Fuente:
https://jornalggn.com.br/noticia/as-novas-armas-da-russia-4-implicacoes-politicas
As Novas Armas da Rússia (4): Implicações políticas
organizado por Ruben Bauer Naveira
Este é o quarto artigo da série “As Novas Armas da Rússia”, que busca apresentar ao público brasileiro a nova realidade mundial inaugurada pelo discurso do presidente da Rússia Vladimir Putin no dia primeiro de março, o qual marca uma ruptura histórica de consequências imensuráveis para todo o mundo inclusive o Brasil: os Estados Unidos já não detêm mais a supremacia militar no planeta, e os seus dias de superpotência estão contados.
Esta série é também composta pelos seguintes artigos:
– As Novas Armas da Rússia (1): O discurso histórico de Putin (transcrição do discurso)
– As Novas Armas da Rússia (2): Resumo das armas (compilação pela equipe do site SouthFront.org)
– As Novas Armas da Rússia (3): Implicações militares (análise por Andrei Martyanov)
– As Novas Armas da Rússia (5): Implicações para o Brasil (análise por Ruben Bauer Naveira)
As Novas Armas da Rússia (4): Implicações políticas
Do Blog do Alok
Por The Saker
Originalmente escrito para a Unz Review
Tradução por Ruben Bauer Naveira
Para aqueles interessados nas implicações militares das recentes revelações por Vladimir Putin a respeito dos novos sistemas de armamento, eu recomendaria o excelente artigo de Andrei Martyanov intitulado “As Implicações dos Novos Sistemas de Armamento da Rússia” (que foi o texto anterior publicado nesta série, que oferece uma análise soberba do que essas novas armas representam para os Estados Unidos, e especialmente para a Marinha americana. O que eu pretendo fazer aqui é algo um pouco diferente, que é examinar algumas das consequências mais políticas dessas revelações.
Os dois primeiros estágios do luto: negação e raiva
Agora mesmo, os AngloSionistas estão passando por algo muito similar aos dois primeiros estágios do modelo de Kübler-Ross dos Cinco Estágios do Luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Isto se manifesta basicamente em críticas à qualidade dos vídeos apresentados por Putin e em vociferação simplória do tipo “essas armas só existem no papel”. Isto é absolutamente normal, e não vai durar muito. Esse tipo de negação é um mecanismo comum de enfrentamento da realidade cuja função básica é “suavizar o impacto”, mas não se trata de algo em que se possa basear qualquer política pública ou estratégia real. Ainda assim, vale a pena examinar porque exatamente aquelas revelações dispararam reação tão forte, uma vez que as coisas são um pouco mais complicadas do que à primeira vista aparentam ser.
Primeiramente, uma espantosa revelação de fundo: a disposição dessas armas não altera fundamentalmente o equilíbrio nuclear entre a Rússia e os Estados Unidos, pelo menos não em termos da estabilidade quanto ao “primeiro golpe” (para uma discussão detalhada veja aqui) [N. do T.: “first strike”, ou “primeiro golpe”, refere-se a um ataque de surpresa para destruir os mísseis nucleares do inimigo antes que cheguem a ser disparados, reduzindo ou eliminando sua capacidade de retaliação; por “first strike stability”, o autor quer dizer que nem Estados Unidos nem Rússia chegam a deter essa capacidade de aniquilação preventiva completa do outro]. Sim, é verdade que o arsenal nuclear americano está se tornando crescentemente antiquado, especialmente se comparado ao russo, e, sim, também é verdade que, por meio de uma família inteira de tecnologias, os russos se encontram agora claramente muitos anos à frente dos americanos. Mas, não, isso não significa que a Rússia possa sair impune de um “primeiro golpe” contra os Estados Unidos (tampouco os Estados Unidos poderiam, no que interessa, sair impunes de um “primeiro golpe” contra a Rússia). Ambos os países possuem mais que suficientes capacidades de ataque nuclear, ainda que suas forças tenham sido reduzidas em mais de noventa por cento por um suposto ataque de aniquilação. O propósito do alerta de Putin não foi de modo algum ameaçar o Ocidente, ou sugerir que a Rússia poderia ir atrás da vitória em uma guerra nuclear, longe disso! Antes de mais nada, seu discurso foi um caso muito necessário de psicoterapia em público. Pode-se dizer que sua intenção foi a de forçar o Império a mais cedo ou mais tarde adentrar as três seguintes, e mais construtivas, fases do luto: barganha, depressão e aceitação.
