Pepe Escobar – 29 de Março 2022
Publicado originalmente no The Cradle, Beirute [Traduzido por Vila Mandinga – Tradução automática, de Google Translator, para o português, aqui revista e corrigida]
Ver também
“O euroatlanticismo isola-se do mundo”, Ricardo Nuno, Telegram[1]
Mariupol, porto do estratégico Mar de Azov, permanece no olho da tempestade na Ucrânia.
A narrativa da OTAN é que Azovstal – uma das maiores siderúrgicas da Europa – teria sido quase destruída pelo exército russo e suas forças aliadas de Donetsk, que estariam “sitiando” Mariupol.
A verdade é que o batalhão neonazista Azov tomou dezenas de civis de Mariupol como escudos humanos desde o início da operação militar russa na Ucrânia, e se retirou para Azovstal, como última posição ainda acessível para os neonazistas. Após um ultimato que receberam na semana passada, estão agora sendo completamente exterminados pelas forças russas e de Donetsk e pelos Spetsnaz [Forças Especiais] chechenos.
A siderúrgica Azovstal, parte do grupo Metinvest controlado pelo oligarca mais rico da Ucrânia, Rinat Akhmetov, é de fato uma das maiores plantas metalúrgicas da Europa, autodescrita como uma “empresa metalúrgica integrada de alto desempenho que produz coque, sínter e aço, bem como produtos laminados, barras e formas, de alta qualidade”.
Em meio a uma enxurrada de testemunhos em que se detalham os horrores infligidos pelos neonazistas do Azov à população civil de Mariupol, uma história mais auspiciosa e ainda invisível surge como bom presságio para o futuro imediato.
A Rússia é o quinto maior produtor mundial de aço, além de possuir enormes depósitos de ferro e carvão. Mariupol – uma ‘Meca’ do aço – costumava usar o carvão de Donbass, mas sob o governo neonazista autoimposto desde os eventos de Maidan de 2014, foi convertida em importadora. O ferro, por exemplo, começou a ser fornecido de Krivbas, na Ucrânia, a mais de 200 quilômetros de distância.
Depois que Donetsk firmar-se como república independente ou, via referendo, optar por se tornar parte da Federação Russa, essa situação está fadada a mudar.
A Azovstal tem investimentos na produção de ampla linha de produtos de grande serventia: aço estrutural, trilhos para ferrovias, aço temperado para correntes, equipamentos de mineração, aço laminado utilizado para fabricar aparelhos para outras fábricas, caminhões e vagões ferroviários.
Partes do complexo fabril são bastante modernas, enquanto algumas, com décadas de existência, necessitam muito de melhorias, que a indústria russa certamente pode providenciar.
Estrategicamente, é complexo enorme, bem no Mar de Azov, o qual, agora, para todos os fins práticos, está incorporado à República Popular de Donetsk, e próximo ao Mar Negro. Isso implica viagem curta até o Mediterrâneo Oriental, e integra muitos clientes potenciais na Ásia Ocidental. E atravessando o Suez e chegando ao Oceano Índico, integram-se também clientes em todo o Sul e Sudeste da Ásia.
Assim, a República Popular de Donetsk, possivelmente parte da futura Novorossiya, e mesmo parte da Rússia, estará no controle de muita capacidade para produzir aço para o sul da Europa, oeste da Ásia, e mais além.
Uma das consequências inevitáveis é que a República Popular de Donetsk será capaz de prover um verdadeiro boom de construção de ferrovias de carga na Rússia, China e nos “-stões” da Ásia Central. A construção de ferrovias é modo privilegiado de conectividade para a ambiciosa Iniciativa Cinturão e Franja ou “Rota da Seda”, de Pequim. E também, crucialmente importante, do Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (ing. INSTC), cada vez mais turbinado.
Assim, no médio prazo, deve-se espera que Mariupol converta-se em um dos principais nodos de um boom nas rotas norte-sul – INSTC através da Rússia e conectada aos ‘-stões’ – bem como grandes atualizações da Iniciativa Rota e Franja[2] nos corredores leste-oeste e corredores de conexão de segundo grau.
Eurásia interligada
Os principais atores do INSTC são Rússia, Irã e Índia – que estão agora, após as sanções da OTAN, em modo de interconexão avançada, acrescidos de mecanismos para contornar, nas relações comerciais, o dólar norte-americano. Azerbaijão é outro importante ator do INSTC, embora mais volátil porque privilegia os projetos de conectividade da Turquia no Cáucaso.
A rede do corredor INSTC também se irá progressivamente interligando com o Paquistão – e isso significa o Corredor Econômico China-Paquistão (ing. CPEC), núcleo chave da Iniciativa Rota e Franja, da China, que expande-se lenta mas firmemente para o Afeganistão. A visita improvisada do Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, a Cabul no final da semana passada visou a fazer avançar a incorporação do Afeganistão nas Novas Estradas da Seda.
Tudo isso está acontecendo enquanto Moscou – extremamente perto de Nova Deli – vai simultaneamente expandindo suas relações comerciais com Islamabad. Os três países – detalhe crucialmente decisivo – são membros da Organização de Cooperação de Xangai (ing. SCO).
