“Talvez não seja o melhor momento para um expurgo no Kremlin, que tirasse de lá os representantes dos interesses do big business russo…” [Do artigo adiante]
Não dizemos que seja bom ou mau que eles digam, ou o que estão dizendo. Só dizemos que Lula também entendeu que tivesse de fazer essa aliança, motivo pelo qual fez a “Carta aos brasileiros”.
Se Lula e Putin tiveram de fazer essa aliança (ou creram que teriam de fazer) e foram depois reeleitos, não faz sentido – a não ser um reles sentido eleitoreiro pré-eleitoral tosco – ‘declarar’ que Ciro seria ‘traidor’, ‘porque’ diz a mesma coisa. E tudo isso até aqui, dito, data venia, com todo o respeito: para ver se melhoramos o nosso candidato, nossa candidatura, nosso programa e nosso argumento… (NTs)].
As semanas recentes assistiram a grande número de eventos realmente tectônicos, que tiveram lugar simultaneamente nos EUA, na Rússia, em Israel, na Síria, no Irã e na União Europeia (UE). Acho que também é razoável dizer que a maioria dos que se opunham ao Império Anglo-sionista experimentaram emoções que foram do leve desapontamento à mais total decepção. Com certeza não ouvi ninguém comemorando, e, se houve comemorações, foram minoritárias (pouco caracteristicamente, por exemplo, Mikhail Khazin). Essas reações são normais, todos criamos expectativas que podem ser frustradas adiante, como quase sempre acontece. Mesmo assim, ainda que as notícias sejam claramente más, sempre é bom manter em mente algumas coisas.
Primeiro, pessoas, países e eventos não são congelados no tempo. São processos, os quais, por definição estão sujeitos à mudança, evolução, e a mudanças (algumas radicais) de direção.
Segundo, cada processo carrega nele as sementes da própria contradição. É o que dá dinamismo aos processos.
Terceiro, pessoas são entidades imperfeitas. Até gente da melhor qualidade comete erros que levam a consequências trágicas. Mesmo assim seria erro classificar as pessoas como “herói infalível” ou “abjeto vilão e perdedor”. De fato, defendo a ideia de que qualquer erro, seja qual for, especialmente erro grave, carrega dentro dele sua própria contradição essencial a qual, por sua vez, acaba por ‘energizar’ o processo original criando um conjunto diferente de circunstâncias.
Tudo isso para dizer que o mundo real não é como Hollywood, quando o desfecho da trama está logo ali perto, uns 90 minutos depois do primeiro som. Todo o mundo real está em guerra contra o Império e, nessa guerra, como em qualquer guerra, há erros e perdas dos dois lados. Os dois lados cometem erros e os resultados desses erros afetam o curso futuro da guerra.
Minha hipótese é que, nas recentes poucas semanas, a Rússia passou não por um, mas por vários desastres de Relações Públicas. Parece-me também que os sionistas tiveram alguns tremendos sucessos de Relações Públicas. Adiante listarei uns e outros, mas quero deixar sugerido desde já que desastres e sucessos de Relações Públicas não são exatamente a mesma coisa que desastres e vitórias tangíveis, do mundo real. Além disso, desastres e sucessos de Relações Públicas podem às vezes ser bem úteis, porque revelam ao mundo fraquezas que mal se perceberam ou que foram subestimadas. Por fim, desastres e sucessos de Relações Públicas, por mais que existam quase exclusivamente no reino das percepções, podem ter efeito, às vezes dramático, no mundo real.
O coro usual de odiadores-de-Putin que imediatamente declararam vitória final está completamente errado, e a reação deles é reflexo de um modo infantiloide de interpretar o complexo mundo em que vivemos. No mundo real, alguém como Putin pode cometer erros e comete erros (de Relações Públicas e erros do mundo real) e o inimigo pode servir-se deles para contra-ataques muito efetivos. Mas nenhuma guerra decide-se numa única batalha. Além do que, na política como nas guerras-padrão, erros e sucessos táticos absolutamente não implicam sucessos operacionais nem, ainda menos, sucessos estratégicos.
Durante a 2ª Guerra Mundial, os militares alemães de modo geral tiveram melhor desempenho que os soviéticos, no nível tático, mas os soviéticos foram superiores nos níveis operacionais e estratégicos. Todos sabemos como aquela guerra acabou. Quem queira ler uma boa análise e golpe mortal contra as tolices de “Putin afundou”, recomendo o artigo “Rússia Betrayed Síria“: Geopolitics through the eyes of a fearful ‘pro-Rússia’ Westerner” [“A Rússia traiu a Síria”: geopolítica pelos olhos de um ocidental medroso pró-Rússia”], de Ollie Richardson.
O outro extremo é negar, contra todas as evidências, que há algum problema ou que tais ou tais erros foram, sim, cometidos. Esse tipo de sacudir bandeira obsessivo não ajuda, porque erros são inevitáveis, e o primeiro passo na direção de mitigá-los é reconhecê-los. A versão extrema de pseudo patriotismo de agitar bandeirão é acusar de traidor e derrotista alguém que tenha causado problemas.
Com tudo isso em mente, gostaria de repassar o que aconteceu e tentar aferir quais possam ser as consequências, no mundo real, daqueles eventos de Relações Públicas.
1ª parte: Putin nos frustrou
Resumo rápido: Putin renomeou Medvedev, nomeou Alexei Kudrin para o Cargo de Presidente da Câmara de Auditoria de Gastos Públicos da Rússia, e Vitalii Mutko para vice-primeiro-ministro encarregado das Construções, e na sequência recebeu Bibi Netanyahu no Kremlin, exatamente quando Bibi havia bombardeado e enquanto novamente estava bombardeando a Síria (durante a visita!). Por fim, o malfadado vai-e-vem sobre os S-300s para a Síria: primeiro, sim, vamos entregar, logo depois não, não vamos entregar. Todos esses eventos podem e devem ser cuidadosamente analisados e explicados, mas acho que não faz sentido algum negar que muita gente sentiu profunda frustração, decepção aguda, quanto a tudo isso (exceto, claro, os gênios que dirão que sempre souberam que Putin é “fake“, mas esses são os tipos do “pensamento hollywoodiano” que nem se dão ao trabalho de ler análise alguma, seja qualquer dos lados, ou a favor).
Minha hipótese é que nem mesmo os que entendam que nada aconteceu de tão terrível negarão, se forem honestos, que Putin com certeza sabia que suas decisões seriam impopulares aos olhos do povo russo; e que – atitude absolutamente rara nele – deliberadamente optou por não considerar a opinião pública e dar maior peso a outras considerações. É algo novo e, me parece, importante.
Há, em termos gerais, dois campos que disputam o poder dentro do Kremlin: os Atlanticistas Integracionistas e os Soberanistas Eurasianos, como os chamo.
O primeiro grupo é completamente fruto dos anos 1990s. Podemos vê-los como “liberais” do tipo FMI/Consenso de Washington/OMC/WB (?); gente que chegou ao poder na Rússia graças ao regime dos oligarcas que comandou o país de mais ou menos 1990 até 2000, ao mesmo tempo profundamente pró-EUA e com laços muito íntimos com organizações sionistas no ocidente.
O segundo grupo é antes de tudo produto das Forças Armadas e dos serviços de segurança. A “ponte” entre os dois grupos é, por falar disso, o complexo militar-industrial russo no qual há representantes dos dois grupos.
