Por Ricardo Guerra para o para o Saker Latinoamérica e PLR – 02 de julho de 2022
BRICS é uma sigla relacionada ao grupo formado pelos países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e representa uma unidade de cooperação diplomática entre esses cinco países.
Apesar de não se constituir como um bloco econômico ou se estruturar como uma clássica organização internacional, visto que não existe um tratado, uma sede ou outras características que possam lhe delimitar como tal, esse agrupamento:
- Representa uma importante mudança de paradigma internacional;
- E pode contribuir para a configuração de uma nova ordem geopolítica multipolar.
Não obstante o seu caráter informal, o BRICS tem um grau de institucionalização que vai se definindo à medida que os cinco países, considerados emergentes no que se refere ao desenvolvimento de suas economias, intensificam sua interação.
Na última cúpula do grupo, realizada recentemente na China (em junho de 2022), os membros do BRICS:
- Definiram diretrizes para a cooperação energética e o aumento do comércio entre os países-membros – estabelecendo o foco na recuperação econômica através da colaboração diplomática;
- E abordaram a necessidade de aprofundar o debate sobre o desenho e a implementação de uma moeda de reserva internacional;
- Sendo ratificada a ideia de expansão do bloco, mediante consulta e consenso.
Quanto à questão energética, os membros do grupo já vêm destacando, há um bom tempo, o fato de que os países em desenvolvimento precisam dispor de mais tempo para atingir seu pico de emissões de gases – e definiram que a “ameaça da mudança climática”, usada pelos países desenvolvidos para impor um urgente processo de descarbonização na gestão da economia mundial:
- Exige a culpabilidade histórica dos países desenvolvidos e a necessidade de que estes países assumam a responsabilidade na realização das ações de mitigação do problema;
- E, entre outras coisas, que seja fornecido aos países em desenvolvimento o indispensável apoio no que se refere a finanças, tecnologia e capacitação para a realização dessa mudança na plataforma energética.
Referente à perspectiva de expansão, a ideia de um BRICS, inclusivo e aberto, revela a disposição do grupo em criar uma possibilidade real de se tornar cada vez mais forte:
- Ampliando as esperanças de mudanças materiais no sistema econômico global;
- E aumentando o potencial para que possam ser construídas bases factíveis para a configuração de um novo sistema mundial de governança.
Assim, do embrião inicial, quando o imperialismo estadunidense ainda tolerava certa autonomia a países extremamente dependentes como Brasil e África do Sul, e as contradições com a China e a Rússia ainda não tinham chegado ao ponto de hoje (de guerra quase que abertamente declarada), o BRICS nunca esteve tão perto de se impor decisivamente no contexto da geopolítica e governança mundial:
- Sendo reais as perspectivas de poder de confrontação ao imperialismo ocidental, em decadência;
- Principalmente agora que o modelo econômico de expansão faliu e a maior crise enfrentada pelo capitalismo, em todos os tempos, segue firme o seu fluxo de agravamento, fazendo com que a margem de manobra do imperialismo fique cada vez mais curta, quanto às suas pretensões para o rearranjo da estrutura do capitalismo mundial – em permanente situação de crise.
O Brasil, mesmo a contragosto de Bolsonaro e da corja de entreguistas americanófilos que lhe dá sustentação no campo político, jurídico e militar, fortaleceu a permanência no BRICS (principalmente depois da saída de Trump) – particularmente devido a crise e a falta de recursos que não permitiram a possibilidade de rompimento definitivo do país com a Rússia e com a China, conforme exigiam os EUA.
Movimentos e desenvolvimentos adicionais na evolução do formato do BRICS estão sendo observados e, com a real possibilidade da entrada da Argentina e do Irã no grupo:
- O resultado mais importante da reunião deste ano na China – será o impulsionamento do grupo de forma mais incisiva na agenda da governança global, agora como BRICS+;
- Cuja área de abrangência será cada vez maior, em conformidade com a diversidade de países participantes.
Essa nova formatação (BRICS+) tende a fortalecer a Rússia e a China para o enfrentamento contra a escalada da agressividade do imperialismo e pode oferecer algumas significativas vantagens aos demais participantes do grupo.
Falando especificamente sobre a América do Sul, o BRICS, que já é uma plataforma de atuação geopolítica para o Brasil há aproximadamente 20 anos, dará a Argentina a oportunidade de aumentar a sua participação internacional nesse contexto.
Além disso, a aproximação entre o BRICS e o Mercosul pode abrir uma série de oportunidades para os países da região (com o envolvimento da Argentina nessa dinâmica) fortalecendo e aumentando, também, a capacidade que o Brasil já tem de participação no comércio internacional.
Diante do cenário desolador de crise econômica que estamos passando, o BRICS+ significa uma oportunidade de libertação da dependência de estruturas financeiras vinculadas ao imperialismo ocidental – que coloniza a região (EUA, FMI, Banco Mundial, Europa):
- E representa a abertura de novas fontes de financiamento e parcerias;
- Criando perspectivas de alteração na ordem econômica internacional e, consequentemente, novas possibilidades de crescimento.