Trazendo um Império profundamente delirante a um senso de realidade
Os líderes do Império, juntamente com seus drones ideológicos cerebralmente lavados, vivem em um mundo completamente dissociado da realidade. É por isso que Martyanov escreve que os Estados Unidos “continuam ainda a morar na sua bolha que os mantém isolados de quaisquer vozes exteriores de racionalidade e paz”, e que a fala de Putin visou “coagir as elites da América a, senão paz, ao menos uma forma de sanidade, dado que elas atualmente se encontram completamente dissociadas das realidades geopolítica, militar e econômica de um mundo recentemente emergido”. Martyanov explica que:
As elites do poder americano, a maior parte das quais nunca serviu em uniforme um dia sequer, nem mesmo frequentou instituições acadêmicas militares sérias, e cuja expertise em assuntos militares tanto geopolíticos como tecnológicos se limita a um par de seminários sobre armas nucleares, ou, na melhor hipótese, aos esforços do Serviço de Pesquisa do Congresso, simplesmente não estão credenciadas a alcançar a complexidade, a natureza e a aplicação da força militar. Elas simplesmente não dispõem de pontos de referência. Ainda assim, por serem um produto da cultura militar-pop americana – também conhecida como “military porn”, e propaganda – essas pessoas, essa coletânea de advogados, “cientistas” políticos, sociólogos e jornalistas que dominam a cozinha estratégica americana na qual ininterruptamente se cozinham doutrinas geopolíticas e militares delirantes, uma coisa eles podem entender com certeza, e isso é quando os seus entes mais queridos ganham um vistoso alvo pintado nos seus traseiros ou nas suas testas.
O fato de que, no mundo real, essas elites estão, há décadas, com um alvo pintado em seus traseiros, não altera o fato de que elas também têm conseguido convencer a si próprias que elas poderiam remover esse alvo, ao se retirar do tratado de proibição de mísseis antimísseis (ABM) e circundar a Rússia com esses mísseis. O fato de que alguns (muitos? a maioria?) dos políticos americanos se dão conta, ao menos no seu subconsciente, que seus sistemas ABM jamais protegeriam verdadeiramente os Estados Unidos de um ataque de retaliação russo, de fato nunca importou, porque havia alguns fatores psicológicos singularmente americanos que tornavam irresistivelmente atrativa a noção de um sistema ABM:
1) Um sistema ABM prometia aos Estados Unidos impunidade: juntamente com a superioridade militar, a impunidade é um dos grandes mitos americanos (conforme discutido aqui). Desde Reagan com suas “armas para matar armas” até a atual crise com a Coreia do Norte, os americanos sempre buscaram impunidade para suas ações no estrangeiro: deixe que todos os países se afoguem num oceano de fogo, matança e caos desde que a nossa “mãe pátria” permaneça uma cidadela sacrossanta e intocável. Após a Segunda Guerra Mundial os americanos mataram muitos milhões de pessoas mundo afora, mas, quando sobreveio o 11 de setembro (deixando de lado que se tratou obviamente de um “false flag”), o país entrou em algo clinicamente similar a um choque, pela morte de cerca de três mil civis inocentes. As armas nucleares da União Soviética, e, depois disso, da Rússia, prometiam causar dezenas de milhões de mortes se a URSS/Rússia fosse atacada, e é por isso que girar o conto de fadas sobre um “escudo” ABM foi tão atrativo, mesmo que isso fosse, tecnologicamente falando, ou um sonho impossível (o “Guerra nas Estrelas” de Reagan) ou um sistema extremamente limitado, capaz de parar no máximo talvez alguns poucos mísseis (o atual sistema ABM na Europa). Novamente, fatos nada importam, ao menos não nas políticas americanas ou na psique coletiva dos Estados Unidos.
