.

Bem, isso basicamente era Lend-Lease.

Radhika me lembrou ontem que a Wikipédia [página] no Lend-Lease diz: “A ajuda foi dada gratuitamente com base no fato de que tal ajuda era essencial para a defesa dos Estados Unidos”.

Se você olhar para o meu Super Imperialismo, ele tem um capítulo inteiro sobre Lend-Lease, descrevendo as negociações que ocorreram, para frente e para trás. O que o Congresso dos Estados Unidos insistiu foi o preço do Lend-Lease.

Havia uma série de preços.

O primeiro era que — quando houvesse paz, a Inglaterra desistiria de seu sistema de Preferência Imperial. Isso é o que Radhika estava discutindo antes, como a Inglaterra criou um império de colônias dependentes.

A Preferência Imperial significava que a Inglaterra daria favoritismo comercial — favoritismo tarifário — às suas colônias, aos membros de seus impérios.

Isso foi muito importante, porque durante a Segunda Guerra Mundial, a Índia, o Egito, a Argentina e outros fornecedores de matérias-primas acumularam enormes economias de renda. Eles venderam seus grãos, materiais de mineração, todos os tipos de coisas, para os Aliados. E os Aliados pagaram-lhes, e eles construíram enormes equilíbrios internacionais.

As colônias britânicas tinham dez bilhões de dólares em saldos que haviam economizado durante a guerra. Não só havia Preferência Imperial, mas esses saldos estavam bloqueados. As colônias da Inglaterra disseram: “Você pode usar esses saldos da Área Sterling para pagar outros países da Zona da Libra, ou seja, nós, na Inglaterra”.

A ideia toda era que, a esperança da Inglaterra era que, após a Segunda Guerra Mundial, todos esses saldos que suas colônias haviam construído fossem gastos em exportações [da Inglaterra], e isso permitiria que a Inglaterra tivesse pleno emprego em vez do desemprego em massa que levou a uma greve geral.

Assim, os Estados Unidos basicamente — este foi o início da “ordem baseada em regras” da América. A ordem baseada em regras significa — é um duplo padrão. “Temos um conjunto de regras [para nós], um conjunto para os outros.”

A Inglaterra teve de concordar em abolir o sistema de Preferência Imperial e deixar os países gastarem seus dez bilhões de dólares em qualquer lugar — ou seja, nos Estados Unidos também.

Mas os Estados Unidos não prometeram reduzir suas tarifas e permitir que esses países ganhem dinheiro com os Estados Unidos. Somente a Inglaterra deveria fazer isso.

Henry Kissinger disse: “É perigoso ser um inimigo dos Estados Unidos, mas é fatal ser um aliado”.

A Inglaterra era um aliado e sofreu uma fatalidade.

Então você poderia dizer que o Lend-Lease foi a vitória da América sobre os Aliados, mesmo enquanto a Segunda Guerra Mundial estava acontecendo. Principalmente contra a Inglaterra, porque a Inglaterra era vista quase com tanta preocupação quanto a América estava preocupada com o socialismo.

Assim como as economias socialistas tinham seus controles de capital e seu subsídio de preços, a Inglaterra parecia ser uma economia planejada na medida em que queria que sua própria economia crescesse — sua própria força de trabalho fosse empregada, em vez da força de trabalho americana.

Assim, a Grã-Bretanha teve de concordar com um “livre mercado” que acabou com a Preferência Imperial. Também teve que concordar em não desvalorizar a libra esterlina para tornar suas exportações mais importantes. Inglaterra — quando o Lend-Lease deu lugar a — logo que a guerra terminou, dentro de uma semana, isso aconteceu muito rapidamente, por causa da bomba atômica no Japão — a Inglaterra esperava que a guerra durasse mais um ano para que tivesse uma chance de resolver as coisas mais a seu favor.

Mas, de repente, ela estava quebrada, precisava de dinheiro, e os Estados Unidos disseram, é claro: “Agora que não há mais guerra, não temos que lhe dar nenhum apoio, mas lhe daremos um empréstimo, mas você tem que concordar em não desvalorizar a libra esterlina até 1949. Você tem que manter a libra esterlina a um preço tão alto que ninguém possa comprar suas exportações.”

E [os EUA] disseram: “Há uma grande vantagem que sabemos que o Sr. Churchill vai adorar. Sem exportações, você terá desemprego em massa. Sem desemprego em massa, você terá baixos salários. Você vai ganhar a guerra contra o trabalhador, e nós vamos ganhar a guerra contra você.”

Esse foi basicamente o acordo que foi feito, e basicamente vindo das agências de política externa.