Assim, o grande projeto Norte-Sul explicita a conectividade fluente, do continente russo ao Cáucaso (Azerbaijão), à Ásia Ocidental (Irã) até o Sul da Ásia (Índia e Paquistão). Nenhum desses atores-chave demonizou ou sancionou a Rússia, apesar da pressão continuada dos EUA para que todos eles o fizessem.
Estrategicamente, temos aí em ação o conceito russo multipolar da Grande Parceria Eurasiática, em termos de comércio e conectividade – em paralelo e de forma complementar à Iniciativa Rota e Franja, porque a Índia, ansiosa para instalar um mecanismo de rúpias para comprar energia, é nesse caso parceiro absolutamente crucial da Rússia, correspondendo ao acordo estratégico de 400 bilhões de dólares entre China e Irã.
Na prática, a Parceria da Eurásia Expandida facilitará conectividade mais suave entre Rússia, Irã, Paquistão e Índia.
O universo da OTAN, entretanto, é congenitamente incapaz de reconhecer a complexidade do alinhamento, para nem comentar a falta que fez qualquer vestígio de capacidade para analisar suas implicações.
O que temos é a interconexão, em campo, da Iniciativa Rota e Franja (chinesa), com o Corredor INTSC e a Parceria da Eurásia Expandida – todas essas noções tratadas como anátema, no Departamento de Estado, em Washington.
Tudo isso, é claro, está sendo projetado num momento geoeconômico que está mudando o jogo, pois a Rússia, a partir dessa quinta-feira, só aceitará rublos, em pagamento pelo gás que seja vendido a “nações não amigas” da Rússia.
Paralelamente à Parceria da Eurásia Expandida, a Iniciativa Rota e Franja, desde que foi lançada em 2013, também está tecendo progressivamente uma complexa e integrada rede de parcerias euroasiáticas: financeiras/econômicas, de conectividade, para a construção de infraestrutura física e de corredores econômicos/comerciais. O papel da Iniciativa Rota e Franja como coadjuvante de instituições de governança global, incluindo fundações normativas, também tem sido crucial, para desespero da aliança da OTAN.
É tempo de desocidentalizar
No entanto, só agora o Sul Global – e agora especialmente o Sul Global – começará a observar todo o espectro do jogo China-Rússia em toda a esfera eurasiática. Moscou e Pequim estão profundamente envolvidas em esforço conjunto para desocidentalizar a governança globalista, se não, afinal, para destruí-la completamente.
Doravante, a Rússia será ainda mais meticulosa na construção da própria institucionalidade, integrando a União Econômica da Eurásia (ing. EAEU), a OCX e a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (ing. CSTO) – que é aliança militar eurasiática de estados pós-soviéticos selecionados –, num contexto geopolítico de divisão institucional e normativa irreversível entre Rússia e Ocidente.
Ao mesmo tempo, a Parceria da Eurásia Expandida estará solidificando a Rússia como a última ponte eurasiática, criando um espaço comum em toda a Eurásia que poderia mesmo ignorar a Europa já reduzida à posição de vassalo.
Enquanto isso, na vida real, a Iniciativa Rota e Franja, assim como o Corredor INSTC, estarão cada vez mais ligados ao Mar Negro (alô-alô, Mariupol!). E a própria Iniciativa Rota e Franja pode até estar sujeita a reavaliação, em sua ênfase de ligar a China ocidental à base industrial em retração da Europa ocidental.
Não fará sentido privilegiar os corredores norte da Iniciativa Rota e Franja – China-Mongólia-Rússia, pela Trans-Siberiana, e a ponte terrestre Eurasiana, através do Cazaquistão –, quando se vê a Europa tombando para demência medieval.
O foco renovado da Iniciativa Rota e Franja será o acesso a mercadorias insubstituíveis – o que significa “Rússia” –, assim como a garantia de suprimentos essenciais para a produção chinesa. As nações ricas em commodities, como o Cazaquistão e muitos atores na África, serão os principais futuros mercados para a China.
Em um loop pré-Covid através da Ásia Central, ouve-se constantemente que a China constrói fábricas e ferrovias de alta velocidade, enquanto a Europa, na melhor das hipóteses, escreve livros brancos. Tudo sempre pode piorar.
A UE como território sob ocupação dos EUA está agora decaindo rapidamente, do centro do poder global, para o status de operador periférico inconsequente, mero mercado que esperneia para se manter à tona, numa longínqua periferia da “comunidade de destino compartilhado” da China.
[1] Epígrafe acrescentada pelos revisores.
[2] Os revisores dessa tradução encontramos em Pagina12, bom jornal de Buenos Aires, a expressão “Iniciativa de la Franja y la Ruta” – que reconstruímos como Iniciativa Rota e Franja – que nos parece MUITO MELHOR QUE “Iniciativa Cinturão e Estrada”, que se usa no Brasil, para designar o projeto de integração de países da Eurásia, no qual os chineses trabalham. A conversa de “cinturão” é tradução claramente ‘inspirada’ na doentia tradução do mandarim ao inglês, com “belt” [faixa que cerca e fecha], em vez de aberturas que se irradiam ‘em franja’. Vários autores competentes em português e inglês têm preferido “Novas Rotas da Seda”, também interessante e correta. É tradução ainda não fixada (Ndos Revisores).
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