Não surpreendentemente, a maioria das ‘elites’ russas (assim considerados todos que tenham enriquecido ou, no mínimo, melhorado muito de vida nos anos 1990s e imediatamente seguintes) apoiam os Atlanticistas Integracionistas, enquanto o povo russo “comum” apoia com larga maioria os Soberanistas Eurasianos. Por isso Putin é tão popular e Medvedev jamais foi popular. Mas o que realmente interessa é analisar os dois grupos pela relação que tenham com Israel e o sionismo.
Atlanticistas Integracionistas: Não surpreendentemente, são pró-Israel até o âmago. Para eles, Israel seria país perfeitamente normal e regular, merecedor até de admiração, uma vez que todos eles têm laços pessoais/familiares ou de negócios com israelenses em Israel e nos EUA. Embora não haja versão russa do American Israel Public Affairs Committee, AIPAC, pode-se dizer que a Liga Antidifamação [de judeus, ing. ADL] daria aos Atlanticistas Integracionistas nota 10 cum laudae por lealdade e bons serviços.
Soberanistas Eurasianos: aqui, as coisas são muito mais complicadas. Alguns Soberanistas Eurasianos são aplicadamente antissionistas ideológicos, outros de fato não dão importância alguma nem ao sionismo nem ao antissionismo. Mas mesmo entre os que não alimentam nenhum amor por Israel, ou que se opõem à influência sionista na Rússia nos anos 1990s e mesmo hoje (especialmente na ‘mídia’ russa), ninguém considera necessariamente útil falar muito sobre o assunto. Por quê? Em primeiro lugar, porque entendem, e eu diria que corretamente, que ser pró-Rússia (no sentido do patriotismo, de querer uma Rússia efetivamente soberana) não precisa implicar qualquer antissionismo nem ser anti-Israel ou antijudeus.
Além do mais, sempre houve judeus russos patriotas, que são parte integral da cultura e da história da Rússia. Como escrevo frequentemente, para os russos muçulmanos não são ‘alienígenas’, como tantos ocidentais os veem; pois para os russos os judeus tampouco são ‘alienígenas’. Por isso você encontrará frequentemente certo tipo de russo: eles falam muito mal de “judeus políticos e escroques”, e muito bem de seus “bons amigos judeus”, muito íntimos, muitas vezes os melhores amigos em incontáveis famílias russas. Não é cegueira. É clara expressão do fato de que amaldiçoar uma ideologia (nesse caso, o sionismo) nada tem a ver com cultivar alguma hostilidade coletiva preconceituosa contra um grupo de pessoas que não se conhece e que nada têm as ver com nossos amigos. Nunca me cansarei de repetir: a Rússia é, sempre foi e continua a ser sociedade multiétnica e multirreligiosa, na qual a convivência com o “outro diferente” é simples fato da vida.
E há o fator 2ª Guerra Mundial, que sionistas israelenses e russos são adestradíssimos para explorar ao máximo: russos e judeus têm lembranças comuns dos horrores que os nazistas infligiram aos dois grupos, e muito frequentemente sentem que ocidentais europeus e norte-americanos são, ok, se não o são muito sinceramente, são obrigados, pelo menos, a fingir alguma simpatia diante do sofrimento do próximo russo ou judeu históricos, se por mais não for, pela exigência do ‘politicamente correto’. Resultado disso, todos logo verão que a maior parte dos russos antissionistas, embora não sejam irmãos de reza da Liga Antidifamação dos Judeus, odeiam, tanto quanto os judeus odeiam, os nazistas e tudo que o racismo ocidental significa. Na verdade, quanto confrontados com a moderna onda de russofobia doentia no ocidente, muitos russos dizem que “os russos somos os neojudeus”, no sentido de que todo o mal do mundo é culpa deles, mesmo que sem prova algumas, contra todas as provas e também contra a lógica. Goste o mundo, ou não goste, essa memória comum une russos e judeus de modo muito profundo.
Posso antecipar a fúria e o desagrado que minhas palavras dispararão nos odiadores ocidentais de judeus, para quem o mundo separa-se em dois grupos: odiadores de judeus (‘do bem’) e os ‘que se venderam ao dinheiro dos judeus’ (como se essa entidade “os judeus” tivesse vida própria, feito uma mônada). O que posso dizer a esses é que não projetem sobre outros a sua própria visão reducionista do mundo, especialmente não sobre a Rússia. Se o fizerem, jamais entenderão a Rússia e lá ficarão, prisioneiros do nonsense proverbial, como diante de “uma charada, envolta em mistério, dentro de um enigma”.
2ª parte: O Império revida
Os últimos poucos anos foram terríveis para os sionistas nos EUA e em todo o mundo. Primeiro, foi a derrota esmagadora da candidata deles nos EUA e a eleição de outro presidente que os sionistas odiavam furiosamente. Depois, foi a intervenção militar russa na Síria, que impediu os sionistas de derrubarem o último regime da “resistência” secular no mundo árabe. Na Rússia, os Atlanticistas Integracionistas ‘deles’ estavam lenta mas ininterruptamente perdendo poder e, feitas as contas reais, as tais sanções ocidentais acabaram revelando-se verdadeira bênção para a Rússia. A popularidade de Putin chegava a alturas jamais vistas, e a ‘casa sionista’ global estava em chamas. Nos EUA, os sionistas contra-atacaram rápidos como raio e com efetividade devastadora,
destruindo Trump em pouco mais de 30 dias (como se viu quando Trump traiu Flynn e depois, Bannon). Depois disso,
acalmar o AIPAC passou a ser o único trabalho de Trump, em tempo integral.
Mas isso gerou outro problema: se os EUA foram rapidamente repostos sob controle, a Rússia, naquele período, conseguira desenvolver as capacidades necessárias para detonar todo o sistema norte-americano de mísseis antimísseis; para tornar obsoleta grande parte da frota marítima de superfície dos EUA e para comprometer muito gravemente a capacidade de poder aéreo dos EUA para operar no espaço aéreo contestado pelas modernas defesas aéreas russas. Em outras palavras, em termos puramente militares, era “fim de jogo; esse a Rússia venceu “.
[BARRA LATERAL: para os que se sintam chocados com a frase acima e queiram descartá-la como “propaganda russa”, lembro que todo o poder militar dos EUA depende:
1. da capacidade para pôr um grupo de ataque com porta-aviões em qualquer lugar do planeta;
2. da capacidade para proteger aquele grupo de ataque com porta-aviões contra qualquer tipo de grande contra-ataque;
3. da capacidade para atacar qualquer país do mundo com número suficiente de mísseis para quebrar a vontade de continuar a lutar;
4. de os EUA terem controle completo e total dos céus (supremacia aérea). As forças dos EUA simplesmente não treinam para cenário de combate no qual não tenham total controle dos céus e, ainda muito menos, para cenário no qual o inimigo tenha a supremacia aérea.
5. da firme crença de que nenhum inimigo jamais se atreverá a atacar qualquer das grandes bases dos EUA pelo mundo.
6. da crença total, quase religiosa, de que a tecnologia militar dos EUA é superior: e
7. da certeza absoluta de que o território norte-americano dos EUA jamais será atacado por qualquer tipo de contra-ataque.
Nenhuma dessas crenças básicas indispensáveis mantém hoje qualquer contato com a realidade. De fato, a realidade hoje é o contrário de cada uma e de todas as crenças acima listadas. Essa é a causa pela qual, em confronto com inimigo igual ou quase igual, as forças armadas dos EUA são hoje mais ou menos totalmente imprestáveis. Únicas exceções dignas de registro são a tríade nuclear e a frota de submarinos dos EUA. A atual situação na Síria (e por implicação, no Irã e na Rússia) está afinal obrigando os comandantes militares e políticos norte-americanos a encararem essa nova realidade.