2) Um sistema ABM prometia ser um imenso golpe de sorte financeiro para o fantasticamente corrupto Complexo Industrial Militar dos Estados Unidos, para o qual trabalham milhões de americanos e que faz muitos deles fantasticamente ricos. Francamente, eu suspeito que muitos (a maioria?) dos caras envolvidos nos programas ABM se davam plenamente conta de que não passava de perda de tempo, mas, na medida em que eles tinham suas contas bancárias abastecidas de dinheiro, eles simplesmente não ligavam: ei, eles me pagam – eu vou pegar!
3) A cultura militar dos Estados Unidos nunca deu muita ênfase à coragem pessoal ou ao auto-sacrifício (por razões óbvias). As diversas variações do conto de fadas do ABM fizeram possível aos americanos acreditar que a próxima guerra poderia ser travada apertando botões e confiando em computadores. E, se bombas de verdade começarem a cair, deixe que caiam em outro lugar, de preferência em cima de algum povo marrom longínquo que, afinal, bem, não são de fato tão preciosos para Deus e para a humanidade quanto nós, a “nação indispensável” Branca.
Acrescente a tudo isto uma crença quase-religiosa (um dogma, na verdade) no mito da superioridade tecnológica americana e você entenderá que os líderes russos começaram a se dar conta que seus congêneres americanos iam gradualmente se esquecendo que seus traseiros estavam com um alvo pintado. Então, o que Putin fez foi simplesmente pintar mais alguns alvos, diferentes, apenas para se certificar que os líderes dos Estados Unidos retornassem à realidade.
O objetivo do discurso de Putin foi também provar que tanto Obama (“a economia russa está em frangalhos”) quanto McCain (“a Rússia é um posto de gasolina fantasiado de país”) estavam errados. A mensagem russa para as elites governantes americanas foi simples: não, nós não apenas não estamos atrás de vocês tecnologicamente, por muitas maneiras nós já estamos décadas à frente de vocês, a despeito das suas sanções, das suas tentativas de nos isolar, da queda dramática nos preços da energia, ou das suas tentativas de limitar nosso acesso aos mercados mundiais (o desenvolvimento bem-sucedido dessa nova geração de sistemas de armamentos é um claro indicador do estado real da pesquisa básica na Rússia em campos tais como ligas metálicas avançadas, nanotecnologia, supercomputação etc.)
Aos belicistas do Pentágono, a mensagem foi igualmente clara e firme: nós gastamos menos de dez por cento do que vocês gastam em agressão global; nós contrabalançaremos a sua vantagem quantitativa com a nossa superioridade qualitativa. De forma simples, vocês lutam com dólares, nós lutaremos com neurônios. Os propagandistas dos Estados Unidos, que adoram falar sobre como a Rússia sempre se utiliza de grandes contingentes de soldados inábeis e de armas toscas porém brutais, terão agora que lidar com um paradigma que lhes é completamente estranho: um soldado russo é muito melhor treinado, muito melhor equipado, muito melhor comandado e a sua moral e força de vontade é quase que infinitamente maior que a de um militar típico dos Estados Unidos. Para uma cultura militar que repete como um mantra que tudo a respeito de si própria é “o melhor do mundo” ou mesmo “o melhor da História”, essa nova realidade chegará como um choque muito doloroso, e a maioria responderá a ela entrando em negação profunda. Para aqueles que acreditaram na (historicamente, falsa por completo) narrativa sobre os Estados Unidos e Reagan levando a União Soviética à falência por meio de uma corrida armamentista bem-sucedida, será sentido como bastante estranho se colocar no “lugar invertido” com a velha e má URSS, e se ver na situação de ter que encarar a falência induzida pela gastança militar.