Os Estados Unidos — se você olhar para os debates durante o Lend-Lease e o empréstimo britânico, o Congresso disse: “Bem, você sabe, eles dizem que precisam de dinheiro. Mas se eles realmente precisam de dinheiro, eles têm muitos ativos. Deixe-os vender o petróleo da Shell para os Estados Unidos. Deixe o Sr. e a Sra. Astor colocarem suas riquezas no quarteirão. Eles têm muitas coisas que podem nos dar.”

Em outras palavras, eles trataram a Grã-Bretanha como um ensaio geral de como o Fundo Monetário Internacional (FMI) iria tratar os países do Terceiro Mundo após a década de 1950.

Você tem de pagar um credor estrangeiro, vender todos os seus ativos, vender seu domínio público, seus direitos de mineração, sua infraestrutura pública.

Isso é basicamente o que os Estados Unidos insistiram que a Grã-Bretanha fizesse. E ao concordar com toda essa rendição econômica, os Estados Unidos foram para o resto da Europa e disseram: “Bem, conseguimos que a Grã-Bretanha concordasse com isso. Este é um fato consumado. Ou você se junta a nós, ou não. Ou você está conosco ou não.”

Você não precisava de George W. Bush para dizer isso. Essa foi a política com a qual a América foi para a Europa. A Inglaterra sempre, desde então, atuou como representante da América; como cordeiro da América. Vai valer a pena, e, em seguida, dar um modelo para a América para impor a outros países.

Então, essencialmente, o FMI, quando estava sendo estruturado, deveria impor esse sistema.

Bem, o que Keynes disse — a razão pela qual ele apresentou essa ideia do bancor, que Radhika descreveu, é que disse ele: “Os países credores têm obrigação moral que queremos transformar em obrigação legal, para permitir que os devedores os paguem. Você não pode dizer que é um credor fazendo um empréstimo se você impedir que os países paguem o empréstimo.”

Keynes disse que o elemento-chave em sua proposta para o Fundo Monetário Internacional foi a cláusula de “moeda escassa”. Que os países tomariam emprestada essa moeda especial do FMI, o bancor — eles a acumulariam.

Mas se um país tivesse um superavit sustentado por mais de sete anos — e sabemos que país ele quis dizer, os Estados Unidos — então o superavit seria eliminado, porque era tão grande que seria impagável.

Essa lógica é exatamente a lógica que Keynes aplicou no debate sobre reparações na década de 1920, quando disse: “Veja o que aconteceu. Quando as reparações não puderam ser pagas, finalmente o mundo viu a realidade e cancelou as dívidas de reparação – as dívidas inter-ally. Meu sistema com o bancor é projetado para pôr isso em lei.”

“Que se um país” como os Estados Unidos — [Keynes] não mencionou [de fato] nenhum país — “é um país de superavit crônico, e outros países serão devedores crônicos, em certo ponto esse desequilíbrio será eliminado. É assim que vamos criar o equilíbrio do mercado. Vamos criar um mercado que tem as regras para evitar que o mercado de transferir toda a riqueza do mundo para os países credores e países devedores falidos e forçando a depressão sobre eles.”

Bem, os Estados Unidos disseram: “É isso que queremos! Queremos que o FMI imponha a depressão no resto do mundo, porque então podemos pedir à Argentina, ao Chile, à América Latina e à Ásia que façam exatamente o que a Inglaterra fez. Você nos deve dinheiro — venda sua infraestrutura pública. Venda seus direitos de petróleo. Venda seus direitos minerais.”

E, essencialmente, se você olhar para o debate sobre as propostas de Keynes e o que os políticos britânicos na Câmara dos Lordes escreveram, você vê tudo isso explicado.

A Câmara dos Lordes alertou que isso aconteceria. Os defensores, lutando contra os trabalhadores, o principal partido anti trabalhador, era, naturalmente, o Partido Trabalhista. E o Partido Trabalhista disse: “Temos de concordar com os americanos. Mesmo que venha o desemprego em massa, bem, eles são americanos.”

Os conservadores lutaram contra a falência do trabalhador. O Partido Trabalhista, mesmo antes de Tony Blair, defendeu a luta contra as propostas de Keynes e queria uma rendição abjeta aos Estados Unidos.

E basicamente, foi o que aconteceu.

A tarefa do FMI acabou por ser uma repetição dos acordos de empréstimo e arrendamento, e o empréstimo britânico de 1945 – é emprestar aos países exportadores do Terceiro Mundo. Sua principal diretriz era promover a dependência lá.

Mas chegarei aos anos 50 depois que Radhika fizer a transição do que Keynes fez para o que aconteceu após a Segunda Guerra Mundial.