Numa perspectiva mais abrangente, é possível perceber que a expansão da cooperação diplomática com outros países, expressa através da nova configuração do BRICS+:
- Representa a possibilidade de consolidação de um arranjo geopolítico inovador, que se estabelece em contraposição ao atual arranjo neoliberal – que prioriza os EUA e a sua política de exploração dos países em desenvolvimento;
- Transferindo e aumentando o repasse da crescente crise capitalista para os países que se situam às margens do centro do capitalismo mundial.
Enfim, o BRICS+, regido sob a condição de consenso, respeito mútuo e equilíbrio de interesses entre seus membros, se contrapõe fundamentalmente a hoje dominante geopolítica neoliberal – estabelecendo como foco a cooperação diplomática para a recuperação econômica, assim como a abertura do dialogo sobre a necessidade de desenvolvimento harmônico em escala global:
- Portanto, se efetivamente conseguir transpassar o campo do debate e do discurso, implantando as políticas propostas;
- Terá imenso potencial para se tornar a base de um novo sistema de governança global.
Ou seja, para enfrentar a mais grave crise econômica (desde a Grande Depressão), o mundo está envolvido num processo que exige a organização de um novo arranjo geopolítico, para o qual:
- O grande problema a ser resolvido é o agravamento da crise capitalista;
- E o que fazer com os gigantescos volumes de capital fictício/especulativo – dos quais depende a escalada dos lucros e o insaciável desejo por dinheiro das 30.000 grandes empresas que hoje dominam o mundo.
A base da economia estabelecida na especulação financeira absorve todos os principais recursos da sociedade, como uma espécie de buraco negro, simplesmente para que as super grandes empresas possam lucrar, sustentando, assim, de forma irreal todo o sistema – causando dependência do dinheiro fornecido pelos governos através da compra de títulos podres, sem lastro produtivo.
Já faz muito tempo que quase nenhuma fábrica é aberta e a realidade é que a economia capitalista não funciona mais – e vem se mantendo aos trancos e barrancos.
Os níveis de endividamento atingiram volumes tão altos que tornou-se impossível (ao imperialismo) uma solução dentro dos parâmetros por eles considerados “normais”, gerando um absurdo aumento da pressão neoliberal contra os trabalhadores e os povos, particularmente na América Latina, sendo visivelmente observado o aumento do controle do imperialismo sobre o Brasil e a realização de muitos outros tipos de manobras imperialistas na região, tais como:
- Aumento do processo de colonização cultural e impulsionamento de uma agenda ambiental seletiva;
- Cerceamento da liberdade de expressão e imposição de estados de sítio;
- “Cordiais visitas diplomáticas” e espúrios acordos com representantes das oligarquias locais (apátridas);
- Além de outros artifícios, usados como forma de garantir a formatação e cooptação de governos, estruturados nos moldes das “milícias” ou sob uma configuração pseudo progressista de “esquerda”, conforme a necessidade e as possibilidades do momento, mas sempre fielmente alinhados à política do entreguismo neoliberal.
E mais, percebendo a dominação do mercado mundial ser ameaçada (principalmente pelo bloco liderado pela China), o império intensificou o cenário de provocações e, desesperado, partiu para a guerra – na perspectiva de dar impulso ao seu complexo industrial militar (sua última esperança de pujança econômica) e promover a destruição (em maior escala) das forças produtivas, na expectativa de também movimentar a economia, a partir de um “esforço” de reconstrução.
Em suma, duas propostas de arranjo geopolítico estão sendo colocadas em jogo:
- O rearranjo Neoliberal – que estabelece suas bases na perspectiva de intensificar o processo de exploração e de dependência dos países da periferia do sistema, basicamente propondo (de forma unilateral) privilégios para um pequeno grupo de países (tendo à frente os EUA), ao mesmo tempo que exige austeridade e entrega de patrimônios e recursos (públicos, financeiros e estatais) aos demais;
- E o BRICS – que, por outro lado, se estabelece (ao menos no discurso) a partir da premissa da inclusão e de uma proposta de colaboração para o desenvolvimento, exaltando a importância da cooperação diplomática e da organização de instâncias multilaterais para a recuperação econômica – e a necessidade de diálogo em busca do desenvolvimento harmônico em escala global.
Dessa forma, no âmbito das relações políticas e econômicas internacionais de poder, a atual conjuntura indica que as configurações gerais das hierarquias estão mudando – e é muito provável que diante das condições históricas apresentadas, uma nova ordem mundial possa surgir.
A transformação social e transição para uma nova sociedade (sustentável) depende da garantia de oportunidade aos povos para a construção de suas próprias variantes econômicas – sem interferências externas.
No entanto, no complexo tabuleiro de jogo da geopolítica (em iminente processo de transição), as peças ainda estão sendo jogadas e é prudente não desprezar a reação do imperialismo ocidental frente a essas importantes movimentações recentemente estabelecidas.
A burguesia não vai ceder seus privilégios tão fácil. Mas é na pressão contra as massas (no desespero imperialista) que caem por terra as ilusões com o sistema capitalista.
A tarefa concreta é organizar as massas para a luta anti-imperialista: aproveitar as experiências vividas, mas sem perder de vista a busca por novas soluções.
Ricardo Guerra é cronista anti-imperialista. Articulista da Gazeta Revolucionária, da Primera Línea Revolucionária América Latina, da Rádio Expressa e da Rádio Revolução Latino-americana.
Be First to Comment