Nada vai mudar no Império das Ilusões (ao menos não no futuro previsível)
Por falar em falência, as recentes revelações confirmaram aquilo que os russos vêm alertando há muitos anos: toda a imensa soma de dinheiro gasto pelos Estados Unidos em defesas ABM foi completamente desperdiçada. A Rússia descobriu e implantou uma resposta assimétrica que faz da totalidade do programa ABM algo completamente inútil e obsoleto. Ademais, como Martyanov também assinalou, a atual estrutura das forças navais de superfície dos Estados Unidos foi também tornada obsoleta e inútil, ao menos contra a Rússia (mas você pode estar certo que a China vem logo atrás). Potencialmente, este estado de coisas deveria implicar repercussões imensas, tectônicas: quantias imensas de dinheiro do contribuinte americano foram completamente desperdiçadas, as estratégias naval e nuclear dos Estados Unidos foram completamente equivocadas, a inteligência falhou (tanto a nível de aquisição como de análise), os políticos americanos tomaram decisões desastrosas, e isso é uma tamanha m**** que deveria desencadear sabe lá Deus quantas investigações e renúncias, além de numerosas punições, administrativas ou mesmo criminais. Mas, é claro, absolutamente nada disso vai acontecer, nada mesmo. Nem uma única cabeça rolará…
No “Império das Ilusões”, os fatos simplesmente não têm a menor importância. De fato, eu prevejo que o agora claramente inútil programa ABM prosseguirá como se nada tivesse acontecido. E, de certo modo, isso é verdade. Ao zumbificado público geral dos Estados Unidos não será dito o que está acontecendo, aqueles que compreenderem serão marginalizados e não terão poder para efetuar nenhuma mudança, e, quanto aos parasitas corruptos que vêm ganhando milhões e bilhões por meio desse total desperdício de dinheiro do contribuinte, estes possuem demasiado em jogo para atirar a toalha. De fato, uma vez que os Estados Unidos são agora governados pelos Neocons [N. do T.: apelido para neoconservadores], nós podemos muito facilmente prever o que eles irão fazer. Eles farão o que Neocons sempre fazem: dobrarão a aposta. Assim, após ter se tornado de conhecimento público que a totalidade das instalações ABM é inútil e desatualizada, pode-se esperar uma injeção adicional de dinheiro por “congressistas patriotas” (<<== meu esforço para ser politicamente correto!) rodeados por bandeiras, que explicarão ao público lobotomizado que eles estão “adotando uma postura firme” contra “o ditador russo”, e que os orgulhosos Estados Unidos da América não irão ceder à pressão da “chantagem nuclear russa”. As cores da nossa bandeira não desbotam! Unidos nos erguemos! Etc. etc. etc.
No que diz respeito à Marinha dos Estados Unidos, isso nem mesmo será um tema. Quer dizer então que um sujeito russo (refiro-me a Martyanov) escreveu alguma coisa para a Unz Review. E daí? Isso não passa de mais “propaganda russa”, é claro. Será desconsiderado antes mesmo de poder ser realmente estudado, e inevitavelmente a conclusão reconfortante será “nós somos número um”, “a América reina sobre os mares” e todo o resto da insensatez ufanista habitual com que os almirantes dos Estados Unidos vêm alimentando o público há décadas. Tenha ainda em mente que os sujeitos sagazes na Marinha, e há muitos deles, compreenderam o tempo todo o que estava se passando, mas eles ou não detêm influência nenhuma ou se mantêm em silêncio por razões óbvias de carreira.
A realidade é que aquilo que Martyanov denomina “o mito americano da superioridade tecnológica” se encontra tão profundamente arraigado na psique coletiva dos Estados Unidos que foi tornado parte da identidade nacional, não podendo jamais ser questionado com êxito. Ainda que Putin decida que vídeos e discursos simplesmente não bastam e resolva fazer uma demonstração com munição de verdade, os zumbis agitadores de bandeira na mídia, no governo e no público encontrarão algum modo de negar por completo, fingir que não aconteceu, ou colocar um sorriso misterioso na cara e replicar algo na linha de “yeah, legal, mas, se vocês apenas desconfiassem das superarmas que nós não estamos mostrando para vocês!!” (como um desses drones de fato escreveu, “há de haver armamento escondido na manga dos Estados Unidos para ser usado no caso de um ataque”). Assim, para o futuro previsível, espere pela continuidade da negação coletiva.
