Dr. Hossam Matar, entrevista a Al-Manar TV – 28 de julho de 2022 – [Traduzido por Vila Mandinga]
Durante uma conversa política na TV Al-Manar, o acadêmico libanês Dr. Hossam Matar disse que o mundo estava hoje em um ponto de virada histórico, no qual potências asiáticas, como China, Rússia e Irã, sentem que podem recuperar seu “peso civilizacional” e "influência” que esteve ausente nos últimos 500 anos devido à hegemonia ocidental. Fonte: “Kalam Siyasi” (Canal do YouTube), entrevista da Al-Manar TV Data: 21 de julho de 2022 Por favor, ajude-nos a continuar produzindo traduções independentes para você, contribuindo com uma pequena quantia mensal em https://www.patreon.com/MiddleEastObserver
Anfitrião:
Comecemos com a reunião de cúpula que aconteceu no Irã, de Irã, Rússia e Turquia. Essa cúpula traz mensagens pela forma e pelo conteúdo.
Consideremos primeiro as mensagens que nos chegam pelo formato. A cúpula aconteceu sob o patrocínio direto do Imã Khamenei, líder da Revolução Islâmica no Irã. Sua Eminência fez discurso direto, na presença de líderes que estava conhecendo naquele momento.
Dr. Hossam Matar, libanês, professor e analista político:
Primeiro, acho que o encontro enquadra-se num desenvolvimento que está em curso há anos. Todas as potências asiáticas em geral sentem que o mundo passa por período muito importante de desenvolvimento, e o sistema internacional está em transformação. Essa transformação ocorre a favor das potências asiáticas em geral, ou seja, China em primeiro lugar, e os principais estados asiáticos, Rússia, Índia, Irã e Turquia. Essas forças sentem que testemunham uma virada histórica, pela qual estão recuperando o próprio peso civilizacional e a capacidade para influir no mundo, peso e influência que se perderam ao longo dos últimos 500 anos.
Esses Estados [asiáticos] ainda testemunham disparidades, rivalidades e discordâncias entre eles, as estruturas de cooperação entre eles ainda estão em desenvolvimento e ainda não foram cristalizadas, e algumas dessas principais forças [asiáticas] ainda têm parcerias com o Ocidente; e nós sabemos disso. Entretanto, todos esses Estados compartilham o sentimento de que esse mundo está-se tornando mais pluralista e equilibrado, e que eles enfrentam momento histórico muito grande, que podem aproveitar para tirar do Ocidente uma parte do domínio e da hegemonia que o Ocidente tem sobre eles e cujas consequências sempre operaram em detrimento do Oriente.
Portanto, essas forças estão criando essa modalidade de parceria para tentar aproveitar esse momento histórico.
Essa transição econômica, demográfica e política do Ocidente para o Oriente é vista por esses Estados como oportunidade histórica que deve ser aproveitada.
Tudo isso foi evidente na recente guerra com a Ucrânia. A Índia, por exemplo, apesar de suas estreitas relações com os EUA, não entrou em conflito com a Rússia, como solicitado [pelos EUA]. A Turquia manteve suas opções em aberto, mesmo em relação à questão ucraniana. Por quê? Porque esses Estados, como eu disse, veem que as potências asiáticas, a Ásia ‘deles’, está de volta ao coração do sistema internacional.
A marginalização da Ásia foi operada em detrimento das potências [nesse continente] e de seu povo. Portanto, o atual desenvolvimento não é novidade, e seus atores aproveitaram a crise do Ocidente, o declínio da hegemonia norte-americana e a ascensão das potências asiáticas. É o que está em andamento. Quanto à velocidade, as transformações podem ocorrer mais rapidamente ou podem abrandar, dependendo de certos eventos. Por exemplo, estamos aguardando os resultados da guerra na Ucrânia.
Estamos aguardando a perspectiva do confronto entre EUA e China, que acredito ser o evento mais importante, de agora até o ano 2050.
Os próximos 20 ou 30 anos determinarão o destino do mundo mediante um confronto que se intensificará rapidamente entre EUA e China. Essa competição e conflito e suas consequências moldarão o mundo por décadas e séculos futuros.
Os EUA anunciaram em junho ou no final de maio, em discurso feito por Blinken, a abordagem americana para enfrentar a China. [Blinken] disse quatro vezes em seu discurso “essa década decisiva”, referindo-se à década de 2020 a 2030. Toda a literatura americana de hoje usa o termo: “a década decisiva”.
Os EUA dizem que têm/teriam os próximos 10 anos [até o final de 2030] para resolver o conflito com a China. Se conseguirem reverter as trajetórias nesse período…
Em outras palavras, se os EUA conseguirem transformar a ascensão da China em declínio, e o declínio dos EUA em ascensão, o país tem chance de recuperar ou manter a própria liderança [em todo o mundo].