RADHIKA DESAI: Obrigado Michael. Novamente, realmente muito interessante, e isso só me faz pensar em várias coisas que eu pensei que eu deveria realmente mencionar aqui.

Não só a entrada da Wikipédia está errada, que de alguma forma este Lend-Lease era essencialmente de ajuda gratuita. Como você aponta, o grande preço que tinha de ser pago era essencialmente a rendição da soberania nacional. Essencialmente concordando em fazer o que os Estados Unidos queriam que você fizesse em questões políticas importantes.

Mas também há algo mais.

Na verdade, países como o Reino Unido estavam muito conscientes do que os EUA estavam fazendo, e que o jogo final que os EUA estavam procurando era essencialmente ser um credor que poderia então ditar, se não o reembolso, então essencialmente ditar políticas.

E, a fim de evitar estar nessa situação, para uma grande parte do Lend-Lease, a Grã-Bretanha essencialmente tentou vender ativos, tanto quanto possível, o que pudesse, a fim de pagar por isso de qualquer maneira. Então, na verdade, foi pago monetariamente, na maior parte dos casos, e também foi pago em termos de política de entrega.

E uma política muito crítica. Quero dizer, se você pudesse comprar políticas como essas, elas são baratas, na verdade.

E em segundo lugar, esta discussão é muito importante do ponto de vista de hoje, porque, como alguns de vocês devem saber, a ideia de Lend-Lease foi ressuscitada e colocada em prática mais uma vez, em relação à Ucrânia. E provavelmente discutiremos isso em um programa posterior, porque pretendemos fazer um sobre a economia política e a economia geopolítica da guerra da Ucrânia.

Mas é importante dizer que, novamente, a maioria das pessoas pensa que a ajuda que está sendo dada à Ucrânia, e o Lend-Lease, e assim por diante, é gratuita. Os Estados Unidos estão vendendo fiado. No final desta guerra, onde quer que seja, a Ucrânia, ou qualquer entidade que seja a sucessora da Ucrânia, porque será tão provável quanto uma entidade não muito diminuída, será sobrecarregada com uma grande conta.

E se não puder pagar, tanto melhor, porque os Estados Unidos serão capazes de ditar a política. Então, de uma forma ou de outra, o povo — não só eles estão destruindo a Ucrânia agora, mas eles vão estar apertando ainda mais.

Gostaria também de acrescentar mais uma coisa.

Os Estados Unidos, porque essencialmente exigiram que o Reino Unido não desvalorizasse por um período de tempo — até 1949, etc. — também acabaram — fizeram isso, e também acabaram alistando as colônias da Grã-Bretanha em seu próprio favor.

Porque essencialmente as colônias não queriam comprar coisas com a libra supervalorizada, e eles disseram: “Por que não podemos usar nossos saldos de libra esterlina, porque eles são nossos saldos de libra esterlina?”

Lembre-se que este é também o momento em que essas colônias estão se tornando uma por uma independentes, e disseram: “Por que não podemos usar isso para comprar produtos americanos?” Porque, é claro, naquela época, com grande parte da capacidade produtiva do mundo destruída em todo o mundo, os Estados Unidos eram a única grande economia que restava e a única grande economia capaz de exportar as coisas que as colônias poderiam querer.

E então, finalmente, Michael apontou todo esse ponto sobre austeridade, todo esse ponto sobre como essencialmente exclusivamente o ajuste do devedor — que é o oposto do que Keynes queria.

Keynes queria ajuste credor — ter ajuste exclusivamente devedor significa que você está fazendo a parte mais fraca ainda mais fraca, fazendo-a apertar o cinto, fazendo-a consumir menos, impondo recessões sobre ela, etc.

E deste ponto de vista, novamente, lembre-se, esta não é a única maneira de pagar sua dívida. Na verdade, existem duas maneiras muito diferentes de pagar dívidas. E eu acho que é importante lembrar delas enquanto tentamos avaliar esses arranjos.

Uma é, sim, você restringe o seu consumo — você diz, tá, se eu te devo x quantidade de dólares, eu vou restringir o meu consumo, eu não vou comer, eu não vou aquecer a minha casa, e eu vou pagar a dívida.

Algumas pessoas podem fazê-lo com pequenas dificuldades, para outras será uma dificuldade muito grande, e para as sociedades criar miséria generalizada pagando dívidas dessa maneira e também infligindo miséria aos menos capazes de suportá-la, como os trabalhadores, os pobres, etc.