Por essa razão a Rússia, embora com apenas um contingente mínimo, conseguiu inverter a maré da guerra na Síria e até mesmo, hoje, já impôs aos anglo-sionistas um desafio frustrante: um contingente (comparativamente) mínimo de forças russas destruiu os planos do Império para todo o Oriente Médio: não apenas há hoje chance real de paz na Síria, como, além disso, a situação está muito longe de ter posto Takfiris e xiitas a se matarem uns os outros na Síria e no Líbano (parte crucialmente importante do plano de Israel para a região). O Hezbollah, o Irã e os sírios estão hoje nua coalizão vitoriosa em campo, ao tempo em que as forças do “Eixo da Gentileza” estão completamente derrotadas.
Então, os israelenses conceberam um plano simples, muito efetivo e muito perigoso de contraofensiva: 1) iniciar uma guerra entre EUA e Irã, criando crise aguda como resultado de os EUA fugirem do dever de cumprir obrigações legais; e 2) atrair o Irã para a armadilha de um contra-ataque em resposta às operações aéreas de Israel contra forças iranianas e pró-iranianas na Síria. Mas para que esse plano funcionasse, a Rússia teria de manter-se distante.
Pelo menos até agora, parece que os israelenses convenceram os russos a permanecerem afastados. Mas… será que essa impressão tem real fundamento?
3ª parte: Fatores que inibem a Rússia
Primeiro e mais importante, como
já expliquei detalhadamente várias vezes, a Rússia absolutamente não tem qualquer obrigação legal ou moral de apoiar, proteger, armar, treinar ou ajudar seja como for, qualquer país, entidade ou grupo no Oriente Médio. Não tem. A Rússia já fez mais pela Síria que todo o mundo árabe/muçulmano somado, com as honrosas exceções de Irã e Hezbollah. Quanto ao mundo árabe/muçulmano, jamais fez coisa alguma pela Rússia e continua a não fazer até hoje. Quem diga que a Rússia não está fazendo ou não fez o suficiente simplesmente não sabe do que fala e não tem como confirmar o que diz.
Segundo, as forças aéreas e de defesa aérea da Rússia na Síria só tiveram uma missão: proteger a força-tarefa russa que combatia na Síria. Quem se tenha metido na cabeça que a Rússia teria obrigação de derrubar aviões ou mísseis israelenses sobre a Síria não prestou atenção às declarações dos russos sobre o assunto. É simplesmente ridícula a noção de que a força-tarefa russa na Síria lá estaria para dar combate a forças de EUA/OTAN/CENTCOM.
Terceiro, e ao contrário de erro que se ouve repetidas vezes, o Hezbollah e o Irã têm agendas diferentes no Oriente Médio. Sim, são aliados
de-facto. Também acontece de terem os mesmos inimigos, de frequentemente lutarem lado a lado, mas todos consideram, acima de tudo, os seus próprios interesses. Na verdade, pelo menos no caso de Irã e Rússia, há sinais claros de que há vários ‘campos’ dentro dos governos de Rússia e Irã e nas respectivas elites governantes, os quais têm diferentes agendas (recomendo fortemente os artigos recentes de Thierry Meyssan sobre esse ponto,
aqui e
aqui). É absoluta ingenuidade supor ou esperar que qualquer desses grupos ou elites algum dia pôr-se-ia a defender ‘automaticamente’ qualquer dos outros, especialmente quando o estado agressor (Israel) aparece apoiado no poder total de um Império que já é belicoso em situação normal, e muito mais belicoso se torna quando em situação de confusão e desespero.
Quarto, a triste realidade é que a Rússia, diferente do Irã, jamais tomou posição declarada e por princípio sobre a natureza e os atos do estado de Israel. Lastimo muitíssimo que assim seja, e é situação que me parece vergonhosa, mas devo dizer que a mesma vergonha que cobre a Rússia, nesse caso, cobre todos os países desse planeta, exceto o Irã, a Bolívia e talvez,
em alguma medida, a Turquia. Sem intenção de justificar, apenas para explicar, os russos sabem muito pouco sobre a verdadeira natureza e as ações de Israel, e praticamente tudo que lhes chega pela mídia é escandalosamente pró-Israel (daí a insistente presença, na TV russa, de gente como Iakov Kedmi, Avigdor Eskin, Evgenii Satanovskii e outros agentes pagos de Israel – posição que eles nem se dão o trabalho de negar). A mídia russa, especialmente as redes de TV, facilmente conseguiriam nota 10
cum laudae da Liga Antidefamação. Dito de forma simples: a vasta maioria dos russos pouco sabem do massacre de palestinos ou dos repetidos ataques israelenses contra países vizinhos; e entendem que nada disso seria problema russo.
[BARRA LATERAL: Esse tipo de visão pode parecer muito autocentrado, até que se pense no tipo de ‘gratidão’ que a Rússia recebeu no passado, em outras intervenções. Há países por aí que só existem porque a Rússia decidiu que devem existir; e que hoje são membros da OTAN. Nem falo da tolice que é a “fraternidade eslava” ou, por que não, a “fraternidade dos cristãos ortodoxos”. O único povo com o qual a Rússia tem laços realmente fortes são os sérvios. O resto, uns mais outros menos, todos gostariam de apunhalar a Rússia pelas costas o mais rapidamente possível. Essa história ensinou à Rússia uma lição dolorosa: desistir de qualquer noção ingênua de gratidão ou irmandade. É triste, mas é verdade. Hoje, até países como Cazaquistão, Armênia ou Geórgia mostram atitude muito ambivalente em relação à Rússia. Resulta disso que a ideia de que a Rússia deveria algum tipo de proteção a todos por aí praticamente não tem apoio algum na Rússia.]
Quinto, até os analistas e empresas de mídia comercial dos Soberanistas Eurasianos cultivam uma espécie de estranhíssimo ‘ponto cego’ que protege Israel e a ideologia sionista: penso em analista que sinceramente admiro e respeito (como Sergei Mikheev ou Ruslan Ostashko) e que produzem análises soberbas sobre praticamente qualquer tema, e que simplesmente jamais fazem qualquer referência ao poder e à influência do que é um claríssimo lobbypró-Israel dentro da Rússia, especialmente no jornalismo russo (mesmo que vez ou outra façam referência ao lobby pró-Israel nos EUA). Considerando o quanto é diferente o tom nas mídias sociais russas, a única explicação que encontro é que qualquer declaração pública anti-israelenses ou antissionistas na Rússia é espécie de suicídio de carreira (e o mesmo fenômeno opera nas redes RT e Sputnik). Podem todos desistir de esperar que alguma figura religiosa russa assuma a palavra, e isso vale para Ortodoxos e Muçulmanos: todos recebem ordens do Kremlin e não têm opinião própria sobre coisa alguma (falo dos líderes religiosos superiores “oficiais” – os baixos escalões têm comportamento diferente disso).
Sexto, há muita gente na Rússia que compreende perfeitamente duas coisas bem simples: primeira, que qualquer guerra entre o Irã e o Império seria desastrosa para o Império (e portanto boa oportunidade para a Rússia); e, segunda, que os iranianos também são aliados “problemáticos”, no melhor dos mundos, que têm lá sua própria versão local de “Atlanticistas Integracionistas/Entreguistas” (lembram-se da “
Revolução Gucci“?) e de “Soberanistas”, o que significa que tensões, ou guerra, entre Irã e EUA muito beneficiaria o campo anti-EUA dentro do Irã (tanto quanto a russofobia doentia de políticos ocidentais foram mais eficazes para reeleger Putin que qualquer das manobras retóricas da campanha eleitoral na Rússia).
