Pepe Escobar – 20 de dezembro de 2023
Ninguém jamais perdeu dinheiro apostando na capacidade do Império do Caos, da Mentira e da Pilhagem de formar uma "coalizão de dispostos" sempre que confrontado com um dilema geopolítico.
Em todos os casos, devidamente cobertos pela “ordem internacional baseada em regras” reinante, “disposto” se aplica a vassalos seduzidos por cenouras ou porretes para seguir ao pé da letra os caprichos do Império.
Vamos ao capítulo mais recente: Coalizão Prosperidade Genocida, cuja denominação oficial – heroica – uma marca registrada dos magos de relações públicas do Pentágono, é “Operation Prosperity Guardian” [Operação guardião da prosperidade – nota do tradutor], supostamente engajada em “garantir a liberdade de navegação no Mar Vermelho”.
Tradução: Washington está praticamente declarando guerra ao Ansarullah do Iêmen. Um contratorpedeiro americano extra já foi enviado para o Mar Vermelho.
[Comentário do tradutor: Sim, um contratorpedeiro é tudo que eles precisam para abater os misseis anti-navio do Ansurallah. Idiotas estúpidos.]
O Ansarullah se mantém firme em suas armas e não se deixa intimidar de forma alguma. Os militares houthi já enfatizaram que qualquer ataque aos ativos iemenitas ou aos locais de lançamento de mísseis do Ansarullah deixará todo o Mar Vermelho literalmente vermelho.
Os militares houthis não apenas reafirmaram que têm “armas para afundar seus porta-aviões e destróieres”, mas também fizeram um apelo impressionante aos sunitas e xiitas do Bahrein para que se revoltem e derrubem seu rei, Hamad al-Khalifa.
Na segunda-feira, mesmo antes do início da operação, o porta-aviões Eisenhower estava a cerca de 280 km das latitudes mais próximas controladas pelo Ansarullah. Os houthis têm mísseis balísticos anti-navio Zoheir e Khalij-e-Fars com alcance de 300 a 500 km.
O membro do Conselho Político Supremo do Ansarullah, Muhammad al-Bukhaiti, sentiu-se compelido a enfatizar novamente o óbvio: “Mesmo que os Estados Unidos consigam mobilizar o mundo inteiro, nossas operações no Mar Vermelho não serão interrompidas a menos que o massacre em Gaza pare. Não desistiremos da responsabilidade de defender os Moustazafeen (oprimidos) da Terra.”
É melhor o mundo se preparar: “Porta-aviões afundado” pode se tornar o novo 11/9.
O transporte marítimo no Mar Vermelho continua aberto
O vendedor de armas Lloyd “Raytheon” Austin, em sua atual posição de porta giratória como chefe do Pentágono, está visitando a Ásia Ocidental – principalmente Israel, Qatar e Bahrein – para promover essa nova “iniciativa internacional” para patrulhar o Mar Vermelho, o estreito de Bab al-Mandeb (que liga o Mar da Arábia ao Mar Vermelho) e o Golfo de Aden.
Como al-Bukhaiti observou, a estratégia do Ansarullah é atacar qualquer navio que navegue no Mar Vermelho ligado a empresas israelenses ou que forneça para Israel – algo que, para os iemenitas, demonstra sua cumplicidade com o genocídio de Gaza. Isso só vai parar quando o genocídio parar.
Com uma única ação – um bloqueio marítimo de fato – o Ansarullah provou que o rei está nu: O Iêmen fez mais na prática para defender a causa palestina do que a maioria dos principais atores regionais juntos. Aliás, todos eles receberam ordens de Netanyahu em público para se calarem. E eles se calaram.
É bastante instrutivo seguir mais uma vez o dinheiro. Israel foi duramente atingido. O porto de Eilat está praticamente fechado, e sua renda caiu 80%.
Por exemplo, a Yang-Ming Marine Transport Corporation, gigante da navegação taiwanesa, planejou originalmente redirecionar sua carga com destino a Israel para o porto de Ashdod. Em seguida, cortou todas as remessas para qualquer destino israelense.
Não é de se admirar que Yoram Sebba, presidente da Câmara de Navegação de Israel, tenha se revelado perplexo com as táticas “complexas” e os critérios “não revelados” do Ansarullah, que impuseram “total incerteza”. A Arábia Saudita, o Egito e a Jordânia também foram pegos na rede do Iêmen. É fundamental manter em perspectiva que o Ansarullah bloqueia apenas os navios que estão indo para Israel. A maior parte da navegação marítima no Mar Vermelho continua aberta.
Portanto, a decisão da gigante do transporte marítimo Maersk de não usar o Mar Vermelho, juntamente com outros gigantes do transporte marítimo global, pode estar exagerando – quase implorando para que uma patrulha liderada pelos EUA entre em vigor.
Entre no CTF 153
Até agora, de um lado temos o Iêmen praticamente dominando o Mar Vermelho. Do outro lado, temos o tandem Emirados Árabes Unidos-Saudita-Jordânia, na forma de um corredor terrestre de carga – alternativo – criado a partir do porto de Jebel Ali, no Golfo Pérsico, atravessando a Arábia Saudita até a Jordânia e depois Israel.
