As ambiguidades geopolíticas de Lula

Mision Verdad – 10 de setembro de 2024

"O fato de Lula ficar de braços cruzados diante do golpe no Peru e, ao mesmo tempo, manter uma posição notoriamente ativa na situação venezuelana expõe a falta de seriedade da política externa brasileira no contexto regional."

Em 6 de setembro, o presidente brasileiro Lula da Silva, em uma entrevista à Rádio Difusora Goiânia, disse que “o comportamento de Maduro deixa muito a desejar”.

Para o líder brasileiro, dadas as “dúvidas” sobre os resultados das eleições presidenciais de 28 de junho, Maduro “deveria dizer o seguinte: vou demonstrar, você sabe, que sou o favorito do povo, tenho os votos, vou demonstrar que tenho os votos… mas ele não faz isso”.

Dessa forma, Lula reconfirmou que sua posição de relativa neutralidade, após as eleições presidenciais, tomou um rumo negativo que o coloca, no momento, no circuito de pressão internacional contra a Venezuela estimulado por Washington, com o objetivo de reduzir ao máximo o reconhecimento da vitória do presidente venezuelano no contexto latino-americano.

O brasileiro, tentando manter o equilíbrio como em outras ocasiões, foi enfático ao declarar que não romperia relações com a Venezuela e que continuaria a denunciar o regime de sanções contra Caracas pela forma como elas comprovadamente prejudicam a população social e economicamente.

Mas sua seletividade, ou dois pesos e duas medidas, em relação a Maduro e à soberania venezuelana estão demonstrados. O presidente brasileiro promove certos princípios e valores “democráticos” em relação ao país caribenho, mas os omite consistentemente ao interagir com outros governos cuja legitimidade de origem é questionável.

De uma perspectiva mais ampla, esse terceiro governo Lula tem recorrido com frequência a posições ambivalentes de política externa que prejudicam seu compromisso, como membro do Brics+, com a construção de uma nova ordem internacional multipolar.

Lula sobre a situação da democracia peruana

Após um processo questionado que levou à derrubada do presidente Pedro Castillo, por meio do endosso de uma estrutura institucional complexa que garantiu uma “sucessão” sob Dina Boluarte, as alegações de um golpe de Estado continuaram e até mesmo provocaram o desgaste das relações diplomáticas entre o Peru e vários países da região.

Os protestos contra a destituição de Castillo deixaram mais de 60 pessoas mortas. As violações dos direitos humanos foram maciças e denunciadas pelos movimentos sociais e pelo estabelecimento do “regime interamericano de direitos humanos”. Da mesma forma, os governos do México e da Colômbia denunciaram o processo de impeachment e as ações do Estado em face dos protestos.

No entanto, desde a chegada de Lula ao Planalto, sua abordagem ao golpe tem sido surpreendente.

Em 7 de dezembro de 2022, já como presidente eleito, tornou-se conhecida uma carta assinada por ele, na qual considerava o processo uma “destituição constitucional”: “É sempre lamentável que um presidente democraticamente eleito tenha esse destino, mas entendo que tudo foi feito dentro da estrutura constitucional”, disse ele.

Para Lula, as relações com Dina Boluarte têm sido completamente normais, independentemente das alegações de um golpe de Estado e de violações dos direitos humanos. Assim, em 28 de agosto, Lula e a presidente peruana tiveram uma conversa em que a questão venezuelana foi colocada sobre a mesa:

“Durante a conversa, que durou cerca de 35 minutos, os dois reafirmaram a importância da democracia e da integração política, econômica e logística da América do Sul.

“Boluarte relembrou o encontro que os dois tiveram em Belém, Pará, à margem da Cúpula Amazônica, há um ano, e agradeceu o apoio do Brasil na representação dos interesses do país na Venezuela após o rompimento das relações diplomáticas. Ele também agradeceu ao Brasil por sua posição na busca de uma solução para o impasse eleitoral na Venezuela”.

O fato de Lula ficar de braços cruzados diante do golpe no Peru e, ao mesmo tempo, manter uma posição notoriamente ativa na situação venezuelana expõe a falta de seriedade da política externa brasileira no contexto regional.[Enfase do Saker Latinoamérica]

Contradições e ambivalência no conflito entre a Ucrânia e a Rússia

O presidente Lula tem orgulho da posição do Brasil em relação ao conflito Rússia-Ucrânia. Em vários fóruns e espaços diplomáticos, ele declarou que a posição de seu governo será a de defender uma paz inclusiva discutida por ambos os lados (Kiev e Moscou). O Brasil é, portanto, um dos países, assim como a Índia e a China, que proclamaram publicamente uma posição de neutralidade no conflito.