Dito sem meias palavras: se os israelenses forem suficientemente doidos a ponto de atacar o Irã, e se os norte-americanos forem suficientemente subalternos a Israel a ponto de entrarem na briga – por que a Rússia teria de assumir tão grandes riscos para se pôr ostensivamente no meio do caminho? Afinal, qualquer conflito com o Irã (que muito provavelmente também envolverá a Arábia Saudita) mandará os preços do petróleo para a estratosfera. Que mal faria esse aumento, à economia russa?!
Sétimo, a guerra que Israel faz hoje contra o Irã e contra forças pró-Irã na Síria é guerra inteiramente simbólica. Mesmo o Pantsir recentemente destruído pelos israelenses (evento que veio acompanhado da correspondente campanha de notícias pró-Israel) não aconteceu em estado de prontidão: a unidade não estava sequer camuflada, e a tripulação fumava e esticava as pernas em torno dela. Os israelenses são mestres em fazer crer que um evento desse tipo seria coisa heroica impressionantíssima. Mas em termos militares tudo que disseram é bobagem: é perfeitamente claro que Israel acertou uma unidade que não era parte da ação (fosse qual fosse a tal “ação”).
A regra básica de todas as guerras mantém-se ainda hoje: a menos que você consiga pôr coturnos em solo, seus esforços, faça você o que for, jamais terão efeito militar decisivo. E graças a Deus por ninguém, naquele “Eixo da Gentileza”, ter em solo forças que devamos levar a sério; nem os israelenses (lembram-se de 2006?); nem os sauditas (basta ver o Iêmen); nem, com certeza absoluta, tampouco os EUA (quando foi a última vez que os EUA derrotaram alguém capaz de resistir?). Aí está a razão pela qual o Império Anglossionista sempre tenta usar ‘agentes locais’ que aceitem lutar ‘por procuração’, em nome dos EUA, como os curdos ou os “terroristas do bem”. Assim os especialistas militares russos compreendem perfeitamente que mesmo se os israelenses bombearem a Síria ainda por vários meses futuros, nunca conseguirão mudar a correlação fundamental de forças em solo. Daí se pode concluir, com certeza, que os ataques israelenses têm a ver, principalmente, com propaganda e ‘Relações Públicas’.
Assim sendo, por todas essas razões, dentre muitas outras, todos temos de aceitar a ideia de que a Rússia é o que eu chamaria de “ator limitado” no Oriente Médio.
É o que digo, sem parar, desde o primeiro dia – quando havia gente que já via divisões russas embarcadas (apoiadas por MiG-31s!) pousando e desembarcando perto de Damasco –, que “os russos não estão chegando” (
ver aqui,
aqui,
aqui,
aqui e
aqui)
. Além do mais, tentei explicar que os russos não têm qualquer obrigação de proteger ou salvar seja quem for e onde for, inclusive no Oriente Médio (ver
aqui). Depois tentei explicar que o relacionamento entre Rússia e Israel é multifacetado, de vários estratos e muito complexo (ver
aqui); e que Putin tem pela frente oposição interna tremenda, com a qual ele ainda não conseguiu estabelecer relações bem-sucedidas (
aqui). Mas tentar descrever realidades complexas é quase sempre perfeitamente inútil, num mundo no qual a regra são as representações binárias simplórias, ou preto ou branco, e onde argumentos complexos são invariavelmente convertidos em longa lista de ‘interpretações-espantalho’. É ainda o caso, nesses desenvolvimentos recentes.
Erram os que dizem que “Putin cedeu”, mas também erram os que achem que “os russos estão chegando” para salvar tudo e todos. Simplesmente não vai acontecer. A Rússia não fará uma guerra contra Israel (a menos que a própria Rússia seja atacada antes), e a Rússia só apoiará operações e políticas iranianas até o ponto em que os iranianos negociem um acordo com os russos e coordenem seus esforços com a Rússia. No instante em que Irã, ou Hezbollah, fizerem algum movimento sem consultar Moscou, estarão por sua própria conta e risco, para negociar com as consequências do que fizerem.
4ª parte: a Rússia está cedendo a pressões ocidentais e israelenses?
Deixando de lado a questão do papel da Rússia no Oriente Médio, mesmo assim persiste a questão de por que Putin reeleito ainda não fez o que o povo russo lhe deu mandato para fazer e espera que ele faça, a saber, livrar-se de, no mínimo, os personagens mais odiados do governo russo.
Muita gente no ocidente sabe o quanto Kudrin é venenoso, mas a promoção de Mutko também é surpreendente. É o homem que se tem de culpar pelo gerenciamento fracassado de toda a operação “escândalo do doping dos atletas russos”, homem absolutamente desprezado pela incompetência. Agora, está encarregado do ministério das Construções. Já há até uma piada sobre isso: Putin pôs Mutko no comando da indústria da construção, porque o mercado da construção na Rússia está muito precisado de doping. Engraçado, sim, mas nem tanto. Quando vejo Rogozin demitido por “mau gerenciamento” (e talvez por isso, foi nomeado para o ministério da indústria espacial e de foguetes da Rússia?!), e Mutko promovido, pergunto-me se terão todos enlouquecido, no Kremlin.
Podemos perguntar ad nauseam por que exatamente tudo isso aconteceu, mas, antes, temos de reconhecer o fato mais simples: Putin não teve força para expurgar os Atlanticistas Integracionistas (Entreguistas). O que todos esperávamos de Putin, agora com forte mandato pessoal, diretamente obtido do povo, era que finalmente demitisse do Kremlin toda aquela gangue. Não aconteceu. Há algumas explicações interessantes, como:
– Objetivamente, o governo de Medvedev fez trabalho decente, pode-se dizer até que fez bom trabalho, na economia. Sim, alguns/muitos entendem que houve erros, que poderia escolher melhores políticas econômicas que já eram acessíveis, sim, mas ninguém pode dizer que o governo fracassou completamente. De fato, há alguns argumentos fortes, a favor do governo Medvedev (por ex., esses arquivos e respectivas traduções automáticas,
aqui e
aqui).
Assim sendo, por todas essas razões, dentre muitas outras, todos temos de aceitar a ideia de que a Rússia é o que eu chamaria de “ator limitado” no Oriente Médio.
É o que digo, sem parar, desde o primeiro dia – quando havia gente que já via divisões russas embarcadas (apoiadas por MiG-31s!) pousando e desembarcando perto de Damasco –, que “os russos não estão chegando” (
ver aqui,
aqui,
aqui,
aqui e
aqui). Além do mais, tentei explicar que os russos não têm qualquer obrigação de proteger ou salvar seja quem for e onde for, inclusive no Oriente Médio (ver
aqui). Depois tentei explicar que o relacionamento entre Rússia e Israel é multifacetado, de vários estratos e muito complexo (ver
aqui); e que Putin tem pela frente oposição interna tremenda, com a qual ele ainda não conseguiu estabelecer relações bem-sucedidas (
aqui). Mas tentar descrever realidades complexas é quase sempre perfeitamente inútil, num mundo no qual a regra são as representações binárias simplórias, ou preto ou branco, e onde argumentos complexos são invariavelmente convertidos em longa lista de ‘interpretações-espantalho’. É ainda o caso, nesses desenvolvimentos recentes.