“Quando a sua cabeça está na areia, o seu traseiro está no ar”
Mas, ainda assim, a realidade existe. Não importa o quanto os propagandistas americanos tentem torcê-la, negá-la, ofuscá-la ou menosprezá-la, algo muito fundamental mudou para os Estados Unidos. Um desses elementos da realidade que começará com o tempo a penetrar nas mentes dos americanos é que a sua tão amada “mãe pátria”, e eles próprios, estão agora direta e pessoalmente sob risco. De fato, pela primeira vez na História, os Estados Unidos se encontram agora debaixo da mira de poderosas armas convencionais que podem atingir qualquer alvo dentro dos Estados Unidos. Como se isso não bastasse, os lançadores dos novos sistemas de armas, os mísseis de cruzeiro, que agora podem atacar qualquer parte dos Estados Unidos, são, ao contrário dos velhos e maus mísseis balísticos intercontinentais, extremamente difíceis de se detectar, o que pode deixar os Estados Unidos com pouco ou nenhum tempo de alerta. Nós já sabíamos a respeito dos mísseis de cruzeiro 3M-54 Kalibr e KH-101/102, com alcances de 2.600 km e 5.500 km (ou mais). Vladimir Putin anunciou agora que a Rússia também dispõe de mísseis de cruzeiro impulsionados a energia nuclear, cujo alcance é essencialmente infinito. Tenha em mente que esses mísseis são muito difíceis de detectar porque o seu lançamento não produz um sinal térmico forte, eles voam a maior parte de sua trajetória a velocidades subsônicas (somente acelerando no final) pelo que a sua assinatura térmica é muito baixa, o seu formato produz uma seção transversal de radar também muito baixa, e eles podem seguir cursos de voo a altitudes extremamente baixas (“nap of the earth”), o que os oculta ainda mais. O melhor de tudo, contudo, é que eles podem ser lançados daquilo que, externamente, aparenta ser um contêiner comercial comum. Dê por favor uma olhada neste curto vídeo de propaganda, mostrando como esses mísseis podem ser escondidos, dispostos e utilizados:
O que Putin agora oficialmente acrescentou a este arsenal são mísseis de cruzeiro de alcance infinito que poderiam, teoricamente, destruir um posto de comando, digamos, no Meio Oeste americano, tendo sido lançados do sul do Oceano Índico ou do Mar da Tasmânia. Ainda melhor, a plataforma de lançamento não necessita de modo algum ser um navio da Marinha russa, mas poderia ser qualquer navio comercial (de carga, pesca etc.), ou até mesmo um navio de cruzeiro. Os aviões de transporte pesados russos poderiam também entregar tais “contêineres” em qualquer lugar, digamos, na África ou mesmo na Antártida, para, a partir de lá, atacar o bairro central de Omaha [N. do T.: cidade do estado americano de Nebraska] portando tanto uma ogiva convencional quanto uma nuclear. Isso é também um divisor de águas fundamental.
Por outro lado, você pode considerar o novo torpedo a propulsão nuclear como um tipo de “míssil de cruzeiro subaquático”, com capacidades similares contra navios de superfície ou instalações costeiras – à exceção de que tal “míssil de cruzeiro subaquático” é capaz de “voar” por debaixo da calota polar. Desnecessário dizer, todos esses mísseis de cruzeiro podem, se necessário, ser equipados com ogivas nucleares.
Mas não somente o território dos Estados Unidos é agora vulnerável. Todas as instalações militares americanas ao redor do mundo podem agora ser atacadas deixando os Estados Unidos com pouco ou nenhum tempo de reação.
