Megalópolis x Rússia: Guerra Total 


Pepe Escobar 7 de maio de 2022 [Traduzido por Vila Mandinga]

Mas a nós não é dado
    Em lugar algum repousar:
        Fenecem, caem
            Os homens sofredores
                Cegamente de uma
                    Hora para outra
                        Como água de penhasco
                            Em penhasco lançada
                                Incessantemente no incerto.

(Hölderlin, “Canção do Destino de Hipérion”, Schicksalslied (1799), tradução de Antônio Cicero, s/d. )[1]



A Operação Z é a primeira salva de tiros numa luta titânica: três décadas após a queda da URSS e 77 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, após avaliação cuidadosa, o Kremlin está reorganizando o tabuleiro de xadrez geopolítico, para acabar com a hegemonia unipolar da “nação indispensável”. Não admira que o Império das Mentiras tenha enlouquecido completamente, completamente obcecado em expulsar a Rússia do sistema centrado no Ocidente.

Os EUA e seus poodles da OTAN não podem lidar com a própria  perplexidade diante de uma perda tão estarrecedora: já não lhes permitem usar a força como único instrumento de geopolítica para perpetuar “nossos valores”. Adeus, “Dominância de Espectro Total”!

A microimagem também é clara. O Deep State dos EUA não se cansa de tentar tirar leite da aposta na Ucrânia, até o dia do Juízo Final, aposta planejada para encobrir um ataque estratégico à Rússia. O “segredo” era forçar Moscou a uma guerra entre eslavos na Ucrânia, para quebrar o gasoduto Nord Stream 2 — e, assim, a dependência alemã dos recursos naturais russos. Isso enterra — pelo menos no futuro próximo — a perspectiva de uma conexão bismarckiana russo-alemã, que acabaria fazendo com que os EUA perdessem — para um pacto então emergente China-Rússia-Alemanha — o controle da massa de terra eurasiana, do Canal Inglês ao Pacífico.

O gambito estratégico dos norte-americanos tem feito maravilhas, até agora. Mas a batalha está longe de terminar. Os silos de psicóticos neoconservadores/neoliberais dentro do Deep State [“Estado Profundo”] consideram a Rússia ameaça tão séria à “ordem internacional baseada em regras”, que estão prontos arriscar, se não a cometer, eles mesmos, uma guerra nuclear “limitada”, para sair do gambito. O que está em jogo é nada menos que o Comando do Mundo — que os anglo-saxões podem ganhar ou perder.

Reinar sobre os Cinco Mares

A Rússia, com base na Paridade do Poder de Compra (PPC), é a 6ª economia do mundo, logo atrás da Alemanha e à frente do Reino Unido e da França. Sua economia “dura” pode ser semelhante à produção da US Steel, mas a capacidade intelectual da Rússia é muito superior. A Rússia tem aproximadamente o mesmo número de engenheiros que os EUA, mas são muito mais bem formados e treinados.

O Mossad atribui o milagre econômico de Israel, ao criar um equivalente ao Vale do Silício, a uma base de um milhão de imigrantes russos. Esse Vale do Silício israelense é ativo chave do Think-Tank do Complexo Militar, Industrial, de Contra-Inteligência, de Mídia e Academia (ing. MICIMATT) dos EUA, como o nomeou para toda a eternidade, Ray McGovern.

É um absurdo a mídia do OTANstão a latir histericamente que o PIB da Rússia é do tamanho do PIB do Texas. O que realmente conta é a Paridade do Poder de Compra (PPC); isso e os engenheiros russos de alta qualificação, explicam por que as armas hipersônicas russas estão pelo menos duas ou três gerações à frente dos EUA. Basta perguntar ao indispensável Andrei Martyanov.

O Império das Mentiras não tem mísseis defensivos dignos desse nome, e nenhum equivalente aos Srs. Zircon e Sarmat. Essa simples razão explica por que a esfera NATOstão  não pode vencer guerra alguma, seja qual for, contra a Rússia.

A ensurdecedora “narrativa” do OTANstão, pela qual a Ucrânia estaria derrotando a Rússia, não presta nem como piada inócua (compare-a com a estratégia russa “Alcance e Toque em Alguém” (ing. “Reach Out and Touch Someone”).

O sistema corrupto de fanáticos das Forças Especiais da Ucrânia, misturado com facções Ucronazistas já está acabado, kaput. O Pentágono sabe disso. A CIA não pode admitir que sabe. O que o Império das Mentiras “parece-que-ganhou” até agora, não passa de “vitória” midiática, a favor dos ucronazistas. E isso não é vitória militar.

O general Aleksandr Dvornikov, famoso pelo trabalho que fez na Síria, tem missão bem clara: conquistar todo o Donbass, liberar totalmente a Crimeia e preparar o avanço em direção a Odessa e Transnístria, enquanto reduz uma parte da Ucrânia ao status de estado falido sem acesso ao mar.