Erram os que dizem que “Putin cedeu”, mas também erram os que achem que “os russos estão chegando” para salvar tudo e todos. Simplesmente não vai acontecer. A Rússia não fará uma guerra contra Israel (a menos que a própria Rússia seja atacada antes), e a Rússia só apoiará operações e políticas iranianas até o ponto em que os iranianos negociem um acordo com os russos e coordenem seus esforços com a Rússia. No instante em que Irã, ou Hezbollah, fizerem algum movimento sem consultar Moscou, estarão por sua própria conta e risco, para negociar com as consequências do que fizerem.
4ª parte: a Rússia está cedendo a pressões ocidentais e israelenses?
Deixando de lado a questão do papel da Rússia no Oriente Médio, mesmo assim persiste a questão de por que Putin reeleito ainda não fez o que o povo russo lhe deu mandato para fazer e espera que ele faça, a saber, livrar-se de, no mínimo, os personagens mais odiados do governo russo.
Muita gente no ocidente sabe o quanto Kudrin é venenoso, mas a promoção de Mutko também é surpreendente. É o homem que se tem de culpar pelo gerenciamento fracassado de toda a operação “escândalo do doping dos atletas russos”, homem absolutamente desprezado pela incompetência. Agora, está encarregado do ministério das Construções. Já há até uma piada sobre isso: Putin pôs Mutko no comando da indústria da construção, porque o mercado da construção na Rússia está muito precisado de doping. Engraçado, sim, mas nem tanto. Quando vejo Rogozin demitido por “mau gerenciamento” (e talvez por isso, foi nomeado para o ministério da indústria espacial e de foguetes da Rússia?!), e Mutko promovido, pergunto-me se terão todos enlouquecido, no Kremlin.
Podemos perguntar ad nauseam por que exatamente tudo isso aconteceu, mas, antes, temos de reconhecer o fato mais simples: Putin não teve força para expurgar os Atlanticistas Integracionistas (Entreguistas). O que todos esperávamos de Putin, agora com forte mandato pessoal, diretamente obtido do povo, era que finalmente demitisse do Kremlin toda aquela gangue. Não aconteceu. Há algumas explicações interessantes, como:
– Objetivamente, o governo de Medvedev fez trabalho decente, pode-se dizer até que fez bom trabalho, na economia. Sim, alguns/muitos entendem que houve erros, que poderia escolher melhores políticas econômicas que já eram acessíveis, sim, mas ninguém pode dizer que o governo fracassou completamente. De fato, há alguns argumentos fortes, a favor do governo Medvedev (por ex., esses arquivos e respectivas traduções automáticas,
aqui e
aqui).
O programa de crescimento econômico nacional de Putin é ambicioso e precisa do apoio dos interesses representados pelos Atlanticistas Integracionistas (Entreguistas). De fato, o desenvolvimento interno e o crescimento econômico nacional são o coração do plano político muito ambicioso que Putin concebeu. Talvez não seja o melhor momento para um expurgo no Kremlin, que tirasse de lá os representantes dos interesses dobig business russo.
O “clã” Medvedev foi enfraquecido (
aqui, detalhes) e está agora sob rédea “tecnocrática” muito mais curta, e é muito menos perigoso. De fato, foi posto sob as vistas de Putin e seus aliados. E, ao que tudo indica Lavrov e Shoigu permanecem.
O comportamento tresloucado de Trump está afastando gravemente os europeus, aos quais Putin está agora apresentando parceiros comerciais nos quais possam confiar (imaginem Merkel e Rogozin na mesma sala – não acabaria bem!). Vejam esse excelente artigo de
Frank Sellers no The Duran onde se examina o enorme potencial de cooperação entre União Europeia e Rússia.
Sim, mas… Pessoalmente, não me convenceu. Como pode Putin dizer que quer reformas sérias e, ao mesmo tempo, manter lá no comando o mesmo tipo de gente? Se o governo Medvedev fez mesmo tão bom trabalho, quais são as tantas reformas tão indispensáveis, que não foram feitas até agora? Se Putin tem base real popular, como acredito que tenha, nesse caso por que tanto se preocupa em manter boa convivência com as elites financeiras, sempre atento aos interesses e à agenda delas? Mais importante: como a Rússia pode autolibertar-se do jugo financeiro e econômico do Império, se os agentes da 5ª coluna do Império são (re)nomeados para posições chaves? E será que em toda a Rússia não há gente melhor que Mutko ou Kudrin para aquelas posições?
Claro, sempre há o tal “Putin sabe de coisas de que você não sabe”, mas sempre tenho um problema com esse tipo de lógica que, essencialmente, serve como ‘alvará’ para que se admita qualquer coisa. Espero estar errado, mas tudo isso sugere que, como vejo as coisas, Putin está em retirada, que cometeu erro grave e que o Império obteve importante vitória. Ainda não ouvi explicação alguma e, com licença, posso apresentar a minha.
Sim, com seus repetidos ataques à Síria, Netanyahu, sim, deu bom puxão de orelhas em Putin; e, sim, ver Putin recebendo, sorrindo e jantando com Netanyahu foi cena difícil de engolir e completo desastre de Relações Públicas.
Mas, no que realmente interessa, Israel conseguiu levar a Rússia a “trair o Irã”? Não. E não porque os russos sejam heróis fieis até a morte aos próprios princípios, mas porque Israel não tem, na verdade, coisa alguma a oferecer à Rússia. Israel tem um poderoso lobby pró-Israel dentro da Rússia, é verdade. Mas quanto mais usam esse lobby mais ele aparece à vista de todos, e mais perguntas os Eurasianos Soberanistas farão.
Claro que os israelenses não querem deixar-ver que governam a Rússia tanto quanto governam os EUA, e a recepção que Putin ofereceu a Netanyahu no Kremlin recentemente sem dúvida fez subir várias sobrancelhas; e a impressão de que Putin tenha cedido às demandas desse bastardo arrogante não ajudam Putin, para dizer o mínimo. Muitos analistas russos (Viktor Baranets, Maksim Shevchenko, Leonid Ivashov) elaboram sobre o tipo de argumentos que Netanyahu pode ter usado com Putin, e a lista de possibilidade é realmente bem feia.
5ª parte (e mais truísmos): Há diferença importante entre excelente, bom, médio, mau e terrível
Ainda que a situação na Rússia tenha mudado para pior, nem por isso é o caso de voltar à velha histeria de “Putin rendeu-se” ou declarar que “a Rússia cedeu”. Mesmo que as coisas estejam ruins, sempre haverá diferença entre ruim e pior. No momento, Putin não é apenas o melhor nome possível para a presidência da Rússia: a Rússia também continua a ser o líder objetivo da resistência ao Império. Mais uma vez o modo de pensar ‘ou branco ou preto’ “à Hollywood” passa sem ver a natureza muito dinâmica do que está em andamento.