Não é exagero dizer que isto é verdadeiramente uma mudança radical, ou mesmo uma revolução, na guerra moderna. Eu detesto ter que admitir, mas isto é também um desdobramento indesejável em termos da estabilidade quanto ao “primeiro golpe” [N. do T.: “fisrt strike stability”, conceito já mencionado], uma vez que coloca uma grande parte da tríade nuclear [N. do T.: ogivas nucleares carregadas em mísseis disparados por silos em solo, por submarinos, e por aviões (terra, mar e ar)] dos Estados Unidos em perigo, juntamente com praticamente todas as instalações vitais americanas, militares ou não. Tendo dito isto, toda a culpa por ter a situação chegado a este ponto deve ser debitada às políticas arrogantes e irresponsáveis dos Estados Unidos desde a desastrosa retirada americana em 2002 do tratado de proibição de sistemas ABM. Ademais, eu me sinto seguro de que os russos com satisfação se sentariam com os americanos para explorar quaisquer alternativas razoáveis até se chegar a um entendimento mútuo para a restauração da estabilidade quanto ao “primeiro golpe” entre os dois países. Ninguém, é claro, para além dos líderes corruptos do Complexo Industrial Militar dos Estados Unidos, necessita de nenhum tipo de corrida armamentista entre a Rússia e os Estados Unidos, nem dos imensos custos associados a uma tal empreitada. Mas, uma vez que essa corrida armamentista irá prosseguir (como já dito, Neocons sempre dobram as apostas), a Rússia detém uma enorme vantagem nessa corrida, por duas razões chave:
1) Ao contrário da Rússia, os Estados Unidos irão, por razões de prestígio absolutamente idiotas, se recursar categoricamente a reduzir os seus inúteis programas de ABM e de encomendas de novos porta-aviões, e todas as verbas alocadas a conter de fato as capacidades russas serão gastas, agora com mais empenho, justamente nesses programas inúteis e obsoletos. A Rússia, em contrapartida, gastará seu dinheiro em programas que de fato fazem diferença.
2) Os Estados Unidos estão agora ficando dramaticamente para trás em muitas áreas nas quais os ciclos de desenvolvimento são longos. Francamente, eu não consigo sequer imaginar como os Estados Unidos irão se desvencilhar de desastres de projeto como o navio de combate de litoral (LCS) ou, talvez o pior deles todos, o F-35 [N. do T.: o mais avançado avião de combate americano]. Assim como a Rússia na década de 1990, os Estados Unidos se encontram atualmente governados por covardes incompetentes que, simplesmente, não contam com o que é necessário para empreender uma real e significativa reforma militar, e, como resultado disso, as forças armadas dos Estados Unidos padecem de problemas que estão para se tornar muito piores antes que possam vir a melhorar. Por enquanto, a diferença entre a Rússia de Putin e os Estados Unidos de Trump é tão simples quanto cruel: a Rússia gasta seu dinheiro em defesa, os Estados Unidos gastam seu dinheiro enriquecendo políticos e executivos corruptos. Com base nisso, os Estados Unidos não têm a menor chance em qualquer corrida armamentista, não importa o talento e o patriotismo de seus engenheiros e soldados.
A Rússia e os Estados Unidos já estão em guerra, e a Rússia está ganhando
A Rússia e os Estados Unidos têm estado em guerra desde pelo menos 2014 (eu venho alertando a esse respeito ano, após ano, após ano). Até aqui, esta guerra tem sido cerca de 80% informacional, 15% econômica e apenas 5% cinética [N. do T.: como exemplo de guerra cinética, a derrubada recente de um avião de combate SU-25 da Rússia em missão na Síria em 03.fev.2018, por um míssil terra-ar portátil do tipo MANPAD entregue pelos americanos a terroristas sírios]. Mas essa correlação pode muito bem mudar, e muito repentinamente. A Rússia embarcou assim num esforço imenso para se preparar contra um ataque tanto convencional quanto nuclear do Império AngloSionista. Aqui vão listadas algumas das providências que vêm sendo adotadas neste contexto: (é uma lista parcial, não-exaustiva!)
