Por Ramin Mazaheri para o Blog The Saker — 13 de fevereiro de 2022
Imagem de Capa: Foto de Lorie Shaull no Creative Commons — eleições presidenciais francesas em 2017.
De 1792 a 1815 não houve uma, mas sete “Guerras de Coalizão” que envolveram a maior parte da Europa. É uma era que deveria ser apropriadamente chamada de “7 Guerras Europeias Contra a Revolução Francesa”. Pense que o europeu médio foi iludido a eviscerar suas próprias economias – por 23 anos! – para se envolver no que era verdadeiramente uma guerra civil em uma terra distante?
Mesmo na Inglaterra, a única nação que participou de todas as coalizões lutando pela contra-revolução, houve protestos populares para acabar definitivamente com a beligerância, e os mesmos ocorreram muito antes do início do “Bloqueio Continental” da França contra os monarquistas intratáveis da Inglaterra. Objeções à intromissão injusta nos assuntos soberanos de outra nação foram finalmente levantadas no parlamento oligárquico da Inglaterra. Foi tudo em vão, porque naquela época a política externa era inteiramente decidida pelas famílias reais da Europa. A guerra continuou, independentemente das objeções populares.
Hoje não é diferente.
O Ocidente ainda vai à guerra a despeito da opinião pública porque o processo ainda é dominado pelas escolhas da elite.
Portanto, tudo isto está bastante alinhado com as tendências históricas: em 2022, o europeu médio está sendo instruído a eviscerar sua economia por anos a fim de sancionar a Rússia devido à agitação na Ucrânia e, é claro, não existe votação sobre essa política externa belicista. Os líderes da Europa – geralmente trabalhando com a aprovação da realeza – dizem alegremente a seus súditos para valerem-se de suéteres, caso o aquecimento se torne muito caro.
A democracia ocidental não possui instrumentos com os quais possa trazer a política externa sob a égide do povo. Depende de políticos que estão dispostos a ceder à opinião pública. Se isso faz os europeus estremecerem, é porque deveria: A União Europeia é famosa por seu constante desrespeito à opinião pública. De fato, este é o principal leitmotiv político desde o início da Grande Recessão.
Nesse sentido, a futura votação do 2º turno na França é historicamente tão rara e valiosa que os eleitores sabem que, se escolherem um lado, a guerra continuará – já que as sanções (bloqueio) são um ato de guerra – e se escolherem outro, a guerra provavelmente será evitada.
A pesquisa mostra que a corrida Macron-Le Pen é, de repente, um empate. Isso saltou da irrelevância para o primeiro plano tão rapidamente que as principais tendências e instituições históricas podem cair tão rapidamente que as famílias reais de hoje não consigam agir com rapidez suficiente para deter.
Acredito que as decisões que os eleitores franceses tomarão se resumem a isso: depois de uma grande recessão, e uma era de austeridade, e a era da Guerra Civil dos Coletes Amarelos e a era do Coronavírus… Você gostaria que a era das Sanções Russas imploda – mental, social e economicamente – seu padrão de vida?
Não é apenas votar com sua carteira e seu passaporte nacional – é também votar com a responsabilidade de uma política externa sem precedentes.
Macron sobre a Ucrânia – a gota d’água para o eleitor francês
Le Pen se opõe às sanções contra a Rússia desde 2014. Ela sabe que essas sanções tiveram efeitos muito duros sobre os agricultores franceses.
Dada a histeria da guerra, ela não tem escolha a não ser concordar com algumas sanções à Rússia, mas ela é enfática que as mesmas não podem se estender à energia, e isso inclui carvão, devido ao impacto que terá nas famílias francesas. No mês passado, no Parlamento Europeu, ela foi um dos poucos votos contrários a uma resolução que pedia um embargo “total e imediato” a todas as importações de energia russas.
“A única coisa que não quero são sanções sobre as matérias-primas que terão pesadas consequências para os franceses e para o resto do mundo”, ela disse.
Ao longo da campanha, ela acusou os outros candidatos de não se importarem com o efeito das sanções sobre o cidadão comum, e essas acusações só aumentarão quando miradas exclusivamente a Macron.
“Não quero que os franceses cometam hara-kiri com base em sanções decididas por nossos líderes e que não se relacionariam à vida cotidiana de nossos compatriotas”, ela afirmou em meados de março.
Na semana passada ela foi muito mais longe:
“Temos outra escolha. Na realidade, todas as sanções que foram colocadas na mesa e decididas hoje são sanções que foram projetadas para proteger os interesses dos mercados financeiros e dos verdadeiros beneficiados pela guerra”, disse ela. “Todas essas sanções estão atingindo nossas empresas e indivíduos.”