O corredor usa a tecnologia logística da Trucknet: é a conectividade terrestre baseada em caminhões na prática, reduzindo o tempo de transporte de 14 dias via Mar Vermelho para no máximo 4 dias na estrada, 300 caminhões por dia, todos os dias. A Jordânia, é claro, está presente, operando o transbordo dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita.
A estrutura abrangente para tudo isso é o plano “Um Israel“, promovido com entusiasmo por Netanyahu, cujo objetivo principal é uma ligação com a península arábica e, acima de tudo, a metrópole tecnológica NEOM a ser construída teoricamente até 2039 na província de Tabuk, no noroeste da Arábia Saudita, ao norte do Mar Vermelho, a leste do Egito, através do Golfo de Aqaba, e ao sul da Jordânia. O NEOM é o projeto do MbS para modernizar o país, que, aliás, deverá contar com cidades de IA operadas por Israel.
É nisso que Riad está realmente apostando, muito mais do que no desenvolvimento de relações mais próximas com o Irã sob a estrutura do BRICS+. Ou se preocupar com o futuro da Palestina. No entanto, em relação ao planejado bloqueio naval do Iêmen, os sauditas foram muito mais circunspectos. Mesmo quando Tel Aviv pediu diretamente à Casa Branca que fizesse alguma coisa, qualquer coisa, Riad “aconselhou” Washington a exercer alguma moderação.
No entanto, como poucas coisas são mais importantes para os psicopatas neoconservadores straussianos que atualmente dirigem a política dos EUA do que proteger os interesses comerciais no Mar Vermelho de seu porta-aviões na Ásia Ocidental, a decisão de criar uma “coalizão” era praticamente inevitável. Entre na mais recente – na verdade, a quarta – encarnação da Força Marítima Combinada (CMF): uma coalizão multinacional de 39 nações criada em 2002 e liderada pela Quinta Frota dos EUA no Bahrein.
A força-tarefa já existe: é a CTF 153, com foco em “segurança marítima internacional e esforços de capacitação no Mar Vermelho, Bab al-Mandeb e Golfo de Aden”. Essa é a base da Coalizão Prosperidade do Genocídio. Os membros da CTF 153 incluem, além dos suspeitos de sempre, EUA, Reino Unido, França e Canadá, europeus como Noruega, Itália, Holanda e Espanha, a superpotência Seychelles e Bahrein (o elemento da Quinta Frota).
A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, de forma crucial, não são membros. Eles sabem, depois de uma guerra de sete anos, quando faziam parte de outra “coalizão” (os EUA estavam como que “liderando por trás”), o que significa combater o Ansarullah.
Todos a bordo da Rota do Mar do Norte
Se a situação no Mar Vermelho ficar realmente vermelha, isso abalará instantaneamente o cessar-fogo entre Riad e Sanaa. A Casa Branca e o Estado Profundo dos EUA simplesmente não querem um acordo de paz. Eles querem a Arábia Saudita em guerra com o Iêmen. O fato de o Mar Vermelho ficar vermelho também fará com que a crise energética global entre em parafuso. Afinal de contas, pelo menos quatro milhões de barris de petróleo e 12% do total do comércio marítimo global para o Ocidente transitam pelo Bab al-Mandeb todos os dias.
Portanto, mais uma vez temos a confirmação gráfica de que o Império do Caos, da Mentira e da Pilhagem só pede cessar-fogo quando está perdendo feio: veja o caso da Ucrânia. No entanto, nenhum cessar-fogo em Gaza – apoiado pela maioria esmagadora dos estados-membros da ONU – corre o risco de se transformar em uma metástase da guerra na Ásia Ocidental.
Isso pode se encaixar na lógica imperial desajeitada de incendiar a Ásia Ocidental para atrapalhar o impulso comercial do BRI da China e a entrada do Irã, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos no BRICS expandido no próximo mês. Ao mesmo tempo, e em sintonia com a ausência de um planejamento estratégico real em Washington, isso não leva em consideração uma série de consequências terríveis e não intencionais.
Portanto, de acordo com a ótica imperial, o único caminho a seguir é uma maior militarização – do Mediterrâneo ao Canal de Suez, ao Golfo de Aqaba, ao Mar Vermelho, ao Golfo de Aden, ao Mar Arábico e ao Golfo Pérsico. Isso se encaixa exatamente na estrutura da Guerra dos Corredores Econômicos.
Um axioma deve ser gravado em pedra: Washington prefere apostar em uma possível e profunda recessão global a simplesmente permitir um cessar-fogo humanitário em Gaza. A recessão pode muito bem turbinar um colapso econômico generalizado do Ocidente coletivo e um aumento ainda mais rápido da multipolaridade.
Para oferecer o alívio necessário a tanta insanidade: quase casualmente, o presidente Putin comentou recentemente que a Rota do Mar do Norte está se tornando um corredor de comércio marítimo mais eficiente do que o Canal de Suez.
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