Por exemplo, é bem claro para mim que aos poucos vai-se formando um novo tipo de oposição russa. Sim, sempre houve oposição, sim – mas estou falando de gente que apoiava Putin e a política externa da Rússia e não gostava nem de Medvedev nem das políticas internas da Rússia. Agora, a voz dos que dizem que Putin é suave demais nas suas posições em relação ao Império só se fortalecerá. Assim também as vozes do que fala de grau realmente tóxico de nepotismo e apadrinhamento no Kremlin (mais uma vez, Mutko é o exemplo perfeito). Quando essas acusações surgiram, vindas de liberais furiosamente pró-ocidente, tiveram pouco eco. Mas se vêm de políticos patriotas e nacionalistas (Nikolai Starikov, por exemplo), começam a ganhar dimensão diferente. Por exemplo, quando Zhirinovskii, bobo da corte, e seu Partido Liberal Democrata da Rússia apoiavam Medvedev fervorosamente, o Partido Comunista e o Partido “Só Rússia” não apoiavam. Enquanto a tensão política em torno de figuras como Kudrin e Medvedev não encontrar algum tipo de resolução (talvez um bem oportuno grande escândalo?), é possível que se assista ao crescimento de um verdadeiro movimento de oposição na Rússia – e oposição que não será comandada pelo Império. Será interessante ver se os índices de aprovação pessoal de Putin começarão a cair, e o que ele tenha de fazer para reagir contra a emergência dessa oposição afinal real.
Muita coisa depende do desempenho da economia russa. Se, por cortesia das políticas megalomaníacas de Trump para o Irã e a União Europeia, a economia russa receber injeção massiva de fundo (graças aos altos preços da energia), é provável que as coisas se estabilizem. Mas se os líderes europeus cederem covardemente e unirem-se nas sanções contra o Irã, e se os EUA conseguirem impor ainda mais sanções contra a Rússia, nesse caso o governo Medvedev encarará grave crise, e o renascimento da economia russa que Putin prometeu terminará em embaraçoso fracasso; nesse caso as coisas podem também evoluir de ruim para ainda pior.
Por enquanto, nossos sempre valentes europeus estão ocupados entregando o mais recente prêmio “Eurovision” a uma israelense (os prêmios Eurovision sempre são concedidos a países que os líderes europeus querem promover). Enquanto isso, os mesmos israelenses assassinam 55 palestinos (e ameaçam assassinar muitos mais), “em comemoração” à nova embaixada dos EUA em Jerusalém.
Digamos apenas que não tenho muitas esperanças de que, no curto prazo, brotem espinha dorsal e colhões e cérebro ou, pelo menos, alguma fibra moral, nos líderes europeus. Mas é possível que a ganância os inspire a rejeitar algumas das mais ultrajantes exigências dos EUA? Possível, é. Esperemos que sim. Afinal, a supina subserviência dos europeus aos EUA já custou bilhões de dólares à União Europeia …
6ª parte: Enfrentar o fiasco dos S-300s
Todo o negócio de vender os S-300s à Síria foi confusão feia, mas, mais uma vez, muito mais no campo das Relações Públicas, do que na vida real. O repetido “vamos entregar, não vamos entregar, vamos, não vamos” dá impressão terrível. Explicações para esse ziguezague só pioram as coisas. Examinemos o que dizem os que não desaprovam o ziguezague. Seus argumentos são mais ou menos os seguintes.
(1) Os S-300s poriam em risco a Força Aérea Israelense, não só sobre a Síria, mas também sobre o Líbano e até sobre Israel. É demais, dado que a Rússia não entrou na Síria para fazer guerra contra Israel. Por isso, em primeiro lugar, toda a ideia de entregar S-300s à Síria sempre foi má ideia.
(2) A Síria não precisa, de fato, dos S-300s. Lavrov e outros falaram dos S-300s como uma ameaça (porque os israelenses realmente têm medo dessas armas), mas na verdade a Síria precisa, isso sim, de Buk-M2Es (aqui se lê tradução automática (ing.) do russo).
(3) Os russos fizeram um acordo com Israel e, em troca de não entregar os S-300s (análise em russo
aqui e
tradução automática (ing.) aqui) obtiveram retorno bem tangível: Israel parará de apoiar os “terroristas do bem” na Síria, com o que ficará muito mais fácil para Damasco acabar com eles.
Não gosto muito desses argumentos, sobretudo do segundo. Primeiro, não acho que o Buk-M2E seja sistema muito moderno e capaz, com vantagens que o tornassem superior ao S-300 no contexto da Síria; mas acho, ainda, que a ideia de que “Síria tem tudo de que precisa” é ridícula, absolutamente terrível (leiam a crítica devastadora de Marko Marjanović em seu artigo “
Israel Took out a Syrian Pantsir Air Defense Unit, S-200 Radars. Rússia: ‘No S-300 Transfer, Síria Has All It Needs’“ (ing.) para
Russia Insider). Entendo que esse “Síria tem tudo de que precisa” é mais um desses desastres de Relações Públicas autoinfligidos, e frase ridícula, até que você a leva um passo adiante.
Quero dizer: se com “Síria tem tudo de que precisa” você quer dizer que a Síria não precisa de nenhuma outra ajuda” ou “as defesas aéreas sírias podem cuidar de qualquer ataque israelense ou norte-americano”… nesse caso, sim, a frase é totalmente nonsense. Concordo. Mas se você rearranja a frase e diz “a Síria tem todos os tipos de armas de que precisa”, nesse caso, a frase é está basicamente correta e é verdadeira. É verdade que, como sistema único de defesa para os sírios, o Pantsir-S1 é, de longe, a melhor arma possível, não os S-300s ou algum outro sistema.
Em junho do ano passado, escrevi uma coluna para
Unz Review intitulada
“Rússia vs. America in Síria“ na qual uma das sessões levava o título de “Esqueçam o S-300/S-400, pensem no Pantsir”. Escrevi que naquele momento a maioria dos observadores não estavam dando qualquer atenção ao Pantsir, e o mundo parecia obcecado com os S-300s e S-400s. Ainda acho que o Pantsir é a chave para o desfecho da luta pelo espeço aéreo sírio. Mas Síria e Irã precisam muitos deles. A situação ideal é numerosos Pantsirs sobre toda a Síria, todos integrados às vastas capacidades de radar dos russos e apoiados por modernos recursos de guerra eletrônica. Com número suficiente de Pantsirs instalados e em alerta total (não no estado em que estava o que os israelenses destruíram recentemente) e plenamente integrados a uma única rede de defesa aérea, os sírios teriam condições para montar capacidade robusta de defesa aérea, a custo relativamente baixo, sem ter de oferecer nenhum alvo de alto valor e muito lucrativo.
Pantsirs podem cuidar de quase todas as ameaças de EUA e Israel mesmo se, diferentes de seus contrapartes S-300/S-400s, não possam alcançar aeronaves em longa distância (daí a sugestão de instalar alguns Buk-M2Es para aproximar-se daquela capacidade). A verdade é que os S-300s nunca foram desenhados para operar mais ou menos autonomamente ou para interceptar mísseis cruzadores ou bombas. Sim, até podem fazer isso, mas foram concebidos para lidar com alvos de alto valor em longas distâncias e dentro de um sistema de vários estratos onde haja muitos outros sistemas, como os Buks, Tors, Pantsirs e até os ‘portáteis’ [MANPADs, Man-portable air-defense systems] Iglas e Verbas. Esse sistema de defesa de vários estratos está hoje ausente da Síria e exigiria muito tempo e dinheiro para instalar lá. Diferentes disso, os Pantsirs podem funcionar completamente autonomamente, podem detectar qualquer alvo até a 50km de distância, rastreá-lo e acertá-lo a 20k, de distância e proteger-se ele mesmo e outros, com suas armas de 30mm até a 3km/h em terreno desigual. Tudo isso faz dele um sistema de defesa extraordinariamente efetivo e com alta capacidade de sobrevivência, relativamente fácil de ocultar, instalar e operar sem alertar o inimigo. Por falar dele, o Pantsir também pode usar seus dois canhões de 30mm e mísseis contra alvos em solo, inclusive tanques. Nenhum outro sistema de defesa aérea reúne tal combinação de capacidades.