O que a Ucrânia fez foi redefinir drasticamente o slogan “M la France” de Le Pen em 2022 para (M – aime – la France, entendeu?)”, tema de 2017.
Francamente, é incrível: a União Europeia não pode evitar fazer da soberania – nacional ou popular – a questão subjacente das eleições na França. Em 2012, François Hollande acabaria com a austeridade imposta pelos germânicos e, em 2017, Le Pen realizaria uma votação sobre o Frexit dentro de 6 meses após sua vitória. “Esta eleição também é um referendo sobre a Europa”, disse recentemente Emmanuel Macron, porque a UE é tão impraticável e tão ressentida que sua existência é constantemente posta em questão.
Le Pen abandonou sua posição na votação do Frexit em 2017, apesar de pesquisas recentes mostrarem que 2 em cada 3 franceses seriam favoráveis à votação do Frexit. É muito fácil caricaturar.
Mas como escrevi – ‘Permanecer na UE significa paz’ – A Ucrânia explodiu essa ideia do Bloco Burguês. As sanções intermináveis à Rússia devido à questão da Ucrânia descreditaram este bloco eurófilo que é a base de Macron – eles podem pagar os efeitos inflacionários de anos de sanções à Rússia, mas o eleitor médio não pode.
Em uma França que teve uma série de eras caóticas, prevejo que a ameaça da Ucrânia transbordar irá direcionar significativamente os eleitores franceses. É uma necessidade de proteção, e Le Pen está jogando exatamente com essa necessidade: “Minha obsessão é proteger os franceses. Eu não quero que eles percam seus empregos, que se vejam incapazes de aquecer suas casas, alimentarem-se ou dirigirem para o trabalho.”
Eu esperava que os franceses percebessem que Macron simplesmente precisa partir: com base em seu histórico, ele deveria estar totalmente desacreditado. Se alguém respeita a democracia, elegeria um sanduíche de presunto antes de reeleger Macron. Eu esperava que os eleitores franceses percebessem que os argumentos de 2017 não funcionavam: Macron provou ser mais autoritário do que Le Pen jamais poderia ser, e quase tão xenófobo. A Ucrânia não mudou essas ideias – esperamos que seja o golpe de misericórdia para derrubar o Macron altivo, arrogante e autocrático.
Certamente [hoje] não é 2017 por 5 razões:
- Macron agora é o “mainstream”: no segundo turno de 2017, essa foi a principal razão pela qual os eleitores de Macron disseram que votaram nele – para varrer o mainstream corrupto. A segunda razão foi bloquear Le Pen, e a terceira razão (24%) foram as políticas reais e a personalidade de Macron. Vemos pelo total de votos no primeiro turno que ele mal conseguiu convencer alguém a ficar do seu lado. Isto é porque:
- Macron tem um histórico agora: ele não é o banqueiro neófito dos Rothschild em quem você poderia projetar suas esperanças irreais. Trata-se um histórico terrível também: neoliberalismo, repressão autoritária e estilo autocrático de governança, estabelecendo o recorde de ministros demitidos por corrupção apenas na metade de seu mandato. Isso significa que:
- Ninguém será enganado por seu “centrismo”: isso é algo que eu avisei constantemente em 2017. Seu neoliberalismo implicava uma economia e um estilo de governança de extrema direita, e acontece que ele estava ainda mais disposto a legalizar a islamofobia do que seus dois antecessores. O absurdo e fracassado PFAXIsm [Popular Front Against Xenophobia but for Imperialism, ou Frente Popular Contra a Xenofobia, mas pelo Imperialismo – nota da tradutora] ao estilo Trump e Brexit, que foi baseado no suposto centrismo de Macron, simplesmente não funcionará tão efetivamente quanto em 2017. Além disso, as pessoas não temem os supostos extremos políticos porque:
- O efeito Trump – ele mostrou quem são os verdadeiros extremistas: nas eleições de 2017 na França, Trump ocupava o cargo há menos de quatro meses. O temor de que políticos perigosos iriam iniciar a Terceira Guerra Mundial era abundante, e isso teve um grande efeito sobre o eleitor francês naquela época. Cinco anos depois, sabemos que, se a Terceira Guerra Mundial for iniciada, será por políticos tradicionais e na:
- Ucrânia: Quer anos de penúria causada pela [falta de] energia? Quer que a guerra possivelmente se espalhe para as fronteiras francesas? Então vote em Macron. Não é algo que ele consiga sequer esconder. Espere que ele ignore e se desvie dessa questão até o debate, que é realmente quando a eleição será decidida.