Em resposta à ameaça convencional da OTAN a partir do Ocidente:
– Putin ordenou a recriação do Primeiro Exército de Guardas de Tanques. Esse exército comporta duas divisões de tanques (as melhores dentre os militares russos – a Segunda Divisão de Guardas Motorizada de Rifles Tamanskaya e a Quarta Divisão de Guardas de Tanques Kantemirovskaya), e um total de mais de quinhentos tanques Armata T-14. Esse exército de tanques será apoiado pelo Vigésimo Exército de Guardas de Armas Combinadas. Isto é o que seria chamado, durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, de um “Exército de Choque” (em andamento).
– O posicionamento de sistemas de mísseis operacionais-táticos Iskander-M (completado).
– A duplicação do tamanho das forças aerotransportadas russas, de 36.000 para 72.000 (em andamento).
– A criação de uma Guarda Nacional, que incluirá tropas do Ministério do Interior (cerca de 170.000 soldados), pessoal do Ministério de Situações de Emergência, as forças policiais antimotim OMON (cerca de 40.000 soldados), as forças de resposta rápida SOBR (mais de 5.000 soldados), o Centro de Designação Especial das Forças de Reação Operacional e Aviação do Ministério de Assuntos Internos, incluindo as unidades de Forças Especiais “Zubr”, “Rys” e “Iastreb” (mais de 700 agentes), em um total de cerca de 250.000 soldados, que provavelmente chegará a um contingente de 300.000 homens em futuro próximo.
– A encomenda e a entrada em serviço de caças e interceptadores avançados multifuncionais de superioridade aérea (MiG-31BM, Su-30SM e Su-35S, e, em breve, MiG-35 e Su-57).
– A disposição dos sistemas de defesa aérea S-400 e S-500, juntamente com radares de grande alcance.
– A adoção de cerca de 70% de sistemas novos e modernos para todas as forças armadas.
Em resposta ao “cerco” da Rússia pelos Estados Unidos com sistemas ABM:
– A disposição dos mísseis balísticos intercontinentais RS-28 Sarmat dotados de veículos de reentrada hipersônicos [N. do T.: são consideradas hipersônicas as velocidades acima de cinco vezes a velocidade do som] e manobráveis.
– A disposição de mísseis de cruzeiro de longo alcance convencionalmente armados.
– A disposição de mísseis de cruzeiros de propulsão por energia nuclear, com um alcance essencialmente ilimitado.
– A disposição de submersíveis não-tripulados de propulsão por energia nuclear com alcance intercontinental, velocidade muito alta, propulsão silenciosa e capazes de se mover a grandes profundidades.
– A disposição do míssil hipersônico Kinzhal, de velocidade Mach 10 [N. do T.: dez vezes a velocidade do som] e alcance de 2.000 quilômetros.
– A disposição do novo míssil estratégico Avangard, capaz de velocidades Mach 20.
Esta lista está longe de ser exaustiva, há muito mais que nela falta inclusive novos submarinos (de propulsão sem oxigênio, de propulsão convencional diesel-elétrica, submarinos nucleares de ataque e SSBNs), aeronaves de ataque, novos veículos blindados de vários tipos, novos equipamentos avançados de alta tecnologia individuais para os soldados, novos sistemas de artilharia, etc. etc. etc. Mas, de longe, o elemento mais importante na prontidão russa para confrontar e, se necessário, repelir qualquer agressão ocidental é a moral, a disciplina, o treinamento e a determinação dos soldados russos (tão poderosamente ilustrado por diversos exemplos recentes na Síria). Vamos dizer apenas que, em comparação, os militares americanos e europeus (ou os seus comandantes, naquilo que interessa) não são exatamente impressionantes, e vamos ficar por aqui.
