Alastair Crooke – 10 de junho

A dura verdade é que a Resistência compreendeu a realidade da situação melhor do que os seus homólogos ocidentais.
Em todas as frentes, o paradigma interno israelense está fracturando-se; e externamente, o próprio Ocidente está se fissurando e tornando-se um pária na cena global. A facilitação explícita por parte dos líderes ocidentais de uma limpeza sangrenta dos palestinos inscreveu o velho espectro do “Orientalismo” e do colonialismo no horizonte. E está levando o Ocidente a tornar-se “o intocável do mundo” (juntamente com Israel).
No geral, o objetivo do governo de Israel parece ser convergir e depois canalizar – múltiplas tensões para uma ampla escalada militar (uma grande guerra) – que de alguma forma traria uma restauração da dissuasão. Tal atitude implica concomitantemente que Israel viraria assim as costas aos apelos ocidentais para que de alguma forma agisse “razoavelmente”. O Ocidente define sobretudo esta “razoabilidade” como Israel aceitando a quimera de uma passagem para a “normalidade” que chega através do príncipe herdeiro saudita que a concede, em troca de uma Israel contrita que desfaz sete décadas de supremacia judaica (ou seja, aceitando um Estado Palestino).
A tensão central dentro do cálculo ocidental-israelense é que os EUA e a UE estão movendo-se numa direção – de regresso à abordagem falhada de Oslo – enquanto as sondagens sublinham que os eleitores judeus marcham firmemente na outra direção.
Uma recente enquete conduzida pelo Centro de Jerusalém para Assuntos Públicos mostra que desde 07 de Outubro, 79% de todos os judeus inquiridos opõem-se à criação de um Estado Palestino nos moldes de 1967 (68% opunham-se antes de 07 de Outubro); 74% se opõem mesmo em troca de normalização com a Arábia Saudita. E refletindo a divisão interna israelense, “apenas 24% dos eleitores de esquerda apoiam um Estado [palestino] sem condições”.
Em suma, à medida que a liderança institucional ocidental se agarra à cada vez menor esquerda liberal secular israelense, os israelenses no seu conjunto (incluindo os jovens) movem-se fortemente para a Direita. Uma recente enquete Pew mostra que 73% do público israelense apoia a resposta militar em Gaza – embora um terço dos israelenses se tenha queixado de que não foi longe o suficiente. Uma pluralidade de israelenses pensa que Israel deveria governar a Faixa de Gaza. E Netanyahu, na sequência da ameaça de prisão do TPI, está ultrapassando Gantz (líder da União Nacional) nos índices de aprovação.
Parece que o “consenso ocidental” prefere não notar estas dinâmicas incômodas.
Além disso, uma divisão separada em Israel diz respeito ao objetivo da guerra: trata-se de restaurar aos cidadãos judeus o sentimento de segurança pessoal e física, que foi perdido na sequência do 07 de Outubro?
Isto quer dizer: será que está sendo restaurado o sentimento de Israel como um reduto, um espaço seguro num mundo hostil? Ou, alternativamente, será a atual luta para estabelecer uma Israel totalmente judaizada na “Terra de Israel” (isto é, toda a terra entre o rio e o mar) o objetivo principal?
Isto constitui uma divisão fundamental. Aqueles que vêem Israel principalmente como o reduto seguro para o qual os judeus poderiam fugir na sequência do holocausto europeu, são naturalmente mais cautelosos quanto ao risco de uma guerra mais ampla (ou seja, com o Hezbollah) – uma guerra que poderia ver a “retaguarda” civil diretamente atacada pelo vasto arsenal de mísseis do Hezbollah. Para este eleitorado, a segurança é um prêmio.
Por outro lado, a maioria dos israelenses vê o risco de uma guerra mais ampla como inevitável – na verdade, algo que será bem recebido por muitos, se o projeto sionista quiser ser plenamente estabelecido na Terra de Israel.
Esta realidade pode ser difícil de se compreender para os ocidentais seculares, mas o 07 de Outubro revigorou a visão bíblica em Israel, em vez de suscitar um excesso de cautela sobre a guerra, ou um desejo de aproximação com os Estados Árabes.
A questão aqui é que uma “Nova Guerra de Independência” pode ser apresentada ao público israelense como a “visão” metafísica do caminho a seguir, enquanto o governo israelense tenta seguir o caminho mais mundano de jogar o jogo a longo prazo, conduzindo a o controle total da matriz militar sobre a terra entre o rio e o mar, e a remoção de populações que não se submeterão à dispensa de Smotrich de “aquiescer ou sair”.