A Rússia deve entregar o maior número fisicamente possível desses sistemas Pantsir-S1 à Síria. Um grande número de Pantsirs na Síria causarão a Israel e EUA dor de cabeça muito maior que uns poucos S-300s. Atualmente há algo como 40-60 desses Pantsirs na Síria. Está longe de ser suficiente, considerando a magnitude da ameaça e suas capacidades. Esse número tem de ser no mínimo duplicado.
Contudo, e independente dos aspectos técnicos e militares do mundo real, nessa questão, os ziguezagues dos russos deram ao mundo uma terrível impressão: os israelenses atacam um aliado da Rússia; a Rússia promete tomar determinada medida quanto ao ataque; então, Netanyahu vai à Rússia, e Putin encolhe-se como coelho. Trata-se de escandaloso desastre político autoinfligido, e mais um erro cometido por Putin e outros líderes russos.
Sinceridade: o principal erro dos russos nesse caso foi ter *falado* algum dia de entregar S-300s aos sírios.
7ª parte: As lições da Divina Vitória de 2006 – sobreviver é vitória
“Não pensávamos, nem 1%, que a captura levaria a uma guerra agora e guerra dessa magnitude. Você me pergunta se, caso eu soubesse, dia 11 de julho, que a operação nos levaria a tamanha guerra, eu teria feito o que fizemos? Repondo-lhe que não. Absolutamente não.”
Incrível, não? Hassan Nasrallah disse isso depois da soberba vitória do Hezbollah sobre o “invencível Tsahal”. A verdade é que o Hezbollah havia subestimado a violência e a magnitude do ataque israelense. E não só isso: Israel não perdeu uma polegada do próprio território, quando todo o Líbano, não só o sul, foi furiosa e doentiamente bombardeado e morreram incontáveis civis. Hezbollah destruiu uns poucos “indestrutíveis” tanques Merkava e quase afundou a nave mãe da Marinha de Israel. Mas isso, comparado ao dano e a dor que os israelenses infligiram , foi nada. Mesmo os mísseis do Hezbollah tinha efeito comparativamente menor contra a população de Israel (o pior foi efeito do típico pânico entre os israelenses). Mesmo assim e ainda que os políticos recusem-se a admitir, o resultado foi claramente visível e visto pelos dois lados: o Hezbollah obteve “Vitória Divina”, e os israelenses sofreram a pior derrota em toda sua história. Por quê? Por uma razão muito simples: porque o Hezbollah sobreviveu.
Aí está e isso é crucial. Olmert e seus bandidos decidiram que destruiriam o Hezbollah (ou, no mínimo, que o desarmariam). É o que Trump, muito provavelmente, tentará fazer à República Islâmica do Irã. E é o que o Império Anglo-sionista está tentando fazer à Rússia: eliminá-la.
Quando o objetivo é posto nesses termos, a definição da vitória é óbvia: trata-se de não se deixar matar; trata-se de sobreviver. Simples assim.
Para Hezbollah, Irã ou Rússia derrotarem Israel, EUA ou todo o Império, não é preciso plantar uma bandeira no topo do prédio mais simbólico do inimigo, como os soldados soviéticos fizeram na Alemanha. Para vencer, basta-lhes simplesmente sobreviver, porque a sobrevivência do adversário nesses casos é, de fato, a eliminação do outro lado. É simples. Enquanto o Hezbollah existir, Israel não pode declarar-se vencedor; os EUA não podem reclamar para si a hegemonia mundial, se o Irã desafia os EUA abertamente; e o Império Anglo-sionista não pode se autodeclarar hegemon planetário, se o reino civilizacional russo desafia abertamente essa aspiração à hegemonia.
Assim sendo, toda a conversa sobre os iranianos desejarem “varrer Israel para fora do mapa” não passa de típica invenção da mídia sionista. Porque a verdade é que pelo simples fato de ainda existirem, o Hezbollah, o Irã e a Rússia são, sim, ameaça existencial a Israel, aos EUA e a todo o Império.
Essa é a maior e a mais fatal fragilidade do Império Anglo-sionista: sua sobrevivência depende de conseguir colonizar ou destruir completamente todos os demais países que há no planeta. Cada país independente, grande e poderoso, ou pequeno e fraco, representa desafio inaceitável à hegemonia da “nação indispensável” e do “povo escolhido”, que hoje tentam mandar em todos nós.
Pode ser o exemplo máximo da dialética hegeliana em operação na geopolítica: estamos diante de um Império cujo poder gera sua própria derrubada. Muitos impérios surgiram e foram-se na história, mas no mundo globalizado no qual vivemos essa contradição dialética é tremendamente potencializada pelas condições finitas sob as quais os impérios têm de operar.
Conclusão 1: o apoio a Putin e à Rússia só pode ser condicional
Ao longo dos últimos poucos anos, os odiadores de Putin e da Rússia viveram a prever desgraça e consumição e que Putin e a Rússia cometeriam todos os tipos de traições (Novorrússia, Síria, Irã, etc.). O tempo passou e provou que aquelas previsões eram erradas. Em vez de só falar, os russos agiram de modo a provar que os do contra estavam errados.
Mas dessa vez os russos disseram e fizeram grande número de coisas que deram *muito* combustível aos odiadores-de-Putin, e o único modo de desfazer tudo aquilo seria agir para provar que estavam e sempre estiveram errados. Nesse momento, como efeito de desastres autoinfligidos de Relações Públicas, a Rússia mostra-se muito mal, mesmo dentro da Rússia – com muitos apoiadores de Putin mostrando-se confusos, preocupados e frustrados.
Externamente, os sírios e, especialmente, os iranianos têm de se reconciliar com o fato de que a Rússia é aliado imperfeito, que às vezes pode ajudar – mas é aliado que sempre põe os próprios interesses acima de qualquer outra consideração.
Num e-mail pessoal para mim, Eric Zuesse escreveu: “Acho que Putin e Netanyahu estão negociando para fixar o ponto até onde Israel pode ir e a Rússia pode aceitar – e que cooperação cada um pode garantir ao outro – traçando as linhas vermelhas de aceitabilidade, para cada lado”. Acho que Zuesse acertou na mosca, não poderia estar mais certo, mas também acho que Putin erra ao tentar algum acordo com Israel, sobretudo se o acordo for firmado à custa do Irã. Ostashko acerta também.
Objetivamente, Israel tem muito pouco a oferecer à Rússia. Mas se esse tipo de cooperação entre Rússia e Israel continuar, especialmente se continuar depois de o Irã ser atacado, se o for, logo saberemos que o lobby pró-Israel dentro da Rússia está ativo por trás dessas políticas que caminham contra o interesse nacional russo. Logo saberemos.
Além do mais, Lavrov não pode tentar algum acordo com Israel e, ao mesmo tempo, lamentar-se que “o plano dos EUA para implantação de tropas árabes na Síria” seria ‘violação da soberania’!! Como não lembrar as incontáveis intermináveis violações que Israel comete contra a soberania da Síria? Por que seria menos repugnante que a violação que os EUA perpetram? Todas essas declarações não seriam talvez fundamentalmente hipócritas?
