Márcia G. Damasceno(*) e Quantum Bird – 10 de setembro de 2024
A geopolítica é uma área do conhecimento que se dedica ao estudo das relações de poder entre Estados e territórios, bem como a forma como se organizam no sistema-mundo com o objetivo de interpretar fenômenos globais determinando como um país é visto pelos outros e como quer ser visto. A ação coordenada é o que faz diferença e orienta a atuação dos governos no cenário mundial.
Nessa entrevista sobre geopolítica com Quantum Bird, vamos falar sobre a economia brasileira e a percepção popular, as consequências do anúncio dos EUA sobre a apreensão do avião do presidente venezuelano Nicolás Maduro, as declarações de Maduro em relação à política brasileira, e a economia estadunidense e os desdobramentos sobre a campanha eleitoral americana.
AMÉRICA DO SUL
BRASIL
O PIB do Brasil cresceu 1,4% acima do esperado para o trimestre, e é o 2º maior crescimento do mundo. A pesquisa Atlas Intel de avaliação, divulgada em agosto, mostrou que para 47º dos entrevistados a situação atual da economia é ruim, e 33º considera boa. Para 21% a situação está normal.
Por que a economia cresce, desemprego cai, mas a percepção do brasileiro não acompanha os números?
QB.: Precisamos entender melhor como esses números são calculados. Sabemos que existe uma grande divergência entre esses indicadores de saúde econômica quando calculados em termos de produto interno bruto ou paridade de poder de compra.
Em termos da percepção da população, acredito que um indicador mais realista seria avaliar o percentual do salário médio (média ponderada aqui) que compra um Big Mac ou uma pizza marguerita. Se fizermos isto, veremos rapidamente porque a percepção da população permanece tão ruim. Os preços de tudo, mas principalmente gêneros alimentícios básicos, seguem aumentando.
Toda essa conversa de crescimento do PIB é um engodo para esconder a financeirização profunda da economia e a concentração de renda resultante. A percepção do estado da economia pelo brasileiro médio é, portanto, bastante acurada. O padrão de vida cai com o passar das horas. Sobre o emprego, os engodos se acumulam. Aparentemente o nosso governo decidiu considerar categorias de ocupação desregulamentadas e sub-remuneradas como emprego, ou decidiu reportar sobre taxas de ocupação. Trata-se de um verdadeiro retorno ao dia seguinte à abolição da escravatura. Veja como esse tipo de reportagem ou relatório é enviesado. Suponhamos que tenhamos 99% das pessoas em idade economicamente ativa ocupadas em uma variedade de atividades promovidas pelos restantes 1% e sendo renumeradas ao valor de R$ 100,00. Nesse caso, seguindo a lógica do governo, teríamos 0% de desemprego/desocupação, certo? Mas o que dizer sobre a concentração de renda e o padrão de vida da população? Acredito que nessa linha podemos entender a discrepância entre a percepção do brasileiro e os números calculados pelo governo.
VENEZUELA
Os Estados Unidos anunciaram a apreensão de um avião do presidente Venezuelano, Nicolás Maduro, na República Dominicana e o transferiram para a Flórida, alegando violações às sanções americanas. O departamento de justiça americana disse que a aeronave Dassault Falcon 900EX foi comprada por 13 milhões de dólares através de uma empresa de fachada e foi contrabandeada para fora dos Estados Unidos para ser usada por Maduro, que é acusado de manipular os resultados das eleições presidenciais de 28 de julho, e de manter o poder pela força. Qual é o recado que os EUA estão passando com essa atitude? Quais as consequências da reeleição de Maduro e por que os EUA e Europa não reconhecem Maduro como presidente? Por que as eleições Venezuelanas têm se tornado palco de tantas discussões?
Q.B.: Existem vários recados. O principal é a determinação renovada do governo estadunidense em promover, a qualquer custo, uma mudança de regime na Venezuela. O confisco da aeronave do governo venezuelano é pura e simplesmente um ato de pirataria primário. Roubo mesmo. Não são apenas os EUA, a EU e o Reino Unido que se negam a reconhecer a eleição de Maduro. Existe um número de países vassalos e colônias dos EUA que seguiram a norma. Brasil incluído. Estes atores se negam a reconhecer a legitimidade da liderança venezuelana desde a eleição de Hugo Chaves em 1999, porque basicamente ele reorientou a política venezuelana e tomou uma série de medidas para recuperar a soberania do país. E Maduro representa a continuidade dessa política.