Mas há outra maneira de pagar dívidas, que é aumentar sua capacidade de pagar. Então você investe nessa sociedade e em sua capacidade produtiva. Ou, se você está falando de um indivíduo, você diz: “Ok, eu quero assumir mais dívidas por enquanto, eu vou estudar para ser isso ou aquilo, aumentar minha capacidade de ganhar dinheiro, e então eu vou pagar a dívida.”

Essa é uma maneira muito diferente e Keynes queria instituir essa maneira de pagar a dívida, em suas ideias sobre uma União Internacional de Compensação e o dólar e assim por diante. Para que não inflija tal miséria.

Mas os Estados Unidos queriam o contrário.

E agora, vamos lentamente para a terceira questão, sobre o sistema do dólar entre 1945 e 1971, que foi quando o elo do ouro e do dólar foi quebrado. Como exatamente aconteceu?

Então, essencialmente, antes de chegarmos lá, é importante lembrar algumas coisas. Uma delas, como discuti em minha Economia Geopolítica, os Estados Unidos puderam ver que o sistema da libra esterlina já estava enfraquecendo no início do século XX.

E, ao longo do período que acabamos de falar — as duas guerras mundiais, a Grande Depressão, etc. — os Estados Unidos basicamente calcularam suas ações políticas de forma a tentar perceber a possibilidade de que o dólar substituiria a libra esterlina como o dinheiro do mundo.

Essencialmente, os Estados Unidos se viam como o país que substituiria o Reino Unido.

É claro que os EUA sabiam que nunca seriam capazes de adquirir um império do tamanho que a Grã-Bretanha tinha, mas essencialmente tentariam dizer: “Esqueça isso, mas tentaremos fazer do dólar a moeda do mundo”.

O problema nisso era, naturalmente, que o sistema de libras esterlinas dependia do império. Se você não tivesse um império, você teria um tempo muito difícil. Você teria que se envolver em algumas enrascadas bastante obscuras para fazer do dólar o dinheiro do mundo.

Mas esse desejo por parte dos EUA esteve lá o tempo todo. Os Estados Unidos sempre foram uma sociedade expansionista. E se você ler historiadores críticos e escritores sobre os EUA como Charles e Mary Beard ou, mais recentemente, William Appleman Williams ou Andrew Bacevich, e assim por diante.

Todas essas pessoas enfatizaram que os Estados Unidos sempre foram expansionistas. Ele justificou isso dizendo que “estamos sempre produzindo mais do que podemos consumir, e estamos criando mais capital do que podemos empregar. Precisamos que o mundo inteiro esteja aberto para nós.”

Assim, as ideias do Destino Manifesto, a Tese da Fronteira, a Doutrina Monroe — todas essas ideias justificaram o expansionismo dos EUA. E como eu disse, no início do século XX, os EUA tinham realmente feito esse expansionismo geral de sua história muito focado em fazer do dólar a moeda mundial.

E mais um ponto preliminar, antes de olharmos como o sistema do dólar funcionava.

Michael discutiu o imperialismo monetário, e isso é realmente muito importante. Porque quando você olha para as ideias — da última vez que mencionamos a teoria da estabilidade da hegemonia — a teoria da estabilidade da hegemonia não é realmente uma teoria, é de fato um discurso [ideológico] que justifica o papel mundial do dólar. E, portanto, tende a não ser particularmente consistente.

Então, às vezes você vê que a hegemonia é — eles falam sobre hegemonia como se fosse superioridade produtiva. O país mais competitivo é o país líder do mundo.

E outras vezes eles falam sobre o país cuja moeda o mundo aceita.

Mas estas são duas coisas bem diferentes. E é interessante de um ponto de vista, porque já vimos que o funcionamento do sistema de libras esterlinas realmente afetou negativamente a economia produtiva britânica.

Porque exigia um sistema financeiro que era o oposto do que uma economia produtiva em expansão exige. Era o oposto absoluto disso.

Portanto, não é de surpreender que o imperialismo monetário da Grã-Bretanha — isto é, o sistema de libra esterlina e ouro — coincidiu com o período em que a Grã-Bretanha estava perdendo a superioridade manufatureira rapidamente em relação a outros países.

Como discutiremos — provavelmente no último programa, quando discutiremos as duas últimas questões — mostraremos que a tentativa dos Estados Unidos de imitar isso, é a segunda fase dela que se tornou muito dependente de certos tipos de financeirização — que também coincidiu com o rápido declínio da competitividade dos EUA.

Ou seja, todas as pessoas que estão exaltando o dólar e dizendo que o dólar é naturalmente a moeda mundial, não estão apenas escondendo das pessoas o custo que o resto do mundo paga, eles também estão escondendo de você que os trabalhadores americanos — trabalhadores dos EUA, mesmo os pequenos empresários dos EUA — estão pagando por este sistema louco.