Mas se não conseguirem atingir sua meta antes de 2030, e a China continuar a subir no nível e padrão atuais, e os EUA não forem capazes de recuperar a iniciativa, os EUA chegarão ao ponto de não retorno, e a China se tornará a maior potência do sistema internacional.
Por isso todo o pensamento norte-americano está voltado para o mundo, incluindo o Oriente Médio, com seus conflitos e forças. E considera a China e o ponto de vista chinês, tenta ver as coisas como a China as vê, na primeira, segunda, terceira e quarta etapas, antes de entrar em qualquer outra questão.
Anfitrião:
Bem, se os EUA consideram sempre, em primeiro lugar, a perspectiva chinesa, como você vê essa cúpula tripartite?
Dr. Matar:
Os EUA veem a cúpula tripartite, de forma muito negativa. O tema foi mencionado numa das avaliações emitidas durante os últimos dois dias. Sim, os EUA veem a China como principal ameaça… Mas a verdade é que as opiniões estão divididas sobre essa questão.
Há os que acreditam que o principal inimigo seja a China. Assim, no contexto de mirar contra a China, eles entendem que teriam de travar uma única batalha que inclua a Rússia e o Irã. Veem uma aliança que não deve ser separada [em partes]. Portanto, procuram batalha contra esses três Estados. Essa opinião existe, mas é impopular.
Os EUA também acreditam que o confronto com a Rússia na Ucrânia seria também confronto com a China, e que os norte-americanos devem considerar esse confronto com a Rússia como um desvio para atacar a China. Essa opinião também existe, mas não é forte.
A opinião mais popular nos EUA diz que se os norte-americanos atacarem aquelas forças [asiáticas] de uma só vez, as forças asiáticas se unirão contra nós. Ainda ontem, alguém [nos EUA] disse que “a evidência está diante de você”, falando sobre a cúpula em Teerã. E acrescentou que os EUA pressionam os russos e estão em luta contra eles em uma batalha militar até o fim, na Ucrânia; que não foram capazes de construir laços nem reparar as relações com a Turquia e Erdogan; e que ainda insistem em seguir a mesma abordagem com o Irã, sem oferecerem nenhuma via alternativa. A mesma fonte insistiu em que os EUA estão levando várias forças a se unirem contra eles mesmos, contra os EUA. Que a China está-se beneficiando dos erros dos EUA, que dispersam as próprias forças em várias áreas.
Por tudo isso, considerada a questão do ponto de vista dos chineses – a principal preocupação dos EUA –, a cúpula de Teerã é muito ruim para os EUA, cuja abordagem baseia-se em isolar o máximo possível a China, afastando-a das potências asiáticas para encurralá-la.
As potências asiáticas, incluindo Irã e Rússia, podem ver isso. Veem essa oportunidade histórica. Assim sendo, estão trocando benefícios dentro de alguns limites e consensos, e estão resolvendo seus desacordos. Discordâncias existem – não se trata de cultivar algum tipo de visão romântica. Mas as questões elas estão sendo resolvidas; e ao longo do tempo serão superadas.
[Para concluir,] a cena em Teerã, considerado o que pensam os EUA, é muito negativa, especialmente em termos do grande confronto com a China, porque a ideia de uma oposição entre “Ásia” e “Ocidente” está-se fortalecendo.
Anfitrião:
Não temos mais unipolaridade [na política mundial]….
Dr. Matar:
Sim, e estamos testemunhando uma “luta ideológica”. Os EUA também estão tentando apresentar [a situação atual] sob esse rótulo, com o objetivo de mobilizar o mundo contra a China, por isso falam da Ásia como “poder autoritário, repressivo, retrógrado, bárbaro”, contra um “Ocidente civilizado, protetor da estabilidade internacional e afins”.
Hoje, cada cena em que as potências asiáticas encontram-se, traz um desafio ao núcleo da abordagem norte-americana, que só pensa em enfrentar a China, especialmente porque os EUA estão ficando sem tempo – como já dissemos.
O tempo, na mente norte-americana, não está a favor dos EUA, pois cada dia que os EUA não dedicam a provocar a China parece ser tempo desperdiçado, aos norte-americanos… Se se leva a sério o que diz a imprensa norte-americana.
Fontes:
http://middleeastobserver.net/today-asia-feels-it-can-regain-its-civilizational-weight-lost-for-500-years-lebanese-academic/
https://thesaker.is/today-asia-feels-it-can-regain-its-civilizational-weight-lost-for-500-years-lebanese-academic/
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