A diferença entre Trump e Le Pen, até agora, é esta: Trump realmente queria. Depois do debate em 2017, escrevi Le Pen faz palhaçadas no debate em vez de levar a sério a antiausteridade porque seu comportamento deixou claro que ela não se importava se perdesse ou ganhasse. Trump fez palhaçadas principalmente depois de assumir o cargo – ele nunca apoiou e assumiu o Deep State – mas ele era um concorrente de verdade, pelo menos.
Le Pen vem aprendendo com o fracasso do agora aposentado esquerdista Jean-Luc Melenchon, que ficou em 3º lugar: ela está cortejando os Coletes Amarelos, prometendo instalar “RICs”, ou referendos iniciados pelos cidadãos. Esta foi uma das três principais demandas dos Coletes Amarelos, e até mesmo a demanda mais importante para alguns. Acho que muitos colocaram muita ênfase nisso – a Suíça os possui e dificilmente isso leva a uma mudança democrática no jogo – mas influenciará muitos Coletes a se juntarem a ela.
E apoiar Le Pen é algo que eles não querem fazer: o programa Yellow Vest/[Colete Amarelo – nota da tradutora] foi o mais semelhante ao de Melenchon, e o segundo candidato de que mais ouvi falar foi o (pseudo-) outsider Eric Zemmour. Eles não são nada fãs de Le Pen. As pessoas que não pisam na França há muito tempo podem não perceber que não apenas Le Pen é vista por muitos como “mainstream”, mas que também há uma enorme antipatia pela Frente Nacional em geral.
Se os idosos estão votando em Macron em 2022 é por causa dessa antipatia de longa data. Como ele esperava uma vitória fácil, Macron prometeu de forma irritante e arrogante aumentar a idade de aposentadoria para 65 anos neste outono – ele está recuando agora, mas isso pode já ter sido um erro fatal.
Os Coletes Amarelos rejeitam enfaticamente Le Pen, mas o que há de se fazer? Macron e Le Pen são as escolhas, e Macron provou que se recusa a governar por consenso; somente por autocracia.
As únicas alternativas são a abstenção (que deve ser a mais alta desde 2002, e cerca de 30%), ou um voto em branco/nulo (que deve ser um recorde, em torno de 15%). Some os números – o comparecimento real será assim em cerca de 55%.
Supondo que cada um dos 27,8% dos eleitores do primeiro turno de Macron confirme, isso resulta em 27,2% – é um empate, mas todas as tendências claramente favorecem Le Pen. Analisei os números: ela ganhará algumas centenas de milhares de votos a mais do que Macron daqueles que votaram em um candidato derrotado no primeiro turno. É um empate aí também.
Le Pen disse em sua primeira entrevista coletiva pós-primeira rodada:
“Ao reprimir ferozmente movimentos populares de protesto como os Coletes Amarelos ou movimentos sociais como as manifestações contra a reforma previdenciária, Emmanuel Macron instalou a ideia de que nada pode ser discutível, modificável, reformável.”
Se você pode citar as regras, seguramente poderá segui-las – Le Pen é, portanto, a candidata da “esperança”. Ao contrário, um Colete Amarelo no quartel-general da campanha de Macron (de onde reportei na noite da primeira rodada) teria sido imediatamente preso.
Essas questões de dentro da política doméstica francesa não se tornaram secundárias à Ucrânia – a Ucrânia simplesmente aumentou a óbvia falta de boa vontate democrática e patriótica de Macron.
O Ocidente não pode ter as duas coisas – guerra na Ucrânia e Macron reeleito.
Ramin Mazaheri é o principal correspondente em Paris da Press TV e vive na França desde 2009. Seu novo livro é France’s Yellow Vests: Western Repression of the West’s Best Values [ Coletes amarelos da França: repressão ocidental dos melhores valores do Ocidente – nota da tradutora]. Ele também é o autor de Socialism’s Ignored Success: Iranian Islamic Socialism [ O Sucesso Ignorado do Socialismo: o Socialismo Islâmico Iraniano – nota da tradutora], bem como I’ll Ruin Everything You Are: Ending Western Propaganda on Red China [Vou arruinar tudo o que você é: acabando com a propaganda ocidental na China Socialista – nota da tradutora], que também está disponível em chinês simplificado e tradicional.
Traduzido pela @LadyBharani e revisado por @QuantumBird
Fonte: http://thesaker.is/le-pen-macron-finally-a-vote-where-the-people-can-decide-if-its-war-or-not/
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