O cisma entre Israel como um “espaço seguro” secular pós-holocausto e a contrastante visão bíblica e sionista estabelece uma fronteira entre os dois zeitgeists que é, ao mesmo tempo, porosa e por vezes sobreposta. No entanto, esta divisão israelense transbordou para a política dos EUA e, de uma forma mais dispersa, penetrou na política europeia.
Para a diáspora judaica que vive no Ocidente, manter Israel como um espaço seguro é de vital importância, pois, na medida em que Israel se torna insegura, os judeus sentem que a sua própria insegurança pessoal piora, pari passo [passo a passo]. Num certo sentido, a projeção israelense de uma forte dissuasão no Oriente Médio é um “guarda-chuva” que se estende para cobrir também a diáspora. Eles querem tranquilidade na região. A “visão” bíblica tem um lado que é francamente muito polarizadora.
No entanto, essas mesmas estruturas de poder que se esforçam por sustentar o paradigma do homem forte israelense na consciência ocidental descobrem agora que os seus esforços tendem a destruir as estruturas políticas ocidentais, das quais dependem, alienando assim os principais círculos eleitorais, especialmente os jovens. Uma pesquisa recente entre jovens de 18 a 24 anos na Grã-Bretanha encontrou que a maioria (54%) concordou que “que o Estado de Israel não deveria existir”. Apenas 21% discordaram desta afirmação.
O exercício do poder do Lobby para obrigar o apoio ocidental unido a Israel e aos seus objetivos dissuasivos – juntamente com a falta de empatia humana pelos palestinos – está infligindo pesadas perdas às estruturas de liderança institucional, à medida que os partidos dominantes subjacentes se fracturam em diferentes direções.
Os danos são exacerbados pelo “ponto cego da realidade” do campo da paz ocidental. Ouvimos isso o tempo todo: a única solução é a de dois Estados vivendo pacificamente lado a lado nas linhas de 1967 (conforme consagrado nas resoluções 242 e 338 do CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas – nota da tradutora ). Além do Ocidente, o mesmo mantra também é ensaiado (como nos lembra o campo da paz) pela Liga Árabe.
Parece tão simples.
É de fato “simples” – mas apenas ignorando a realidade de que um tal Estado palestino só pode se tornar soberano através da força – através da força militar.
A realidade é que há 750 mil colonos ocupando a Cisjordânia e Jerusalém Oriental (e mais 25 mil colonos vivendo nas Colinas de Golã, na Síria). Quem irá removê-los? Israel não o fará. Eles lutarão até o último colono; muitos dos quais são fanáticos. Foram convidados e colocados lá nos anos que se seguiram à guerra de 1973 (em grande parte por sucessivos governos trabalhistas), precisamente para obstruir a existência de qualquer possível Estado palestino.
A questão que aqueles que dizem que “a solução é simples” – dois Estados vivendo lado a lado em paz – não respondem: terá o Ocidente a vontade ou a determinação política para instaurar um Estado Palestino pela força das armas, contra a atual vontade de uma pluralidade de israelenses?
A resposta, inevitavelmente, é “não”. O Ocidente não tem a “vontade” – e surge então a suspeita de que nos seus corações eles sabem disso. (Há talvez um anseio por uma solução e uma inquietação de que, na ausência de “calma em Gaza”, as tensões aumentarão também na diáspora).
A dura verdade é que a Resistência compreendeu a realidade da situação melhor do que os seus homólogos ocidentais: um suposto Estado Palestinno apenas recuou em perspectiva desde o processo de Oslo de 1993, em vez de ter avançado um pouco. Porque é que o Ocidente não tomou medidas corretivas ao longo de três décadas e só então se lembrou do dilema quando este se tornou uma crise?
A Resistência compreendeu melhor a contradição inerente e insustentável de um povo se apropriar de direitos e privilégios especiais em detrimento de outro, partilhando a mesma terra, e que tal cenário não poderia persistir por muito tempo, sem desmembrar a região (vejam-se as guerras e a devastação a que a manutenção do paradigma existente já levou).
A região fica no limite; e os “eventos” a qualquer momento podem levá-la além desse limite, apesar dos esforços dos intervenientes regionais para controlar o movimento incremental na escalada. É provável que esta seja uma guerra longa. E uma solução provavelmente só surgirá através de Israel, de uma forma ou de outra, enfrentando a contradição interna do paradigma dentro do sionismo – e começando a ver o futuro de forma diferente.
E disso, ainda não há sinal.
Fonte: https://strategic-culture.su/news/2024/06/10/israel-and-misjudgement-of-reality/
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