O Mar de Azov – ligado ao Cáspio pelo canal Don-Volga – já é lago russo. E o Mar Negro é o próximo, a principal conexão entre a Terra Central e o Mediterrâneo. O sistema dos Cinco Mares — Negro, Azov, Cáspio, Báltico, Branco — consagra a Rússia como potência naval continental de fato. Quem precisa de águas mornas?

Mover-se “à velocidade da guerra”



O dial da dor, a partir de agora, vai subir sem parar. A realidade — como os fatos em campo — logo se tornará aparente até mesmo para a LugenPresse [2] de toda a OTAN .

O comandante diz-que-sabe-de-tudo (ing. woke) do Estado-Maior Conjunto, general Mark Milley, espera que a Operação Z dure anos. Bobagem. Não faz sentido. As Forças Armadas russas podem dar-se ao luxo de ser bastante metódicas e usar todo o tempo que considerem necessário para desmilitarizar adequadamente a Ucrânia. O Ocidente coletivo, por sua vez, esse sim, está pressionado pelo tempo — porque o golpe da economia real já está em andamento e tende a se tornar feroz.

O ministro da Defesa, Shoigu, deixou bem claro: quaisquer veículos da OTAN que levem armas para Kiev serão destruídos como “alvos militares legítimos”.

Relatório do serviço científico do Bundestag [Parlamento alemão] estabeleceu que o treinamento de soldados ucranianos em solo alemão  pode equivaler, de acordo com o Direito Internacional, à participação na guerra. O que fica ainda mais complicado, quando combinado às entregas de armas pela OTAN: “Só se, além do fornecimento de armas, também a instrução da parte em conflito ou o treinamento em tais armas fossem problema, alguém sairia da área segura de não guerra.”

Agora, pelo menos, está irremediavelmente claro o quanto o  Império das Mentiras “move-se à velocidade da guerra” — como descrito em público pelo mercador de armas que virou chefe do Pentágono, Lloyd “Raytheon” Austin. Em pentagonês, a coisa foi explicada pelo proverbial “funcionário” como “uma combinação de call center, piso de vigia, salas de reuniões. Eles trabalham em ritmo de batalha, para apoiar os tomadores de decisão.”

O “ritmo de batalha” pentagonês oferecido a uma “força militar ucraniana suposta crível, resiliente e com capacidade de combate” é alimentado por um sistema EUCom que essencialmente move as encomendas de armas, dos armazéns do Pentágono nos EUA, para filiais do Império de Bases na Europa e depois para a frente oriental da OTAN na Polônia, onde são transportadas em comboios de caminhões que atravessam a Ucrânia, bem a tempo de serem devidamente incineradas por ataques de precisão dos russos: a variedade de opções inclui mísseis supersônicos P-800 Onyx, dois tipos de Iskander e o Sr. Khinzal, disparado de Migs-31Ks.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, enfatizou que Moscou está perfeitamente ciente de que os EUA, a OTAN e o Reino Unido estão transferindo não apenas armas, mas também muitas informações.

Paralelamente, o Ocidente coletivo vira tudo de cabeça para baixo 24 horas por dia, 7 dias por semana, moldando um novo ambiente totalmente voltado contra a Rússia, não se importando sequer com dar às coisas — quaisquer coisas — pelo menos uma aparência de parceria, em qualquer área. O Ocidente coletivo sequer considera a possibilidade de diálogo com a Rússia.

Portanto, falar com Putin “é perda de tempo”, a menos que uma “derrota russa” na Ucrânia (ecoando o estridente Relações Públicas de Kiev) o torne “mais realista”. Apesar de todas as suas falhas, O Reizinho Macron/McKinsey foi exceção, e falou ao telefone com Putin no início dessa semana.

A conversão de Putin em Hitler neo-orwelliano, o reduz, mesmo entre a assim chamada euro-intelligentzia, ao status de ditador de nação cloroformizada em algum nacionalismo do século 19. Esqueça qualquer aparência de análise histórica/política/cultural. Putin já foi declarado espécie de Augusto tardio, que travestiu seu Império, como se fosse República.

Na melhor das hipóteses, os europeus pregam e rezam — chihuahuas que pulam à Voz do Mestre — por uma estratégia híbrida de “contenção e engajamento” a ser desencadeada pelos EUA, repetindo desajeitadamente os rabiscos dos habitantes daquela zona aérea de exclusão intelectual conhecida como a Think-Tankelândia.

Mas na verdade, os europeus preferem “isolar” a Rússia — tipo 12% da população mundial “isolando” 88%. (Claro! A “visão” Ocidentoxicada ignora completamente o Sul Global). A “ajuda” para a Rússia só virá quando as sanções forem efetivas (dado que nunca serão, a norma será retroceder) ou quando — o derradeiro sonho molhado — acontecer a tal mudança de regime em Moscou.

