Pepe Escobar entrevista Prof. Hasan Unal
1/12/2018, Pepe Escobar, The Vineyard of the Saker (de Asia Times)
Quando Vladimir Putin visitou o muito pomposo novo palácio presidencial de Erdogan em Ankara, que custou $500 milhões, só achou uma coisa para dizer: “Estou muito impressionado”. O prof. Hasan Unal, saboreia o humor gelado, com prazer tão grande, ao recontar a história, quanto a certeza de que o comentário de Putin não teve qualquer efeito de ironia sobre Erdogan, conhecido pelo mau humor.
Professor Hasan Unal é renomado cientista social e especialista em relações internacionais da Turquia. Tive o prazer de passar uma longa tarde com ele, na Universidade Maltepe em Istanbul, onde o prof. Unal goza hoje de tempo para “só dar aulas”, depois de carreira acadêmica muito agitada em Ankara. Adiante, alguns dos principais pontos de nossa conversa:
Pode dizer o que pensa do caso Khashoggi?
Unal: “O governo turco jogou muito bem durante a primeira fase. Quando se entra na segunda fase, o que há são artigos muito perigosos na mídia turca, sugerindo que o governo turco teria agora excelente oportunidade para atacar o príncipe coroado saudita [Mohammed Bin Salman]. Essa segunda fase não interessa à Turquia. Quem vai decidir o futuro do príncipe coroado? Não será a Turquia, nem será a Rússia. Serão os EUA. Os EUA investiram muito, muito, nesse príncipe coroado. O que interessaria à Turquia encurralar os EUA?”
E quanto à explosiva nova equação no Mediterrâneo Oriental?
Unal: “Acho que a Turquia deve usar esse incidente em Istanbul para preservar o rei [saudita] e dizer “Rei Salman, veja bem, seu filho está implicado”. Mas se se ataca o filho do rei, como será possível preservar e cultivar o relacionamento? Turquia deveria ter tido “primeiro, vamos melhorar nosso relacionamento”. Também deveria ter dito “[a Turquia] precisa de seu apoio no caso do Egito.” Assim, basicamente, se teria uma situação de ganha-ganha. E eu venderia a história ao meu pessoal como grande vitória. A Turquia precisa do Egito no Mediterrâneo Oriental. O que esse o governo fez é muito perigoso: empurrou ambos, Israel e o Egito para as mãos dos gregos no Mediterrâneo Oriental. Praticamente criou uma aliança anti-Turquia. O que é tolo, como movimento do governo turco. Mas para chegar ao ponto desejado, Ankara teria, antes, de ter feito outra coisa: ‘Parem de pensar em Idlib’ [na Síria].”
Isso nos leva à questão da ideologia na política exterior. O que pensa disso?
Unal: “O príncipe coroado representa uma política ampla, para toda a região, de oposição à Fraternidade Muçulmana. É como uma matryoshka russa. Nunca se sabe quem pulará lá de dentro. A política exterior turca deve manter-se focada no interesse nacional. Eu diria que desde 2011 essa política movida à ideologia saiu dos trilhos, perdeu o rumo. E os eventos provaram que não terá potência para produzir o efeito desejado. É política que foi reconsiderada algumas vezes, mas deixou vestígios tóxicos – uma bagagem ideológica que parece estar envenenando a política exterior turca.”
E quanto à OTAN e o Mar Negro, de um ponto de vista turco?
Unal: “A OTAN está tentando impor-se no Mar Negro através de Romênia e Bulgária, não através da Turquia. E estão forçando a Geórgia a agir como um membro da OTAN. A Geórgia na OTAN, é impensável, seria, basicamente, como [iniciar] uma 3ª Guerra Mundial. Os norte-americanos querem que a Convenção de Montreux – que basicamente governa os estreitos – seja posta de lado [por esse acordo, de 1936, a Turquia controla os estreitos de Bósforo e Dardanelos* e legisla sobre o trânsito de embarcações de guerra].
