Jonathan Tennenbaum – 24 de abril de 2020
Parte 3 do sonho de Hidrogênio-Boro. No capítulo anterior desta série, Jonathan Tennenbaum explicou como a reação de fusão nuclear entre hidrogênio e boro poderia fornecer uma base para geração de eletricidade altamente eficiente e livre de radioatividade, com reservas virtualmente ilimitadas de combustível. Imagem de capa: Estrutura subnuclear do núcleo de um átomo de silício.
Infelizmente, as reações de hidrogênio e boro ocorrem em números significativos apenas sob condições físicas muito extremas – muito mais difíceis de realizar do que a reação deutério-trítio (DT), que até agora tem estado no foco da pesquisa de fusão. Enquanto isso, depois de mais de meio século de esforços mundiais e investimentos que chegam a dezenas de bilhões de dólares, ainda não é possível prever com qualquer grau de certeza quando as estações de energia baseadas na reação DT poderão realmente entrar em operação. Evidentemente, novas abordagens são necessárias, de fato, um novo paradigma, que se poderia chamar de “paradigma não térmico”.
Física do plasma: paraíso ou pesadelo?
No negócio da fusão, até agora, fala-se principalmente de fusão termonuclear: reações de fusão induzidas pelo aumento do combustível a temperaturas de milhões de graus. Essa também é a origem do termo arma termonuclear para denotar o que é mais popularmente conhecido como “bomba de hidrogênio”.
Muito mais do que aquecimento está envolvido, no entanto. Já em temperaturas muito mais baixas, o combustível se transforma em plasma: os elétrons (ou a maioria deles) não estão mais ligados aos núcleos, mas enxameiam mais ou menos livremente, como fazem os núcleos, embora ainda empurrados e puxados pelo forças de atração e repulsão entre eles. Seu movimento dá origem a correntes elétricas e campos magnéticos, que por sua vez atuam sobre todo o plasma. Fala-se de “magneto-hidrodinâmica”. O comportamento do plasma é, por sua própria natureza, altamente não linear. Os plasmas exibem uma enorme variedade de diferentes tipos de ondas e oscilações; eles emitem radiação eletromagnética, exibem propriedades coletivas e auto-organizadas. Existem efeitos colisionais e quânticos, etc.
Está tudo aí. Para o físico, um paraíso, ou um pesadelo, dependendo de como você o encara.
Prever e controlar o comportamento dos plasmas em altas energias é uma tarefa formidável, mesmo com a ajuda dos supercomputadores mais rápidos.
Fusão magnética versus inercial
As temperaturas de milhões de graus geram pressões astronomicamente altas. Sem mecanismos para confiná-lo, o combustível aquecido se expandirá explosivamente e perderá rapidamente a densidade necessária para que ocorram um número significativo de reações. O esforço para resolver esse problema levou a duas estratégias muito diferentes.
A primeira estratégia é confinar o plasma quente em uma “garrafa magnética”, ou seja, usando campos magnéticos para neutralizar sua enorme força de expansão. Hoje a cena é dominada pelo gigantesco projeto International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER – traduz-se Reator Experimental Toroidal Internacional – nota do tradutor), agora em construção em Cadarache, França. Na minha opinião, o ITER é valioso principalmente como uma plataforma para pesquisa de plasma, desenvolvimento de tecnologia e como meio de apoiar um ecossistema de cientistas e engenheiros que trabalham em áreas relevantes. Do ponto de vista de realmente realizar a fusão como uma fonte de energia comercial, porém, o ITER se parece muito com um beco sem saída.
Muito mais promissores são os dispositivos muito menores que usam regimes pulsados de não-equilíbrio, como o chamado foco de plasma denso (DPF). O DPF explora processos de auto-organização no plasma para atingir densidades de energia extremamente altas.
A segunda abordagem principal, na qual me concentrarei no restante deste artigo, é chamada de fusão por confinamento inercial (ICF – inertial confinement fusion ). Na ICF, não tentamos limitar a expansão do plasma; mas antes que o processo comece, comprimimos o combustível a densidades tão altas, que um grande número de reações ocorre já nos primeiros momentos, antes que ele tenha tempo de se expandir. Durante aquele minúsculo instante, a energia liberada por cada reação aquece ainda mais a mistura; o processo de combustão torna-se autossustentável – ignição. Temos uma explosão termonuclear em miniatura. Um futuro reator ICF operaria em regime de pulsação, com minúsculos pellets de combustível sendo jogados um após o outro em uma câmara de explosão e inflamados por pulsos de laser.