O presidente Nicolás Maduro elogiou a decisão do TSF de banir o aplicativo X. Na entrevista, Maduro disse que a decisão é correta e que, na Venezuela, a palavra do judiciário é sagrada. Qual o papel do judiciário da Venezuela e do Brasil?
Q.B.: Não conheço o sistema judiciário venezuelano atual. Não me arrisco a opinar muito, mas acredito que tenha melhorado com o Bolivarianismo. Quanto ao (judiciário) brasileiro, trata-se de uma instituição largamente disfuncional, cuja atuação extrapola quase sempre suas atribuições constitucionais e desequilibra totalmente o jogo democrático a favor da manutenção de oligarquias e do status quo colonial do país. Todos vimos até que ponto podem chegar para lesar a pátria durante a Operação Lava-jato e a prisão de Lula, para citar dois casos recentes.
RÚSSIA
Os EUA impuseram sanções ao grupo de mídia russo Rossiya Segodnya, RIA Novosti, RT, TV-Novosti, Ruptly e Sputnik. As autoridades americanas estão restringindo vistos e anunciando uma recompensa de até US$ 10 milhões por informações sobre interferência estrangeira nas eleições dos EUA.O governo dos EUA acusa a Rússia de tentar interferir nas eleições presidenciais do país.
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fena) considerou o movimento do governo norte-americano como um “atentado à liberdade de expressão e de imprensa mundial, sobretudo nesse contexto de alegar que as mídias russas têm interesse em intervir na eleição norte-americana.
O que os EUA esperam com essa atitude?
Q.B.: Este é um movimento articulado pelo Partido Democrata. O objetivo é fabricar a narrativa e as condições práticas para a verdadeira intervenção nas eleições, que vai ocorrer caso Kamala Harris perca para Trump. Nesse caso, mortos ressuscitarão para votar novamente, servidores com dados serão confiscados e uma série de outras medidas fraudulentas serão novamente empregadas para garantir a eleição da candidata democrata. Em suma, o mesmo filme da eleição passada. E como sempre, será tudo atribuído aos russos.
EUA
Eleições e economia
A economia dos EUA está em declínio e muitas empresas estão indo à falência. No entanto, nem Donald Trump, nem Kamala Harris estão falando sobre essa questão, muito menos propondo um plano para restaurar o estado de bem-estar social, reduzir gastos e começar a reduzir a dívida.
Será que o cidadão norte-americano está preparado para os desafios econômicos que se aproximam?
Q.B.: A resposta curta é não. Os estadunidenses se acostumaram a viver muito acima de suas possibilidades, exportando débito para o resto do mundo através do abuso do status do dólar como moeda de reserva. O débito dos EUA está em algum valor entre 35 e 100 trilhões de dólares e é claramente impagável. A economia dos EUA flutua em um colchão de débito sem nenhum colateral tangível. Quando a bolha das casas financiadas já estourou em 2008, muita gente teve que ir viver nas ruas e dormir no próprio carro. No próximo evento do tipo, haverá muito pouco para tirar das pessoas para cobrir débitos. O estadunidense médio sobrevive acumulando débito de cartão de crédito. O débito total dos usuários de cartões de crédito é da ordem de 1.5 trilhões de dólares, e também nunca será pago. Como você colocou na pergunta, tempos difíceis se aproximam rápido para o estadunidense médio.
Acredito que o principal ponto é o seguinte. Qualquer um que prometa consertar esse sistema, reduzir ou até mesmo eliminar essa dívida, está mentindo. O sistema não é reparável. O grande desafio que se coloca para o resto do mundo, principalmente o Sul Global, é a construção de uma arquitetura econômica alternativa que permita se isolar das consequências da derrocada, pois quando ela chegar, a devastação econômica será brutal. República de Weimar vai parecer um paraíso se comparado.
(*) Márcia G Damasceno é jornalista, professora e educadora social.
Muito bem, os assuntos aqui ficaram bem claros devido às palavras claras e precisas da autora que soube transmitir a realidade que se esconde por trás de números e estatísticas falsos.
A explicação de geopolítica e de relações económicas entre povos de diferentes países e geografias mais simples e perceptível a qualquer cidadão que já li. De certo ajudará muito a quem se interesse em perceber o real valor das diferentes moedas mundiais e o valor por que é pago o seu trabalho na sociedade em que se insere ou está inserido.
Bem haja