A queda



A agente ucronazista de Relações Públicas Ursula von der Lugen apresentou o sexto pacote de sanções da Des(União) dos Euro-poodles.

O topo do projeto é excluir do sistema SWIFT mais três bancos russos, incluindo o Sberbank. Sete bancos já estão excluídos (tudo isso para reforçar, de vez, o “isolamento total” da Rússia. Inútil comentar ‘assuntos’ que só enganam a LugenPresse).

Depois, há o embargo “progressivo” às importações de petróleo. Em seis meses, nada de petróleo importado para a UE; e antes do final de 2022, nada de produtos refinados. Como estão as coisas, a Agência Internacional de Energia (AIE) mostra que 45% das exportações de petróleo da Rússia vão para a UE (com 22% para a China e 10% para os EUA). A “Voz do Dono” continua e continuará importando petróleo russo.

E, claro, 58 sanções “pessoais” também aparecem, visando personagens muito perigosos, como o Patriarca Kirill da Igreja Ortodoxa e a esposa, filho e filha do porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.

Essa impressionante demonstração de estupidez terá de ser aprovada por todos os membros da UE. A revolta interna é garantida, especialmente da Hungria, mesmo que muitos continuem dispostos a cometer suicídio energético e a bagunçar a vida de seus cidadãos, para defender um regime neonazista.

Alastair Crooke chamou minha atenção para uma interpretação surpreendente e original do que está acontecendo, oferecida em russo por um analista sérvio, Prof. Slobodan Vladusic. Sua tese principal, em poucas palavras: “Megalópolis odeia a Rússia, porque não é Megalópolis — não entrou na esfera do anti-humanismo, e por isso continua a ser alternativa de civilização. Daí a russofobia.”

Vladusic afirma que a guerra entre eslavos na Ucrânia é “grande catástrofe para a civilização ortodoxa” — espelhando minha recente tentativa de abrir um debate sério sobre um Choque de Cristianismos.

No entanto, o maior cisma não está na religião, mas na cultura: “A principal diferença entre o antigo Ocidente e a Megalópolis de hoje é que a Megalópolis renuncia programaticamente à herança humanista do Ocidente”.

Então agora “é possível apagar não só o cânone musical, mas também toda a herança humanística europeia: toda a literatura, artes plásticas, filosofia” por causa de uma “banalização do conhecimento”. O que resta é um espaço vazio, na verdade um buraco negro cultural, “preenchido com termos autopromovidos, como ‘pós-humanismo’ e ‘transumanismo’”.

E aqui Vladusic chega ao cerne da questão: a Rússia opõe-se ferozmente ao Grande Reset inventado pelas autodenominadas “elites” “hackeáveis” da Megalópolis.

Sergey Glazyev, agora coordenando o esboço de um novo sistema financeiro/monetário pela União Econômica Eurasiana (EAEU) em parceria com os chineses, adapta Vladusic aos fatos reais (aqui em russo; aqui, em tradução ing.-port., de Rubens Turkienicz, para 247).

Glazyev é muito mais direto, em suas meticulosas análises econômicas. Enquanto observa os objetivos do Deep State de destruir o mundo russo, o Irã e bloquear a China, ele enfatiza que os EUA “não conseguirão vencer a guerra híbrida global”.

Uma das principais razões, é que o Ocidente coletivo “pôs todos os países independentes diante da necessidade de encontrar novos instrumentos monetários globais, novos mecanismos de seguros, que protejam os países contra riscos, novos meios para restaurar as normas do Direito Internacional e de criar sistemas nacionais de segurança econômica”.

Então sim, trata-se de Totalen Krieg, Guerra Total — como Glazyev explica sem nada atenuar, e como a Rússia denunciou essa semana na ONU: “A Rússia precisa levantar-se diante de EUA-OTAN e levar o confronto até sua conclusão lógica, para não acabar dividida entre EUA e China — que se vai tornando irrevogavelmente líder da economia mundial”.

A história talvez venha eventualmente a registrar que, 77 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, psicopatas neoconservadores/neoliberais nos silos de Washington, a instigar uma guerra entre eslavos, e ordenar que Kiev lance uma blitzkrieg [guerra relâmpago] contra o Donbass, foram a faísca que levou à queda do Império dos EUA.


[1] Esse arranjo gráfico reproduz o que se vê no original e nas sete traduções que o poema recebeu ao português do Brasil, e deve ser mantida, pela configuração ‘em degrau’.

[2] Lugenpresse [al. no orig.,“Imprensa de mentiras”; expressão que os nazistas usavam (NTs)].

Fonte: http://thesaker.is/megalopolis-x-russia-total-war/

Be First to Comment

Leave a Reply

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.