Desnecessário dizer que a física básica da ICF foi desenvolvida no contexto das armas nucleares e ainda se sobrepõe significativamente ao domínio da pesquisa militar secreta.
Haveria muito a dizer sobre a política de fusão magnética e inercial, mas esse não é o meu assunto aqui.
Do “Super” à implosão radiativa
Até agora, a única tecnologia disponível para gerar grandes quantidades de energia em excesso a partir de reações de fusão é a bomba de hidrogênio, também conhecida como bomba termonuclear. Esta tecnologia foi testada com sucesso pela primeira vez em 31 de outubro de 1952.
Na época do Projeto Manhattan dos Estados Unidos para construir uma bomba atômica (de fissão), o físico Edward Teller concebeu uma arma potencialmente muito mais destrutiva, baseada não na fissão do urânio, mas na fusão de isótopos de hidrogênio. Era conhecido como “Super”.
Como estava claro que os explosivos químicos não podiam gerar as temperaturas de dezenas de milhões de graus exigidas para iniciar as reações de fusão, a única opção era usar uma bomba de fissão.
Em 1946, o matemático John von Neumann e o físico Klaus Fuchs apresentaram um pedido de patente nos Estados Unidos para uma abordagem modificada do Super. O título da invenção era “Melhoria nos métodos e meios de utilização da energia nuclear”. Nem é preciso dizer que o dispositivo não foi projetado para uso civil!
O conteúdo da patente de von Neumann-Fuchs ainda é oficialmente um segredo do governo dos Estados Unidos, mas pode ser encontrado em uma série fascinante de volumes publicados na Rússia em 2008 (Атомный Проект СССР – Документы и Материалы), contendo documentos soviéticos desclassificados. Lá se encontra um texto detalhado com cálculos e diagramas, em inglês e com tradução russa, bem como comentários sobre ele de importantes pesquisadores soviéticos do ano de 1948. Como isso foi possível? Klaus Fuchs mais tarde admitiu que tinha sido um agente soviético!
O projeto de von Neumann-Fuchs já incorporava o que se tornou o princípio operacional básico da bomba de hidrogênio: “implosão de radiação”. Em vez de distribuir o combustível de fusão em volta da bomba de fissão, como foi originalmente concebida para o Super, coloque o combustível em um recipiente separado e aproveite o intenso pulso de radiação, gerado por uma explosão de fissão, para aquecê-lo, comprimir e inflamar.
O dispositivo finalmente usado no teste bem-sucedido de 1952 contou com esta implosão de radiação em uma abordagem mais avançada, por Edward Teller e Stanislav Ulam. Esta é a famosa “configuração Teller-Ulam” de dois estágios ilustrada no diagrama a seguir. Tornou-se uma espécie de modelo para o desenvolvimento posterior da fusão a laser.
Livrar-se do gatilho de fissão
Dado o sucesso da bomba de hidrogênio em liberar grandes quantidades de energia de fusão, é natural perguntar até que ponto as explosões termonucleares podem ser reduzidas a ponto de serem utilizáveis para geração de energia comercial.
O processo de fusão em si não representa uma barreira intrínseca à miniaturização: não há limite inferior para a quantidade de combustível que pode ser usada para alimentar uma “microexplosão” de fusão. Em contraste, o primeiro estágio da bomba de hidrogênio não pode ser arbitrariamente reduzido, pelo menos não de maneira direta. Uma reação de fissão autossustentável requer uma certa massa crítica mínima, resultando em uma explosão desagradavelmente grande. Mesmo se pudéssemos fazer microexplosões de fissão, elas gerariam radioatividade significativa, cuja supressão é a principal motivação para buscar a fusão em primeiro lugar.
Consequentemente, na medida em que escolhemos a bomba de hidrogênio como o ponto de partida para o desenvolvimento de reatores de fusão – incluindo o conhecimento físico duramente conquistado por trás da bomba – é imperativo encontrar um substituto para o gatilho de fissão.