Aqui se pode observar um paradoxo: Putin várias vezes criticou o imoralismo da sociedade ocidental e das políticas imperiais (a ocasião mais famosa foi em Munique e na ONU). Mas Putin jamais disse uma palavra contra o imoralismo do estado de Israel. E Israel é o centro de gravidade, o nexo, de todo o Império Anglo-sionista, especialmente desde que os neoconservadores converteram Trump em seu subserviente lacaio. Nessa e em tantas outras áreas, a Rússia melhor faria se seguisse o exemplo do Irã, cujos líderes mostraram alta moralidade e políticas regidas por princípios, apesar de o Irã ser país muito menor e comparativamente mais fraco que a Rússia.
Em 2006, cerca de mil homens, talvez menos, do Hezbollah ousaram desafiar todo o Império Anglo-sionista (os EUA estavam, como sempre, apoiando Israel absolutamente sem reservas). E o Hezbollah venceu. Os soldados russos mostraram várias vezes, inclusive recentemente na Síria, que são capazes de mostrar o mesmo tipo de coragem. Mas os políticos russos realmente parecem ser de tipo muito mais frouxo e corruptível. Assim, sempre há o risco de Putin ir-se convertendo gradualmente, se tornando cada vez mais político e menos militar.
Isso, por sua vez, significa que os de nós que nos opomos ao Império e apoiamos Putin e a Rússia temos, como imperativo absoluto, de oferecer-lhe apoio condicional, que pode ser retirado, se forem desrespeitados um conjunto claramente expostos de princípios morais e espirituais. Nada daquela lealdade tipo “só meu país está certo, o resto do mundo está errado”, nem, muito menos, da falácia conhecida como “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”.
Se Putin mantiver essas que parecem ser tentativas para atender ao que exijam os israelenses, é possível que comece a ganhar fôlego dentro da Rússia um novo tipo de oposição ao seu governo – e novas tensões internas podem vir a se somar às tensões externas já existentes.
Nesse momento, Putin ainda tem muito capital “de credibilidade”, apesar dos recentes erros. De qualquer mofo, recentes decisões de Putin levantaram várias questões desagradáveis que têm de ser respondidas e esperemos que sejam respondidas a tempo. Até lá, como se diz nos EUA, “espere pelo melhor, prepare-se para o pior e se ajeite com qualquer coisa entre uma coisa e outra “. As Escrituras alertam para que não se façam ídolos, dos líderes: “Não confie em príncipes, nem em filhos de homens, que nesses não há segurança ” (Salmos 145:3 LXX).
O mal mundano contra o qual combatemos hoje, sob a forma de Império Anglo-sionista, não passa de manifestação de mal muito mais profundo, de um mal do espírito:
“Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares” [
Bíblia Católica, Efésios 6:12]
Os jovens, homens e mulheres do movimento xiita Amal entenderam bem o que faziam, quando escolheram o nome “Partido de Deus” para seu movimento, quando criaram o Hezbollah em 1985. E o Irã também acertou quando se converteu em República Islâmica: quem queira derrotar o Império tem de admitir que os assuntos espirituais e os critérios morais sejam postos e considerados acima de quaisquer das nossas considerações políticas mundanas “pragmáticas” ou de nossas lealdades nacionais/étnicas: é o modo como podemos derrotar os que põem um valor-dólar em absolutamente tudo que veem com sua estreita visão materialista do mundo.
Conclusão 2: a busca por “valores russos”
As ambiguidades políticas russas são resultado direto do fato de que a Rússia, como um todo, ainda não definiu quais são realmente os tais “valores russos”. A Rússia histórica foi fundada sobre o modelo da cristandade patrística e do modelo civilizacional romano; e a União Soviética, sobre o marxismo-leninismo. Os anos 1990s marcaram o total triunfo do materialismo deixado sem freios. Mas, diferente do Hezbollah ou do Irã, a “Nova Rússia” (como costumo chamá-la) não se baseia em coisa alguma, que não seja uma Constituição redigida quase toda por conselheiros norte-americanos e seus agentes locais, e uma oposição geral ao modelo civilizacional ocidental (especialmente depois de 2014). Ser contra alguma coisa não é posição que inspire, sequer é posição política ou moral que se possa defender (como os Guardas Brancos descobriram durante a guerra civil russa). Mais do que isso, no confronto com um Império Anglo-sionista que defende absolutamente coisa alguma, além de instintos básicos sub-humanos, a Rússia tem de *defender*, tem de *lutar por* alguma coisa, não apenas contra algo, seja o que for. Enquanto a Rússia não defender firmemente e proclamar um conjunto de valores espirituais/morais a favor dos quais luta, os ziguezagues que vemos hoje continuarão, e as políticas russas se mostrarão, no melhor dos casos, inconsistentes.
[BARRA LATERAL: aqui quero comparar a sociedade russa em geral, e as forças armadas da Rússia, as quais, além de contarem com muito bom equipamento em grande quantidade, têm um ethos forte e claro, e compreensão firme e bem definida como rocha, do que defendem, por que defendem e para alcançar que objetivos. Por isso os soldados russos sempre se mostram dispostos a sacrificar a própria vida. A sociedade civil, contudo, não tem esse tipo de clareza; e os políticos russos, que não são melhores na Rússia que no resto do mundo, frequentemente se servem, a favor deles, dessa indefinição. As forças armadas russas são também a instituição que tem mais profunda memória histórica e mais profundas raízes na Rússia moderna; essas raízes são muito mais fundas que as da Revolução de 1917 e também muito mais antigas. Eu mesmo, como descendente de “Russos Brancos”, sempre achei estranho e, francamente, muito melhor, que me sentisse muito mais próximo de oficiais militares russos, que de russos civis. Para mim, parecia haver dois tipos de russos que coexistiam no tempo: o tipo “novo russo” (ainda em processo de ser definido) e o corpo dos oficiais militares (soviéticos ou pós-soviéticos). Esse último tipo fazia pleno sentido para mim, quase, se pode dizer, por instinto, e parecia-me frequentemente familiar. Não se pode dizer que seja observação muito científica, mas, sim, sempre foi experiência pessoal jamais desmentida].
Há alta probabilidade de que Israel consiga disparar um ataque norte-americano contra o Irã. Se/quando acontecer, o ataque disparará uma crise política na Rússia, porque o espaço no qual se movimentam as atuais ambiguidades políticas será dramaticamente reduzido. No plano moral e no plano pragmático, a Rússia terá de decidir se pode sustentar, ou não, uma posição de espectador distanciado. Não será decisão fácil, porque não haverá consenso dentro das elites governantes sobre o que fazer. Mas as apostas serão altas demais e as consequências da inação serão inadmissíveis e insuportáveis.
Minha esperança é que um grande conflito militar resultará em acentuado aumento do poder e da influência do “lobby” militar dentro do Kremlin. Eventualmente e inevitavelmente, a questão de Israel e do sionismo terá de ser revisitada, e será preciso dar conta do lobby pró-Israel ativo na Rússia – se a Rússia não quiser para ela mesma o destino de autodestruição dos EUA.
Por essa razão, o conceito de “verdadeira soberanização” é o único slogan patriótica (e a única meta) que os Soberanistas Eurasianos têm de continuar a promover (independente da terminologia que se use), porque o slogan “verdadeira soberanização” aponta na direção dos reais problemas que há nas políticas interna e exterior russas, que têm de ser discutidos e resolvidos. Será processo longo e difícil, com vitórias e derrotas.
Melhor todos nos acostumarmos com a ideia de que o que aconteceu nas recentes semanas passadas acontecerá novamente no futuro.
[assina] The Saker
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