Entretanto, a gestão geopolítica do Brasil não está isenta de contradições. Em uma reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o presidente brasileiro comentou que tanto o presidente russo, Vladimir Putin, quanto o presidente ucraniano, Vladimir Zelenski, “estão gostando da guerra” e que o desafio deveria ser construir uma reaproximação que tratasse da paz na região:

“Acho que tem de haver um acordo. Agora, se Zelensky diz que não tem uma conversa com Putin e Putin diz que não tem uma conversa com Zelensky, é porque eles estão gostando da guerra, porque, caso contrário, já teriam se sentado para conversar e tentar encontrar uma solução pacífica. Qualquer solução pacífica mata menos pessoas, destrói menos e é mais benéfica para os povos da Ucrânia e da Rússia.”

Pelo contrário, durante uma visita aos Emirados Árabes Unidos e à China em 2023, Lula acusou os Estados Unidos e a União Europeia de incentivar o conflito entre a Ucrânia e a Rússia por meio do fornecimento de armas. Naquela ocasião, o presidente brasileiro insistiu que eles deveriam parar de promover a guerra:

“A paz é muito difícil. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não toma a iniciativa da paz; o presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, não toma a iniciativa da paz. A Europa e os Estados Unidos acabam contribuindo para a continuação dessa guerra”.

A postura contraditória atinge a esfera diplomática. Embora o Brasil tenha apoiado a resolução da Assembleia Geral da ONU exigindo que Moscou cessasse sua “ofensiva militar imediata sobre a Ucrânia” e tenha participado da conferência de paz na Suíça, não apoiou a declaração final que dela resultou e manifestou sua oposição à imposição de sanções.

Com essas ambiguidades, o Brasil está tentando destacar seu papel neutro no conflito, apostando na formação de um grupo de países para servir como facilitadores em uma futura rodada de paz que leve a um cessar-fogo. Até mesmo o presidente russo Vladimir Putin propôs a China, o Brasil e a Índia como possíveis mediadores em futuras negociações de paz. Para o presidente russo:

“Respeitamos nossos amigos e parceiros que, acredito, estão sinceramente interessados em resolver todos os problemas relacionados a esse conflito. Esses são principalmente a China, o Brasil e a Índia”.

Espera-se que, na próxima reunião do Brics+ em Kazan, os líderes discutam e aperfeiçoem essa proposta. No entanto, a presença de Lula na Rússia seria mais um sinal da ambiguidade do Brasil sobre o assunto, já que Lula rejeitou convites para ir à Rússia em pelo menos duas ocasiões.

No entanto, desde fevereiro de 2024, foi confirmado com a visita do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, que o presidente Lula da Silva visitará a Rússia em outubro para a próxima cúpula dos líderes do bloco.

Contradições crescentes

O debate dentro do Estado brasileiro sobre uma posição que define e direciona, em geral, a política externa do país e, em termos concretos, a posição oficial sobre questões regionais e globais específicas, está se tornando cada vez mais evidente.

A disputa por uma narrativa que permita ao Brasil se posicionar de forma eficaz ainda está sendo travada entre aqueles que defendem o alinhamento com os Estados Unidos e seus aliados, dada a geografia e a história que ligam o Brasil ao Hemisfério Ocidental, e outros que estão empenhados em construir uma perspectiva centrada na construção de uma ordem internacional multipolar que permita ao país sul-americano, como potência média, adquirir um papel mais relevante no cenário global.

Internacionalmente, não é apenas o conflito Rússia-Ucrânia que evidencia essas contradições; o genocídio israelense em Gaza formalmente denunciado por Brasília, ao mesmo tempo em que mantém relações comerciais e militares com Tel Aviv, ou as posições sobre mudanças climáticas e políticas ambientais, também mostram a ambivalência do Estado brasileiro e, consequentemente, do governo Lula em questões espinhosas que, paradoxalmente, acabam aproximando-o da política externa errática de seu antecessor Jair Bolsonaro.

A Venezuela faz parte dessa complexidade brasileira.

O tratamento instrumental que foi e está sendo dado ao cenário pós-eleitoral venezuelano, resolvido pela decisão da Câmara Eleitoral do Supremo Tribunal de Justiça, revela o interesse em tirar proveito – talvez eleitoralmente – de uma situação que, em casa, surgiu nas eleições presidenciais do Brasil em outubro de 2022 e que, como na Venezuela, foi resolvida de acordo com o sistema jurídico do país.

A postura neutra que Brasília apregoa e que a “garantiria” como mediadora confiável entre a oposição e o governo de Nicolás Maduro se dilui quando a institucionalidade democrática da Venezuela é ignorada e os mecanismos legais, institucionais e políticos que acompanham as ações das autoridades públicas do país são questionados.

A credibilidade do Brasil, e de qualquer outro país, como facilitador do diálogo na Venezuela começa com o respeito à constituição nacional e termina quando ele omite seus preceitos.


Fonte: https://misionverdad.com/globalistan/las-ambiguedades-geopoliticas-de-lula

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