14/6/2021, Pepe Escobar, Vineyard of the Saker and Asia Times
É preciso suspender em grande escala a capacidade de raciocinar, para aceitar que o G7, o mais exclusivo clube da autodeclarada democracia, seja relevante para os Raging Twenties. A vida real faz ver que mesmo considerando a desigualdade estrutural implícita no atual sistema mundial, o produto econômico de todo o G7 mal chega a 30% do total global.
A Cornualha foi, no máximo, espetáculo embaraçoso – completado com trupe de medíocres ‘líderes’ mascarados, batendo cotovelos e fazendo poses para fotógrafos para em seguida, em festa privada com a rainha da Inglaterra, 95 anos, todos despirem as máscaras e cair na orgia-apoteose de “valores partilhados” e “direitos humanos”.
Quarentena na chegada, máscaras obrigatórias 24 horas/dia, sete dias/semana e distanciamento social, claro, só para plebeus.
O Comunicado final do G7 é o já proverbial oceano de platitudes e promessas. Mas inclui umas poucas pepitas. A começar pelo tal ‘Reconstruir Melhor’ (ing. ‘Build Back Better’, B3), que já aparece no título. “B3” já é código oficial para ambos, The Great Reset (aprox. O Grande Reinício) e o New Green Deal (aprox. Novo Acordo Verde).
Há também o Perigo Amarelo remixed, com “nossos valores” como tropas de choque, conclamando a China a respeitar “direitos humanos e liberdades fundamentais”, com ênfase especial em Xinjiang e Hong Kong.
A história por trás disso foi-me confirmada por fonte diplomática da União Europeia (EU), e realista (ah, sim, ainda há uns poucos realistas em Bruxelas).
Aquela sala – exclusiva – do G7 virou o inferno na Terra, quando o eixo anglo-norte-americano, apoiado pelo Canadá, sem espinha dorsal, tentou empurrar aquela UE-3 plus Japão, para condenação explícita da China no comunicado final, baseada na ‘evidência’, absolutamente forjada, de um campo de concentração em Xinjiang. Em total contraste com acusações politizadas de “crimes contra a humanidade”, a melhor análise do que está realmente acontecendo em Xinjiang foi publicada pelo Qiao Collective.
Alemanha, França e Itália – Japão esteve quase invisível – mostraram pelo menos um pouco de espinha dorsal. A Internet foi desligada na sala durante o “diálogo” – realmente muito duro. Realismo mesmo – verdadeira manifestação de “líderes” vociferando dentro de uma bolha.
Na disputa envolveram-se essencialmente Biden – na verdade, os que falam por ele e o controlam – e Macron, que insistia em que a EU-3 não se deixasse arrastar pela lógica de uma Guerra Fria 2.0. Aí está algo com que Merkel e Mario ‘Goldman Sachs’ Draghi facilmente concordariam.
No fim, a mesa dividida do G7 resolveu concordar com uma “iniciativa” tipo “Reconstruir Mundo Melhor” (ing. Build Back Better World, ou B3W – para fazer frente à Iniciativa Cinturão e Estrada, ICE, comandada pela China.
É Reset, se nãããão…
A Casa Branca, como se poderia prever que faria e fez, antecipou o comunicado final do G7. Publicou uma declaração, logo depois retirada do seu website e substituída pelo comunicado oficial. Naquela declaração ‘antecipada’ afirmava-se que “os EUA e nossos parceiros no G7 permanecem profundamente preocupados com o uso de todas as formas de trabalho forçado nas cadeias globais de suprimento, incluído o trabalho forçado patrocinado pelo estado, de grupos e minorias vulneráveis e cadeias de suprimento para os setores agrícola, solar e de vestuário – principais cadeias de suprimento que dizem respeito a Xinjiang.”
“Trabalho forçado” é o novo mantra oportunamente conectado à simultânea demonização de ambas, de Xinjiang e da Iniciativa Cinturão e Estrada. Xinjiang é nodo crucial que liga a Iniciativa Cinturão e Estrada à Ásia Central e dali, adiante. O novo mantra “trabalho forçado” pavimenta a estrada, para que B3W surja em campo como pacote “salvador” de direitos humanos.