Já esse imperialismo monetário era um sinal de expansão da multipolaridade, porque mostrava que a Grã-Bretanha não tinha mais domínio produtivo. Ela exercia algum papel de dominância monetária graças ao seu império. Mas isso também foi limitado pelo tempo.

Agora, essencialmente, como eu disse antes, os Estados Unidos deixaram o mundo sem escolha a não ser aceitar o dólar como a moeda mundial simplesmente anulando todos os planos alternativos. Simplesmente dizendo que o mundo não poderia chegar a qualquer acordo multilateral, que não iria cooperar.

Assim nos é dito, no entanto, por [defensores da] teoria da estabilidade da hegemonia, que o sistema do dólar funcionou perfeitamente bem até 1971 e então houve alguma pequena dificuldade (ininteligível) e o elo do ouro e dólar teve que ser quebrado.

E de qualquer forma, foi um golpe de mestre. Mas, no entanto, todas as pessoas que falam sobre a hegemonia dos EUA tendem a pensar que o período pós-Segunda Guerra Mundial até 1971 foi um período de hegemonia do dólar e hegemonia americana ou norte americana.

Mas se realmente olharmos para a realidade do período de 1945 a 1971, vemos o oposto. O que vemos é um par extremamente tumultuado de décadas e meia.

Então, essencialmente, a história pode ser comprimida no seguinte.

Em primeiro lugar, sem um império, o dólar não poderia exportar capital para o resto do mundo. Fez um pouco depois do Plano Marshall, mas o Plano Marshall em si é totalmente exagerado. Não era realmente necessário para a recuperação europeia, que foi em grande parte feita sob o seu próprio vapor.

E, além disso, o crédito do Plano Marshall que foi dado à Europa também veio com várias amarras, incluindo algumas que tornaram essa ajuda não particularmente útil para a Europa.

Mas, no entanto, os EUA não podiam exportar muito capital.

Então, essencialmente, o que os EUA começaram a fazer foi eventualmente — quando esse período de exportação de capital acabou — essencialmente começou a fornecer liquidez ao mundo, gerando déficits.

Então, isso é o oposto — a Grã-Bretanha era a nação credora do mundo quando administrava esse sistema de esterlina e ouro, e poderia fazer isso graças ao seu império. Sem um império, os EUA só poderiam administrar o sistema do dólar com déficits, tornando-se cada vez mais endividados com o mundo.

Na década de 1940, na verdade, tivemos um período especial em que os Estados Unidos — graças à devastação do resto da economia mundial e ao grande impulso que a guerra deu à economia dos EUA — estavam gerando enormes excedentes de exportação.

E porque quando você está executando um excedente de exportação o mundo tem que pagar em dólares, em vez de você disponibilizar dólares para o resto do mundo. Havia uma condição geral de escassez de dólares.

O Plano Marshall não foi realmente capaz de aliviar essa escassez de dólares. E é claro que, como consequência, as economias europeias, em vez de se abrirem ao livre comércio, naturalmente escolheram se proteger o máximo possível, porque tinham de administrar as relações entre suas economias e o resto do mundo com cuidado, a fim de conservar o escasso câmbio.

Então, essa era a situação. O sistema do dólar estava lá, não havia alternativa, mas também não estava funcionando particularmente bem. E certamente não contribui para a recuperação do mundo.

De facto, a única proposta de Keynes que realmente sobreviveu à rejeição dos EUA à proposta de Keynes foi o controle de capital. Os EUA tiveram que aceitar que, a menos que os países europeus praticassem controles de capital — isto é, administrassem a entrada e saída de dinheiro de suas economias e para suas economias — haveria tanta devastação econômica, e isso só poderia aumentar a atratividade do comunismo na Europa Ocidental.

E isso deveria ser evitado a todo custo, então os Estados Unidos aceitaram controles de capital.

O controle de capital foi o que tornou possível para todas essas economias europeias organizar suas recuperações com muito envolvimento do Estado, muita propriedade do Estado, etc. Mas eles permitiram que eles organizassem isso.

Então, eles conseguiram fazê-lo, e em 1958 eles estavam suficientemente recuperados para poder finalmente tornar as moedas conversíveis. E, claro, com moedas conversíveis desses países, eles também poderiam usar a moeda um do outro em seu comércio.

E quase da noite para o dia o que tinha sido uma escassez de dólares se transformou em um excesso de dólares. Ninguém queria dólares, já que moedas europeias de economias muito mais fortes estavam se tornando conversíveis.

Lembre-se, a maior parte do crescimento do período pós-Segunda Guerra Mundial ocorreu nas economias em recuperação.