“A Turquia jamais aceitaria isso. A política oficial turca para a Ucrânia é que apoiamos a integridade territorial da Ucrânia. Não se pode dizer nem mais nem menos. O que se disser a favor da Rússia pode ser usado contra você noutra negociação. Se se reconhece a Crimeia como parte da Rússia, o que se dirá sobre o conflito de Karabagh, entre Armênia e Azerbaijão?”
Pode falar um pouco sobre Turquia, Rússia, Chipre e Crimeia?
Unal: “No final, pode realmente chegar a um ponto no qual os russos reconhecem Chipre e nós reconhecemos a Crimeia como parte da Rússia. Basicamente, eu montaria uma base naval e aérea no norte de Chipre, para ser usada conjuntamente por Rússia e Turquia. Não esqueça, toda a geopolítica do Mediterrâneo Oriental mudou, desde o conflito na Síria. Tem de haver concessões. Quando os estados querem fazer algo, formulam uma política com pitadas de lei internacional, pitadas de argumentos históricos, de política, população, geografia e assim se monta um argumento. E se você não quer fazer alguma coisa, você reúne os mesmos ingredientes, em apoio ao oposto. A outra concessão importante é que os russos têm de tirar os armênios, dos territórios do Azerbaijão, que os armênios ainda ocupam” [Mapa].
E quanto a um ator silencioso, o presidente Nazarbayev, do Cazaquistão?
Unal: “Nazarbayev é líder muito sábio. Ele manobra toda essa influência sobre Putin e a Rússia, tanto quanto Putin e Rússia manobram a influência que têm sobre ele. Não esqueça que todos essas figuras trabalharam juntas. Nazarbayev foi oficial superior deles todos. Os cazaques, como se diz ao falar com eles, os cazaques dizem que, se a União Soviética tivesse continuado, Nazarbayev seria o líder soviético. Quando [o ex-presidente da Turquia Suleyman] Demirel visitou a União Soviética, ouviu falar muito sobre prisioneiros turcos no império soviético. Depois, visitou Moscou e viu os turcos comandando o show [além de] uzbeques, cazaques…”
Como o senhor vê o papel da Turquia na Iniciativa Cinturão e Estrada, da China?
Unal: “A única coisa boa que me deixa feliz é que pelo menos não fizemos qualquer política movida à ideologia, de oposição à Iniciativa dos chineses. O problema uigur sempre surge, quando se trata de relações Turquia-China. Não conhecemos a escala do que está acontecendo lá [em Xinjiang]. Parte da opinião pública turca aceitaria a ideia de campos de concentração para os uigures. Mas para o público em geral, não entendem o que se passa. Quando trabalhei na Universidade Gazi em Ankara, veio um grupo de acadêmicos, da Academia de Ciências Sociais da China, especialistas em Xinjiang. Vieram, enfrentaram os preconceitos, eram muito confiantes e seguros de si. Há negociações turco-chinesas em curso, sobre produção conjunta de mísseis. Construir estradas e ferrovias para trens de alta velocidade é coisa que o atual governo turco adoraria ver acontecer por aqui. Talvez entendam que já estão apoiando a Iniciativa [Cinturão e Estrada] dos chineses, mesmo sem que todos fiquem sabendo.”*******
* O Estreito de Kerch, que também esteve nas manchetes essa semana é outro dos estreitos cruciais dessa região, toda ela crucial. Nesse MAPA, além do traçado de gasodutos e oleodutos, veem-se os três estreitos: (1) Dardanelos (Turquia, na parte ‘inferior’ do mapa), pelo qual se chega do Mediterrâneo e Mar Egeu ao Mar de Mármara; (2) Bósforo (também na Turquia), na área verde do mapa, pelo qual se sai do Mar de Mármara e entra-se no Mar Negro; e (3) o estreito de Kerch [não assinalado], entre o Mar Negro e o Mar de Azov (na parte superior do mapa). O mapa ainda mostra a Crimeia como parte da Ucrânia [marrom claro]; não é: a Crimeia se reintegrou à Rússia [laranja], por plebiscito. Como se vê nesse mapa, os Estreitos de Dardanelos e Bósforo são turcos; e Kerch é perfeitamente russo [NTs].
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