Tem-se aqui um G7 do bem, que “oferece” ao mundo em desenvolvimento um vago plano de infraestrutura que reflete seus “valores”, seus “elevados padrões” e seu modo de negociar, em tudo diferentes das práticas ambientais sem transparência, do terrível sistema de trabalho e dos métodos coercitivos, marcas registradas do Perigo Amarelo.
Tradução: depois de quase oito anos desde que o presidente Xi anunciou a Iniciativa Cinturão e Estrada, então ainda chamada Um Cinturão, Uma Estrada – a qual passou imediatamente a ser ignorada e/ou demonizada em tempo integral –, espera-se que o Sul Global mostre-se maravilhado ante uma “iniciativa” vaga, a ser financiada por interesses ocidentais privados, cuja prioridade é lucro no curto prazo.
Como se o Sul Global estivesse prestes a cair nesse remix do velho abismo da dívida à moda FMI/Banco Mundial. E como se o “Ocidente” tivesse visão, capacidade, credibilidade, alcance e dinheiro para fazer, desse esquemão, alguma “alternativa” real.
Não há qualquer detalhamento de como funcionará esse [mundo] B3W, quais suas prioridades, nem de onde sairá o capital. Idealizadores do B3W bem fariam se aprendessem da própria Iniciativa Cinturão e Estrada, via Professor Wang Yiwei.
O [mundo] B3W nada tem a ver com estratégia de desenvolvimento comercial/sustentável concebida para o Sul Global. Não passa de cenoura de ilusões balançada diante do nariz dos suficientemente idiotas a ponto de engolir a ideia de que o mundo se dividiria mesmo entre “nossos valores” e “autocracias”.
Estamos de volta ao mesmo velho tema: armado com a arrogância da ignorância, o “ocidente” não tem nem ideia de como começar a compreender valores chineses. Aplica-se aqui o viés de confirmação… e ‘portanto’ a China “ameaça o Ocidente”.
Construímos a melhor escolha!
De modo ainda mais assustador, o [mundo] B3W também é um dos braços do Grande Reset.
Quem queira escavar mais fundo na questão, pode examinar o livro Values: Building a Better World For All, de Mark Carney.
Carney é ator de rara qualificação: é ex-presidente do Banco da Inglaterra, Enviado Especial da ONU para Questões de Ação e Financiamento sobre Clima, é conselheiro do primeiro-ministro Boris “Grã-Bretanha Global” Johnson e do primeiro-ministro do Canadá Justin Trudeau, além de delegado [ing. trustee] do Fórum Econômico Mundial.
Tradução: é grande ideólogo do Grande Reset, do Novo Acordo Verde, do [mundo] B3W.
Seu livro – que deve ser lido lado a lado com a obra de Herr Schwab sobre Covid-19 – prega controle total sobre liberdades pessoais e reset no financiamento industrial e comercial. Carney e Schwab tratam a Covid-19 em termos altruístas e benignos, como perfeita “oportunidade” para o reset, para enfatizar uma mera “regulação” do clima, do business e das relações sociais.
Esse Bravo Novo Mundo “Despertai!” [ing. Brave New Woke World] levado até vocês por uma aliança de tecnocratas e banqueiros – do Fórum Econômico Mundial e da ONU, até os que controlam o teclado que anima o holograma “Biden” – até recentemente parecia estar correndo a pleno vapor. Mas sinais no horizonte revelam que a questão está longe de decidida.
Frase de Tony Blair, dedicado fiel escudeiro do [mundo] B3W, em janeiro passado deve nos deixar alertas: “Será mundo completamente novo (…) Quanto antes compreendermos isso e começarmos a implantar as decisões [necessárias para um] impacto profundo sobre os anos vindouros, melhor.”
E aí está Blair, num lapso freudiano, que não apenas entrega todo o jogo (“impacto profundo sobre os anos vindouros”, “mundo completamente novo”), como também deixa ver sua própria pessoal irritação: o gado não está sendo empurrado para dentro do curral com a presteza necessária.
Não há de ser nada. Tony sabe que sempre há o bom velho castigo: se rejeitarem a vacina, ficarão trancafiados em casa.
Interessante: “B2W” designa uma categoria heterodoxa de vídeos de pornografia (Big Beautiful Women). Talvez se perceba que, afinal, “B3W” nunca passou de pornografia social tóxica.*******
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