Então, essencialmente, houve um excesso de dólar. E também nessa época, você também começou a ver os primeiros declínios do pós-guerra nas exportações dos EUA. Eventualmente, esses declínios nas exportações se tornariam déficits comerciais, mas podemos discutir isso em outro momento.

E também nessa época, o famoso economista belga Robert Triffin propôs que havia algo inerentemente errado em fornecer ao mundo liquidez por meio de déficits.

Naquela época, lembre-se, esses déficits não eram devido a déficits comerciais, mas por causa dos gastos militares dos EUA no exterior na Guerra da Coréia e mais tarde na Guerra do Vietnã.

Então [Triffin] disse que esses tipos de déficits — basicamente ele propôs que havia um dilema aqui. Porque quanto mais liquidez você fornecer através dos déficits, maiores serão os déficits. Isso pode significar maior liquidez, mas o tamanho do déficit tornou o dólar menos atraente.

E o dilema de Triffin operou essencialmente durante todo esse período. Essencialmente, os principais parceiros comerciais dos Estados Unidos, em vez de aceitar dólares, disseram: “Não, o dólar é conversível em ouro, então queremos ouro”.

Assim, dentro de um período muito curto, entre 1958 e 1961, o europeu (ininteligível) havia drenado tanto ouro dos Estados Unidos que os Estados Unidos não podiam mais apoiar o dólar com ouro por conta própria.

Assim, um pool de ouro teve que ser criado, reunindo o ouro de todos os países envolvidos, a fim de apoiar o dólar. E os países envolvidos só o fizeram porque pensaram que isso lhes daria um lugar na mesa quando eventualmente esse sistema louco chegasse ao fim e eles pudessem negociar um sistema melhor.

E mesmo enquanto os Estados Unidos continuavam tentando falar como se não houvesse problema, dizendo: “Temos muitos ativos no exterior, não há nada com que se preocupar, não estamos vivendo além de nossas possibilidades”. No entanto, eles podem estar falando dessa maneira, mas eles estavam andando de uma maneira muito diferente.

Porque eles estavam tomando uma série de medidas tentando reduzir os déficits de pagamento, removendo os incentivos fiscais para o IED de saída (??), tentando manter o dinheiro dentro dos Estados Unidos, impondo um imposto sobre os juros ganhos em outros lugares. Aumento das aquisições militares domésticas, etc. Há toda uma longa lista, não vou entrar nisso. Mas uma série de esforços foram feitos para reduzir os déficits dos EUA.

As coisas não melhoraram e, em 1967, eram tão ruins que a conversibilidade doméstica do dólar em ouro tinha que ser encerrada. No mesmo ano, os franceses se retiraram do pool de ouro, dizendo: “Isso simplesmente não faz sentido”.

Os Estados Unidos mantiveram o jogo basicamente exigindo que o resto do mundo não exigisse ouro, mas eventualmente em 1971 (o slide deveria dizer 1971) houve uma corrida ao dólar e a administração Nixon teve que acabar com a conversibilidade.

Então, se você olhar para esta série de eventos, você não acreditaria que o dólar era a moeda mundial de qualquer forma estável. Então essa é a história.

Michael, talvez queira acrescentar algo.

MICHAEL HUDSON: Eu quero adicionar um apoio quantitativo a tudo isso.

Em 1945, os Estados Unidos tinham suas reservas de ouro — todas as suas reservas de ouro estavam fluindo para os Estados Unidos na década de 1930 e durante a guerra. Era “capital de fuga”. As pessoas tinham medo de manter seu ouro na Europa porque achavam que a Alemanha iria atacar.

Assim, a maior parte do ouro estava nos Estados Unidos em 1945. Se a América realmente quisesse criar um sistema de equilíbrio, teria feito o que você descreveu, teria ajudado outros países a realmente investir no desenvolvimento.

O que você descreve como o “pesadelo” para os Estados Unidos, que outros países investiriam para se desenvolver e não precisariam depender dos Estados Unidos.

Entre 1945 e 1950, os Estados Unidos aumentaram suas reservas de ouro de 20 bilhões para quase 25 bilhões. 75% do estoque de ouro monetário do mundo foi realizada nos Estados Unidos. E isso foi o que você chamou de “escassez de dólar”.

Outros países, sem ter dólares suficientes, foram forçados a fazer o que a Inglaterra chamou de Stop-Go.