Si vis pacem, para bellum
A realidade, claro, é que ninguém na Rússia planeja uma guerra, precisa de uma guerra ou quer uma guerra. De fato, a Rússia como país necessita de muitos anos mais de paz (mesmo relativa). Primeiro, porque o tempo está obviamente do lado da Rússia, com o equilíbrio militar com os Estados Unidos se deslocando rapidamente a favor da Rússia. Mas não menos importante é o fato que, ao contrário dos Estados Unidos que anseiam por conflitos, guerras e caos, a Rússia necessita seriamente de paz para lidar com os seus ainda muito numerosos problemas internos, que há muito tempo vêm sendo negligenciados. O problema é que a totalidade do sistema político e da economia dos Estados Unidos são completamente dependentes de um estado de guerra permanente. Isso, juntamente com uma arrogância imperial impulsionada por uma russofobia crescentemente vocalizada, é uma combinação potente e potencialmente perigosa, que não deixa à Rússia outra opção senão mostrar os dentes e assumir também algum modo de ostentação do seu poderio militar. Assim, terá sido o discurso de Putin suficiente, para despertar do seu sono delirante as elites governantes do Império?
Provavelmente não. De fato, no curto prazo, ele poderá ter o efeito contrário.
Lembra de quando a Rússia bloqueou o ataque planejado de Obama contra a Síria? A reação dos Estados Unidos foi disparar o Maidan [N. do T.: refere-se ao golpe de estado havido em 2014 na Ucrânia]. Lamentavelmente, eu espero que algo muito similar acontecerá em breve, mais provavelmente na forma de um ataque em grande escala Ukronazi [N. do T.: refere-se à Ucrânia] contra o Donbass [N. do T.: refere-se às repúblicas separatistas de Lugansk e Donetsk do leste da Ucrânia], agora nesta primavera, ou durante a Copa do Mundo neste verão. É claro que, independente do real desfecho de um tal ataque (já discutido aqui), isso não afetará de modo algum a real correlação de forças entre a Rússia e o Império. Mas fará com que os americanos se sintam bem (Neocons adoram a vingança em todas as suas formas). Nós podemos ainda esperar novas provocações na Síria (já discutidas aqui). A partir de agora e para o futuro previsível, os russos terão de prosseguir no seu assumidamente frustrante e até doloroso procedimento corrente, que é manter uma postura relativamente passiva e evasiva a qual o Império e seus bajuladores previsivelmente interpretarão como sinal de fraqueza. Deixa eles. À medida que, no mundo real, o poder efetivo do Império (seja soft ou hard) continue a declinar, à medida que o Complexo Industrial Militar dos Estados Unidos continue a produzir em massa sistemas de armamentos fantasticamente caros porém militarmente inúteis, à medida que os políticos dos Estados Unidos estejam ocupados culpando a “interferência russa” enquanto nada fazem para reformar as suas próprias economia e infraestrutura rumo ao colapso, à medida que os Estados Unidos continuem a usar suas máquinas de imprimir dinheiro como substituto para a riqueza real, e à medida que as tensões sociopolíticas internas nos Estados Unidos continuem a esquentar – então o plano de Putin estará funcionando.
A Rússia necessita continuar a caminhar sobre uma trilha bastante estreita: agir de forma suficientemente evasiva de modo a evitar provocar uma confrontação militar direta com os Estados Unidos, enquanto, ao mesmo tempo, envia sinais suficientemente claros para evitar que os americanos interpretem essa evasividade da Rússia como sinal de fraqueza para então vir a cometer algo realmente estúpido. O objetivo final da Rússia é simples e óbvio: chegar a uma desintegração gradual e pacífica do Império AngloSionista de forma combinada com uma substituição gradual e pacífica de um mundo unipolar, regido por um único país hegemônico, para um mundo multipolar administrado conjuntamente por nações soberanas respeitadoras da lei internacional. Assim, quaisquer desfechos catastróficos ou violentos são altamente indesejáveis e devem ser evitados o mais possível. Paciência e foco serão muito mais importantes nesta guerra pelo futuro do nosso planeta do que reações imediatistas ou propaganda ufanista. O “paciente” necessita ser trazido de volta à realidade um passo de cada vez. O discurso de Putin do dia primeiro de março entrará para a História como um desses passos, porém muitos outros passos serão necessários antes que o paciente finalmente desperte.
Be First to Comment