Entra o laser
Uma das propriedades mais úteis dos lasers reside no fato de que um feixe de laser pode ser focado em um ponto minúsculo, comparável em dimensão ao comprimento de onda da luz. Concentrar a energia do feixe desta forma torna possível atingir intensidades muito altas. Sistemas laser que estão disponíveis comercialmente podem vaporizar instantaneamente qualquer material conhecido. Qual é o limite dessa capacidade? É possível atingir temperaturas na faixa de 100 milhões de graus necessários para causar reações de fusão? A resposta é sim.
Já em 1968 – apenas oito anos após a invenção do primeiro laser – o grupo de Nikolai Basov, do Instituto de Física Lebedev da URSS, relatou a primeira observação de reações de fusão desencadeadas pela irradiação a laser de um alvo de hidreto de lítio. Os resultados soviéticos foram rapidamente repetidos em laboratórios na França e nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, John Nuckolls estava pensando em linhas um tanto paralelas, sobre como miniaturizar explosões termonucleares a ponto de poderem ser disparadas sem o uso de uma bomba atômica como um “driver”.
A abordagem básica buscada para a fusão a laser, que surgiu desde as propostas originais de Basov e Nuckolls, emprega fundamentalmente o mesmo princípio de implosão radiativa utilizado na bomba de hidrogênio de Teller-Ulam. Bombardeamos uma bolinha esférica de combustível de todos os lados por pulsos de laser simultâneos. A energia do laser é inicialmente absorvida pela camada externa do pellet, fazendo com que ele se expanda de forma explosiva. Pelo princípio de ação-reação (o “efeito de foguete”), as camadas adjacentes do pellet são empurradas para dentro com enorme força, gerando ondas de choque que comprimem o núcleo a uma densidade superalta e gerando os cem milhões de graus temperaturas necessárias para desencadear o processo de fusão.
Essa é a estratégia perseguida em inúmeros experimentos com lasers de alta potência, realizados nos Estados Unidos, Europa, Japão e na ex-União Soviética, culminando na gigantesca Instalação Nacional de Ignição de 192 feixes no Laboratório Lawrence Livermore dos EUA – o maior laser do mundo. Em seus experimentos decisivos, o NIF usou uma configuração modificada em que a energia do laser é convertida primeiro em raios X pela interação da luz do laser com um invólucro metálico ao redor do pellet de combustível. Esperava-se que isso promovesse uma implosão muito mais eficiente do alvo de combustível.
Porém, as dificuldades são imensas: o processo de implosão radiativa é atormentado por instabilidades hidrodinâmicas que impedem uma compressão efetiva, a eficiência do acoplamento da energia do laser no alvo é baixa, há perdas radiativas, etc.
Os experimentos mais bem-sucedidos realizados até agora no NIF foram capazes de produzir quantidades consideráveis de energia de fusão, mas ainda muito menos do que o necessário para “pagar” a energia consumida na produção do pulso de laser. Infelizmente, a National Ignition Facility também não conseguiu atingir a meta prometida de alcançar a ignição. Sem ignição, obtemos um “chiado” em vez de uma microexplosão completa.
Abandonando o paradigma térmico
Hoje, novas estratégias surgiram, que prometem eliminar os obstáculos tecnológicos e conceituais que têm impedido o progresso da energia de fusão desde o início.
Um deles, perseguido pelo Prof. Heinrich Hora e seus colaboradores, parte da receita padrão, “aquecer e comprimir o combustível”. Veja: A fusão de hidrogênio-boro pode ser a realização de um sonho .
Naturalmente, propor um novo paradigma significa pouco, a menos que se tenha os meios tecnológicos para realizá-lo na prática. Nesse caso, os meios essenciais foram fornecidos pela invenção da “amplificação de pulso chirped” de pulsos de laser – que explicarei no próximo artigo.
Jonathan Tennenbaum recebeu seu PhD em matemática pela Universidade da Califórnia em 1973 aos 22 anos. Também físico, linguista e pianista, ele é um ex-editor da revista FUSION. Ele mora em Berlim e viaja frequentemente para a Ásia e outros lugares, como consultor em economia, ciência e tecnologia.
Fonte: https://asiatimes.com/2020/04/lessons-from-the-hydrogen-bomb/
Be First to Comment