Quando a Inglaterra começasse a se recuperar — seus negócios se expandiriam, os trabalhadores seriam empregados — eles teriam de importar seus grãos, teriam que importar seus alimentos, teriam que importar outras coisas. A libra esterlina entraria em déficit. A Inglaterra teria que aumentar suas taxas de juros para emprestar o dinheiro para financiar o déficit — para manter estável a taxa de câmbio da libra esterlina. E esse aumento da taxa de juros faria com que ela voltasse à depressão.

Isso foi Stop-Go. O que significava principalmente, parar parar parar sempre que você começar a se tornar solvente.

Todo mundo estava reclamando em 1950. Os Estados Unidos resolveram o problema de uma forma que ninguém esperava. A Guerra da Coréia — a partir do momento em que os Estados Unidos entraram na Guerra da Coréia em 1950/51, a cada ano sua balança de pagamentos mudou-se para um déficit crônico que ficou cada vez mais profundo até 1971, quando foi forçado a sair do ouro.

Todo o déficit da balança de pagamentos era igual, ano após ano, aos gastos militares dos EUA no exterior.

Quando deixei o Chase Manhattan Bank, fui contratado por Arthur Anderson para fazer uma análise da balança de pagamentos dos EUA. Eu produzi os gráficos e as estatísticas — eles são repetidos no Super Imperialismo — para mostrar que todo o déficit era de fato gastos militares estrangeiros dos EUA.

Naquela época, o Sr. John McNamara, o Secretário de Defesa, telefonou para Arthur Anderson e disse que, se eles fornecessem o relatório de Michael, [Arthur Anderson] nunca obteria outro contrato com o governo dos EUA.

Então, meu chefe, o Sr. Barsanti, entrou e se desculpou comigo e disse que eles não poderiam publicá-lo.

Seu departamento de arte tinha feito gráficos muito legais e ele me deu. E eu fui para a escola de negócios da Universidade de Nova York e publiquei, todas essas estatísticas, e uma monografia resumida em Super Imperialismo.

O Federal Reserve, então, pensou: “Como vamos lidar com isso?”

Eles não queriam me atacar obviamente, então eles atacaram todas as publicações da escola de negócios da NYU. Eles disseram que o fato de eu achar a Guerra do Vietnã responsável pelo déficit e pelos gastos militares não dá confiança na decisão editorial da NYU.

Mas então um dos meus alunos, na The New School, onde eu estava lecionando finanças e comércio internacionais, trabalhou para o Federal Reserve e me mostrou seus memorandos internos dizendo: “Sim, isso é verdade, não podemos deixar isso sair”.

Toda essa discussão sobre equilíbrio internacional e justiça, como se todos os déficits da balança de pagamentos fossem comércio internacional, ignorou duas coisas.

Eles ignoraram, número um, os gastos militares que eram a chave para o déficit, e isso realmente tem sido desde o século XIII. A guerra leva os países ao déficit. A guerra obriga os países a pedir empréstimos. Foi por isso que a Igreja Católica, o papado no século XIII, legitimou a dívida com juros para financiar as guerras — as cruzadas e as guerras que estava travando.

Esta é uma constante ao longo da história. Não aparece em nenhum dos modelos econômicos do “livre comércio”. É como se os governos não existissem.

E a outra coisa que não existe nisso, dizendo que o equilíbrio da balança de pagamentos é todo o comércio — eles então dizem que todo o comércio é um resultado do trabalhador pedindo salários [mais altos]. E a maneira de administrar um déficit é instituir uma guerra de classes contra o trabalhador. Você quer lutar contra os sindicatos, você quer baixar os níveis salariais para permitir que os países alcancem o equilíbrio.

Bem, o que eles querem dizer com “equilíbrio” é obviamente financiar essa ordem militar centrada nos EUA, porque os dólares que os países que estão acumulando — quando não estavam pedindo ouro — eram empréstimos ao Tesouro dos EUA comprando títulos do Tesouro que financiavam não apenas o déficit orçamentário doméstico — que era em grande parte militar — mas também o déficit da balança de pagamentos.

Assim, toda a estabilidade entre 1951 e 1971, por 20 anos, foi fornecida por gastos militares, já que os Estados Unidos colocaram bases militares em todo o resto do mundo.

Então, o que alcançou o equilíbrio foi militar — o déficit militar. Não ajuste comercial. Não ajuste de investimento. Tudo isso fica de fora.

A teoria do comércio não tem espaço para as canhoneiras. E se você olhar para a balança de pagamentos nos últimos 800 anos, é tudo sobre as canhoneiras. Essa é a coisa incrível.

E o que estamos focando é a política. As taxas de câmbio e as relações internacionais não são uma função dos acordos de “livre mercado”. Elas são uma função da dívida intergovernamental — não tanto da [dívida] privada — e dos gastos militares. E os governos pagam sua moeda estrangeira vendendo sua infraestrutura.

Gostaria de fazer um último comentário. Quando Radhika diz que “a estabilidade é alcançada investindo”, eu disse que era o pesadelo dos EUA.

Esse pesadelo foi imposto — a mão de ferro era o Banco Mundial. Há uma razão pela qual geralmente é liderado pelo departamento de defesa e chefes militares. A principal diretriz do Banco Mundial é: “Nenhum país deve competir com os principais produtos que os Estados Unidos exportam — acima de tudo, grãos.

A única coisa que o Banco Mundial se opôs é que outros países cultivem seus próprios grãos alimentares.

Desde o início, tem lutado contra a reforma agrária, contra a redistribuição da terra. “Faremos empréstimos para instalações de exportação, para estradas e portos. Você pode exportar plantações de latifúndios enormes. Você não deve cultivar seu próprio grão. Você deve depender dos Estados Unidos. Isso é o livre mercado. Você não deve ter investimento do governo.”

O Banco Mundial publica missões nacionais para todos os países membros. Cada relatório de missão recomendou que a primeira coisa que eles precisam é de moeda nacional para extensão agrícola – para comercialização, desenvolvimento de sementes, educação rural. Em outras palavras, para todas essas coisas que os Estados Unidos fizeram sob sua Lei de Ajuste Agrícola (1933) que Roosevelt patrocinou. Isso ajudou a produtividade agrícola americana nas décadas de 1930 e 1940 a crescer mais rápido do que qualquer indústria na história do mundo havia crescido.

Produtividade agrícola. Isso é exatamente o que a América viu como seu pesadelo se a Argentina — se a América Latina e a África cultivassem seus próprios grãos

A ideia de dependência do dólar foi baseada nos Estados Unidos usando o mercado para evitar que outros países investissem para se tornarem independentes da dependência do dólar e de produtos que são exportados pelos Estados Unidos, principalmente petróleo e grãos.

RADHIKA DESAI: Isso é fascinante, Michael. E devo dizer que provavelmente passamos já de uma hora, então devemos parar aqui por hoje e vamos retomar as duas últimas perguntas, ou seja, houve realmente um Bretoon Woods II — ou seja, as coisas simplesmente continuaram normalmente depois de 1971. E, isso se tornará um prelúdio para entender as contradições do sistema depois de 1971 e nos ajudará a entender a possibilidade atual do desaparecimento do dólar como moeda mundial.

Mas antes de fechar deixe-me apenas dizer que, como parte desta história, Michael está absolutamente certo. Os Estados Unidos estão realmente com medo do resto do mundo em desenvolvimento, crescendo, etc.

Mas o fato é que não foi capaz de evitá-lo, o que é uma das razões fundamentais para a atual crise.

Então os Estados Unidos — o que eles querem ter, e o que eles podem ter, a diferença entre os dois tem crescido cada vez mais. E é em parte por isso que vemos ações militares cada vez mais desesperadas dos Estados Unidos.

Então, na história que temos de contar, primeiro os europeus essencialmente saem do sistema do dólar criando a integração monetária europeia. E mais tarde, outros países — hoje, mesmo os países importadores de petróleo, os países da OPEP, que por um tempo foram persuadidos a manter grandes quantidades de moeda dos EUA, também estão saindo.

Os chineses, russos, japoneses — todos estão cada vez mais cautelosos em manter dólares. Então esta é a história que vamos contar.

Até mesmo o FMI e o Banco Mundial. Eles têm sido servos leais dos Estados Unidos na imposição de austeridade sobre o resto do mundo, tanto quanto possível. Mas no início do século XXI, você também vê que o resto do mundo, tendo sido mordido várias vezes, agora este bastante tímido em relação ao FMI.

E as carteiras de empréstimos do FMI e do Banco Mundial realmente encolheram, e permaneceram assim até depois da crise financeira de 2008.

O que os EUA querem e o que podem ter — a distância entre essas duas coisas, como eu digo, mostraremos como isso se expandiu em nosso próximo programa, que definitivamente será o último que faremos sobre a desdolarização. E então vamos passar para outros tópicos.

Michael e eu estávamos pensando em fazer um sobre a economia política e geopolítica da Ucrânia, o conflito sobre a Ucrânia.

Muito obrigada. Graças a Paul Graham, que está nos bastidores, gravando tudo isso e sendo nosso maravilhoso cinegrafista. E obrigado novamente ao Ben por apresentar nosso programa. Vemos você em algumas semanas.


Fonte: https://www.nakedcapitalism.com/2023/02/michael-hudson-and-radhika-desai-on-dollar-imperialism.html


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